O americano resolveu gostar de legendas em filmes. Mas por quê?
Jovens adotam o uso de legendas e do recurso 'closed caption' nos Estados Unidos, quebrando um paradigma antigo, impulsionados pelo crescimento do streaming e pela dinâmica das redes sociais
Tradicionalmente, o público americano sempre teve aversão a filmes legendados. A tal ponto que os trailers de lançamentos estrangeiros chegavam aos cinemas editados de forma a não conter uma única fala, apenas cenas de ação ou reação, com música e poucos letreiros encarregados de passar a ideia do que era aquele filme.
Mas isso está mudando. A razão? Streaming e redes sociais.
Pesquisa da Preply – especializada no ensino de línguas – feita em 2022 junto a 1.200 pessoas concluiu que 50% dos americanos estão recorrendo a legendas e ao uso de closed caption – sistema que transmite legendas reproduzindo ou descrevendo o que está passando na TV, dentre falas, música e ruídos – enquanto assistem a séries e filmes.
Um dos motivos detectados pela pesquisa pode ser atribuído à estética sonora atual. O som dos filmes agora é mixado privilegiando a experiência imersiva oferecida por cinemas, embora também seja acessível a quem tiver uma boa aparelhagem de som em casa. Também fariam parte da equação os argumentos de alguns sobre a maneira como são construídos os televisores, hoje em dia, com os alto-falantes posicionados numa altura não ideal para o ouvido humano. Quem não estiver no cinema ou não possuir em casa um bom equipamento acabaria recebendo um som comprimido demais, o que prejudica as falas dos atores.
Resumindo, tem sido difícil distinguir o que está sendo dito na tela, enquanto tantos outros elementos – efeitos, ruídos de cena, música, explosões – disputam espaço e atenção com os diálogos, razão pela qual 72% dos respondentes disseram optar pelo recurso do closed caption. Daí o aumento na procura de pelo menos soundbars para turbinar o som dos novos televisores, de forma a conseguir isolar bem o canal de som dedicado a diálogos e entender melhor o que está sendo dito na tela.
Outro fator importante é o costume da Geração Z - aqueles com idade entre 18 e 24 anos – ficar ligada o maior tempo possível no que acontece em suas redes sociais, enquanto realiza outras atividades. Assim, esses jovens costumam assistir a filmes e séries ao mesmo tempo em que checam o que rola no Instagram e no TikTok e conversam com seus amigos. Acostumados a postagens legendadas – que permitem seguir o que está sendo dito sem precisar aumentar o som do dispositivo móvel – , esses jovens optam, portanto, por acionar a legenda do que a TV exibe para, sempre que quiserem, saber o que está acontecendo com uma breve olhadela no monitor, sem precisar ficar 100% atentos ao conteúdo.
Isso se não estiverem assistindo a tudo direto no celular. Outra pesquisa, feita em 2021 pela Stagetext – organização beneficente gerida por surdos – concluiu que 80% dos Gen Z’s pesquisados afirmaram recorrer a legendas ao ver filmes e séries em suas TVs ou seus portáteis. Destes, apenas 10 % agem assim por serem surdos. Em comparação, apenas 23% daqueles na faixa etária entre 56 e 75 anos – que, normalmente, poderiam se queixar de alguma perda de audição – usam legendas ou closed captions.
Existe também um curioso fator cultural, embora este tenha um aspecto pitoresco. Americanos recorrem a legendas quando assistem a filmes britânicos, da mesma forma que britânicos, no caso de filmes americanos. Apesar de falarem uma mesma língua, os sotaques, as gírias e as sutilezas de cada país ou região tornam-se um obstáculo para quem não está habituado.
Acrescente-se a isso o aumento nas plataformas de streaming de conteúdo em língua estrangeira e o sucesso estrondoso de séries como Round 6 e Casa de Papel. Para acompanhá-los, ou escolhendo a versão dublada ou recorrendo a legendas. E, mais uma vez, as legendas são as preferidas.
Consequentemente, cresceu exponencialmente a demanda pelo trabalho de empresas de legendagem, a maioria ligada a colaboradores autônomos espalhados pelo globo. É um negócio que alimenta um mercado de serviços de legendagem nos EUA avaliado em quase 170 milhões de dólares. Os serviços de transcrição, sozinhos, movimentam cerca de 30 bilhões de dólares.
Pudera: agora, os canais de streaming oferecem conteúdo legendado em uma variedade enorme de línguas, incluindo francês, alemão, italiano, espanhol e, claro, português (em duas versões: a brasileira e a portuguesa). Enquanto isso, os criadores que habitam o ecosistemas do YouTube e do TikTok se preocupam em legendar suas postagens em até 15 línguas diferentes.
Essa mudança de comportamento pode ser muito benéfica, no caso dos americanos. Acomodados com a fartura de conteúdo em sua língua-mãe, se habituar ao convívio pacífico com legendas, seja lá por que razão for, oferece a vantagem de abrir portas para um mundo novo e rico, artístico e geográfico.
Como bem sintetizou – em coreano – o diretor Bon Joon Ho, ao receber o Globo de Ouro de Melhor Filme em 2019, por seu elogiadíssimo Parasita, "na hora em que se supera a barreira das legendas, você será apresentado a tantos filmes incríveis!”.
Os algoritmos são racistas? Coleção de livros raros de Charlie Watts vai a leilão. A memorabilia de James Bond guardada pelo ex-007 Roger Moore, também. O menino que desenhou Auschwitz. As inspirações de Spike Lee ganham exposição. E os atores entram em greve em Hollywood.
– Os algoritmos são racistas? Essa é a preocupação de artistas negros, que enxergam preconceito em ferramentas de Inteligência Artificial. Seja na forma como retratam pessoas negras ou na maneira como estereotipam a história e a cultura negras – a partir de uma base de dados que delineia tais parâmetros. E mais: as tecnologias de reconhecimento facial e os assistentes digitais teriam problemas para identificar imagens e padrões de fala de pessoas não brancas. Representantes de companhias de ferramentas geradoras de imagens via IA – como OpenAI, Stability AI e Midjourney — disseram estar atentos ao problema e prometeram aprimorar seus sistemas.
– Parte da coleção de livros raros de Charlie Watts, baterista dos Rolling Stones morto em 2021, aos 80 anos, será leiloada. Pouca gente sabe, mas Charlie era colecionador ávido: de artefatos da Guerra Civil americana; de baterias usadas, décadas antes, por craques do instrumento; de automóveis (embora não soubesse dirigir); de memorabilia de jazz; e de primeiras edições ou exemplares especiais de livros, também. O lote que vai a leilão inclui primeiras edições autografadas pelos autores de O Grande Gatsby (F. Scott Fitzgerald) e O Cão dos Baskervilles (Arthur Conan Doyle). Itens da coleção de artigos relativos ao jazz também serão leiloados, como a partitura da ópera Porgy and Bess, com anotações do compositor, George Gershwin.
– Já que o assunto é leilão, o ator Roger Moore – que viveu James Bond sete vezes – deixou, ao morrer, em 2017, uma farta quantidade de memorabilia de seus tempos de 007. E parte dessa coleção também será leiloada. Os 180 lotes incluem smokings, gravatas de seda, skis da marca Lamborghini e uma edição especial do relógio de pulso Omega Seamaster. Parte do dinheiro a ser levantado com o leilão irá para a Unicef, da qual Roger foi embaixador.
– Quando era menino, o alemão Thomas Geve desenhou tudo que vivenciou nos campos de concentração nazistas. Hoje com 94 anos, ele transformou em livro parte dos mais de 80 desenhos que fez, junto com suas memórias dos dois anos passados em Auschwitz, Gross-Rosen e Buchenwald. Recém-editado no Brasil, O Menino Que Desenhou Auschwitz retratou o cotidiano dentro dos campos de concentração – inclusive enforcamentos públicos. Ironicamente, demorou muito até Thomas (na verdade, um pseudônimo) conseguir publicar suas memórias. Ele admite suas limitações – “sou um engenheiro, não um romancista”– e reconhece que as primeiras tentativas, em 1958, esbarraram numa relutância das editoras em lidar com um assunto tão espinhoso e ainda tão recente.
– As inspirações de Spike Lee formam a nova exposição imersiva planejada para abrir no Brooklyn Museum, em Nova York, na primeira semana de outubro: Spike Lee: Creative Sources. São fotografias, capas de discos, cartazes de filmes, letras, livros, roupas e memorabilia em geral que fizeram a cabeça do cineasta e moldaram todo seu trabalho. Cada uma das sete seções temáticas – história e cultura negra, Brooklyn, cinema, família, música, política e esporte – será acompanhada da exibição de um trecho de um dos filmes de Spike.
– Como se Hollywood já não tivesse dores de cabeça o bastante, com a greve dos roteiristas entrando em seu segundo mês, nesta quinta-feira foi a vez do sindicato dos atores anunciar que seus membros também vão parar, por tempo indeterminado. É apenas a segunda vez na indústria cinematográfica americana que atores e roteiristas entram em greve ao mesmo tempo. Anteriormente, isso aconteceu em 1960. E é a primeira greve dos atores desde 1980. O grande vilão, tanto para atores quanto para roteiristas, seria o achatamento de salários resultante da popularização das plataformas de streaming, especialmente no caso de trabalhadores de classe média. As plataformas estariam se negando a cumprir uma exigência considerada vital para os dois sindicatos: compartilhar dados de audiência e pagar mais aos criadores por programas que tenham maior público.
PLAYLIST FAROL 45
Um tributo ao Velvet Underground gravado na Catalunha. Gravação inédita de Prince. O Planet Hemp não vai desistir. O indie folk com pinta vintage do Paper Kites. Kristin Hersh, ex-Throwing Muses, solo. O ultra-pop sueco do Little Dragon. O “singspeak” de Ellie Beach. O quarteto feminino GENN escancara portas e ouvidos. O frontman do Fontaines D.C., agora sozinho. E a música sem amarras de Lauren Bousfield.
Pascal Comelade, Lee Ranaldo – “I’m Waiting for the Man“ – Um tributo ao Velvet Underground reúne o pianista francês Pascal com o ex-guitarrista do Sonic Youth, mais o baterista espanhol Ramon Prats, num concerto realizado ano passado, próximo a Girona. Tudo feito com poucos ensaios e motivado pelo lançamento do livro Linger On: The Velvet Underground, do jornalista catalão Ignacio Julià, editor da revista Ruta 66, criando um atrito artístico semelhante ao de Lou Reed (um guitarrista nova-iorquino chegado a um barulho, como Ranaldo) com John Cale (um pianista europeu, como Camelade).
Prince – “All A Share Together Now” – Saiu do baú semana passada uma gravação inédita de Sua Majestade Púrpura, gravada em 2006. É um funkão jazzeado que realça as tantas capacidades criativas de Prince, que sempre foi uma verdadeira usina de música.
Planet Hemp – “NÃO VAMOS DESISTIR” – As letras maiúsculas sublinham a determinação do grupo carioca de sempre resistir, como atesta seu novo single avulso, lançado dias atrás e apenas nove meses depois de ter saído o álbum Jardineiros. Aqui a faixa é compartilhada com Black Alien.
The Paper Kites – “Black & Thunder” – Indie folk com sonoridade vintage, evocando o Fleetwood Mac dos anos 1970, feito pelo quinteto australiano, de Melbourne, em seu novo álbum, At The Roadhouse.
Kristin Hersh – “Ms Haha”– Uma das principais vozes e compositoras do Throwing Muses, banda americana de rock alternativo com forte condimento pop que era presença constante nas rádios e na MTV nos anos 1980, Kristin tem novo álbum solo para sair, Clear Pond Road, onde ela incorpora mellotron, cordas e flautas para criar um efeito folk psicodélico não muito distante de Donovan.
Little Dragon – “Disco Dangerous” – Amostra do recém-lançado sétimo álbum do grupo sueco, Slugs Of Love, aqui vai um ultra-pop com irresistível balanço disco, do jeitinho que o título da música promete.
Ellie Bleach – “Pamela”– Fãs de Courtney Barnett vão curtir mais essa praticante do “singspeak”, aquele jeito falado de se cantar: a britânica Ellie. Só que aqui bem mais pop e melodioso.
GENN – “Days and Nights” – Três das integrantes do quarteto feminino, sediado em Londres, vieram da Ilha de Malta. E em seu álbum de estreia, unum, elas escancaram portas e ouvidos com um rock indie pesado e, no caso deste single, impulsionado por um groove de guitarra hipnótico.
Grian Chatten – “Fairlies” – O primeiro álbum solo do frontman do quinteto irlandês Fontaines D.C., Chaos For The Fly, que Chatten descreve como sendo "um filme de terror feito com uma paleta de cores hiper-real”, traz este skiffle moderno e intenso.
Lauren Bousfield – “Mansions No One Wants To Buy For Any Price” – Californiana baseada em Los Angeles, Lauren faz dois tipos de trabalhos musicais: um, mais comercial, para filmes (como Batman v. Superman), programas de TV e jogos eletrônicos. Mas, uma vez livre de amarras, ela se esparrama e se esbalda, criando faixas hiperativas, vertiginosas, intrigantes.