Clássico de Walt Disney celebra 60 anos sem perder o brilho – e a sensação de magia
'Mary Poppins' reabilitou a marca Disney – combalida por uma maré baixa de sucesso – e lançou Julie Andrews no cinema, usando um revolucionário misto de animação com atores e cenários de verdade
Uma estreante no cinema selecionada para ser a estrela principal do lançamento com o qual o estúdio produtor pretendia sublinhar seu arrojo tecnológico num período de maré baixa. Um co-astro bastante conhecido por seu trabalho na TV, mas de muito pouca quilometragem nas telas. A relação conflituosa com a escritora cujos livros foram adaptados para o filme.
Um terreno minado para qualquer produção criativa, a receita para uma tempestade perfeita.
No entanto, o oposto exato aconteceu. Mary Poppins, filme musical inovador, que integrava animação com cenários reais, efeitos especiais e um elenco de humanos, mostrou-se um sucesso retumbante de público – abocanhou mais de 100 milhões de dólares nas bilheterias, quase um bilhão de dólares, em dinheiro de hoje –, lançou a carreira de Julie Andrews em Hollywood de forma espetacular, rendendo a ela o Oscar de Melhor Atriz, coletou outras quatro estatuetas (nas categorias Melhores Efeitos Especiais, Melhor Música, Melhor Trilha Musical e Melhor Montagem), viabilizou Dick Van Dyke como astro de filmes e reforçou o prestígio e a magia de Walt Disney como empresário e criador visionário – sua “consagração”, nas palavras do estimado crítico americano Leonard Maltin.
Na semana que marca os 60 anos de lançamento de Mary Poppins, vale relembrar a corda-bamba artística de sua produção, os percalços de Disney para obter o resultado desejado – e a resiliência do próprio filme, um clássico perene do cinema feito para a família.
Inspirado por uma série de livros da britânica P. L. Travers, Mary Poppins conta a história do encontro da personagem-título – uma governanta – com os filhos levados da família de um banqueiro na Londres da era Eduardiana. Mary tem poderes mágicos – entre eles, o de voar – e logo conquista as crianças e faz amizade com um simpático limpador de chaminés, Bert (Dick Van Dyke). Tudo isso embalado por cenas com personagens de animação e as músicas matadoras dos irmãos Richard e Robert Sherman (como “Supercalifragilisticexpialidocious” e “A Spoonful of Sugar”).
Era o filme com o qual Disney pretendia afastar a maré de pouca sorte que vinha acompanhando seu estúdio ultimamente. Os quatro filmes originais anteriores tinham tido desempenho fraco, duas continuações ficaram aquém do esperado, e Walt queria provar que ainda era capaz de surpreender e encantar as platéias, como conseguira com clássicos que expandiram os limites das tecnologias de produção de filmes animados e mesmo convencionais, obras do quilate de Pinóquio, Bambi, 20 Mil Léguas Submarinas e A Dama e o Vagabundo.
Para isso, primeiro precisou ter a permissão da escritora dos livros que pretendia adaptar (aos quais foi apresentado pela própria filha, Diane), uma missão árdua, retratada no filme Walt Disney nos Bastidores de Mary Poppins, de 2013. A autora não nutria simpatia alguma pela Disney. Pior, temia que o estúdio trucidasse sua história, transformando-a numa bobagem. À força de muita perseverança e saliva, Walt conseguiu dobrar Travers, depois de fingir que não ouviu quando a autora enfatizou que não concordaria com um filme de animação.
Em seguida, viria a seleção do diretor e do elenco. Para comandar o projeto, Disney escolheu Robert Stevenson, veterano de currículo comprovado, com quem já trabalhara em sucessos como Meu Melhor Companheiro e O Fantástico Super-homem.
Na hora de escalar sua principal estrela feminina, Walt precisou utilizar todo seu charme e poder de persuasão para conseguir que Julie Andrews aceitasse fazer Mary Poppins. A atriz inglesa já havia sofrido uma grande decepção com Hollywood, quando, apesar de seu imenso sucesso como estrela do musical My Fair Lady nos palcos, Audrey Hepburn ganhou o papel na versão cinematográfica. Ainda por cima, Julie duvidava da capacidade de Disney conseguir produzir o filme no nível de qualidade almejado.
Disney viajou para Nova York, onde Andrews estava em cartaz na Broadway, ao lado de Richard Burton, com o musical Camelot. Encerrado o espetáculo, ele partiu para o camarim, determinado a conquistar a atriz. “Precisei convencê-la de que eu era capaz de fazer um filme que combinasse animação e atores de verdade”, explicou a um repórter na noite de estreia de Mary Poppins. “Tive que ter uma boa argumentação. Acho que me saí bem!”.
Julie aceitou, enfim, o papel, possivelmente sem mencionar a preocupação com a ginástica que precisaria fazer entre as idas ao set de filmagem e os cuidados com Emma, sua filha recém-nascida. Mas talvez também deva ter ficado de fora da conversa com Walt que ela não havia sido a primeira opção para o filme. Antes de Andrews, cogitou-se o nome de Angela Lansbury. E pensou-se em Cary Grant para o papel que iria para Van Dyke.
Dick – que ali faria seu terceiro longa – também recorda do processo de convencimento a que Walt o submeteu. “Ele me levou a sala após sala, onde estavam espalhadas pinturas em guache de todas as diferentes cenas (do filme)”, recordou o ator, numa entrevista em 2018 à revista People, feita quando chegou às telas Mary Poppins Returns, o remake com Emily Blunt e Linn-Manuel Miranda nos papéis principais. “Saí dali flutuando. Ele me convenceu. E a trilha-sonora simplesmente me arrebatou”.
Os papéis se inverteriam quando Van Dyke pediu a Walt para fazer um segundo papel no mesmo filme, um personagem menor, o Sr. Dawes, banqueiro avarento e antipático. Disney impôs uma condição: só aceitaria a proposta se Dick pagasse pelo papel, fazendo uma doação de quatro mil dólares à CalArts, escola de artes visuais e cênicas fundada por Disney em 1961 e até hoje em atividade – o equivalente a 10 vezes mais, hoje em dia.
Talvez seja difícil avaliar agora, no século 21 das redes sociais e das plataformas de streaming, a enormidade do sucesso de Mary Poppins, quando saiu nos Estados Unidos. Filas para o cinema que exibiam o filme dobravam os quarteirões. As músicas da trilha-sonora ficaram incrustadas na cultura pop mundial dali por diante. As livrarias e as lojas de brinquedos e discos vendiam a rodo produtos relacionados ao filme, que tornou-se um marco na linhagem de longas destinados a reunir toda a família diante de uma tela, ano após ano, tingido com um tanto de nostalgia.
A carreira de Julie Andrews, por sua vez, foi catapultada ao superestrelato. Ela derrotou ninguém menos que Sophia Loren, Anne Bancroft, Kim Stanley e Debbie Reynolds ao receber o Oscar de Melhor atriz pelo filme de Disney. E logo mergulhou na produção daquele que tornou-se seu papel-assinatura, o da Noviça Rebelde.
Ironicamente, nunca mais recebeu a cobiçada estatueta, apesar de ter sido indicada duas outras vezes. Dick Van Dyke, enquanto isso, só recebeu prêmios – quatro troféus Emmy, ao todo – por seu trabalho na TV, à frente de sua própria sitcom.
Sua ligação com a produção de 1964 mostrou-se ainda forte quando saiu o remake, no qual representou o filho de seu personagem coadjuvante do filme original, aquele pelo qual “pagou” a Walt.
“Será sempre o melhor filme que já fiz, nem que viva 150 anos”, disse Van Dyke, hoje com 98. Ou seja, falta apenas meio século para ver se surge uma produção que para ele supere Mary Poppins.
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Com as plataformas de streaming, aparentemente aumentou a liberdade de escolha do que se ver – por preços mais econômicos.
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Trocando a vida de ator pela de diretor de fotografia. Naomi Watts escreve sobre menopausa. A poesia do pai da trilogia Senhor dos Anéis. Almodóvar olha no espelho retrovisor. E a volta do Oasis para uma nova turnê
– É comum ver atores e atrizes mudarem para o outro lado da câmera, tornando-se roteiristas, produtores ou diretores. Mas é extremamente raro o caso do ator Giovanni Ribisi, que há anos vem construindo uma carreira paralela como diretor de fotografia. O astro americano da TV e do cinema já trabalhou sob a batuta de Steven Spielberg em O Resgate do Soldado Ryan, é parte do elenco-núcleo das séries Avatar e Horizon, épico de faroeste realizado por Kevin Costner, e encabeçou o elenco do seriado Sneaky Pete. Mas nos últimos 15 anos, meio na encolha, ele vem aprimorando seus talentos como o responsável pelo captação das imagens e pelo visual das produções. Começou fazendo videoclipes até graduar-se em seu primeiro longa, o elogiado filme de terror Strange Darling. “Mas não queria falar sobre o assunto”, argumenta, “porque queria me preparar, ralar primeiro”.
– Por sua vez, a atriz australiana Naomi Watts anunciou o lançamento, em janeiro, de seu primeiro livro, no qual não enfoca seus trabalhos nas telas, seja em Mulholland Drive, King Kong ou na elogiadíssima segunda temporada da série Feud, mas fala de um assunto diverso de sua carreira: a menopausa. Ela espera que seu Dare I Say It: Everything I Wish I’d Known About Menopause ajude mulheres a expressar livremente seus sentimentos a respeito de um assunto considerado tabu. “As mulheres precisaram sofrer em silêncio e sentir vergonha por muito tempo das mudanças por que passam durante a menopausa, com pouco acesso a informação, apoio ou mesmo uma conversa franca (sobre o assunto)”.
– E por falar em livros, você conhece a obra-prima do autor inglês JRR Tolkien – a trilogia O Senhor dos Anéis, com 150 milhões de cópias vendidas mundo afora. Ele, no entanto, sonhava também ser reconhecido como poeta. Meio século depois de sua morte, o desejo será realizado com a publicação de The Collected Poems of JRR Tolkien, livro que a HarperCollins lançará mês que vem. São mais de 195 poemas, dentre eles 70 obras inéditas.
– A cerca de uma semana de estrear no Festival de Cinema de Veneza seu primeiro longa falado em inglês, The Room Next Door (estrelado por Tilda Swinton e Julianne Moore), o diretor espanhol Pedro Almodóvar deu longa entrevista à Folha de S. Paulo sobre o filme e seu novo livro, O Último Sonho, uma mistura de autobiografia e ficção. É uma coleção de 12 textos, feitos entre os anos 1960 e 2023. “Eu não gosto muito de olhar para o passado, para as coisas que fiz antes”, explicou o diretor. Mas ao ser provocado pela secretária – Lola Garcia, a quem dedica o livro – , passou a reler os escritos antigos e começou a lembrar onde estava e como vivia quando aqueles textos nasceram. “Não me pareceram tão primitivos quanto eu achava”.
– O anúncio foi curto e grosso: ”As armas silenciaram. As estrelas se alinharam. A grande espera acabou. Venha ver. Não será televisionado”. O considerado impossível aconteceu. Quinze anos depois de terem rompido, em meio a uma série intermitente de insultos mútuos, os irmãos Liam e Noel Gallagher anunciaram nesta terça-feira a volta à ativa de sua banda, Oasis, reunida para uma turnê de 17 apresentações pelo Reino Unido e na Irlanda, durante o verão setentrional do ano que vem, a ser iniciada em 4 de julho em Cardiff, no País de Gales, com shows agendados em Londres, Manchester, Edimburgo e Dublin. A notícia acontece 30 anos após o lançamento do álbum de estreia do Oasis, Definitely Maybe. Não existe a possibilidade, ainda, de uma turnê européia no ano que vem, mas já se cogita uma excursão pelos Estados Unidos e “por outros continentes”.
PLAYLIST FAROL 93
A rancheira punk noir das Cigarras. O pop erudito do Tindersticks. O supergrupo indie The Hard Quartet. O shoegaze barcelonense de Ramona Flores. O hip-hop experimental de Kidä. Geordie Greep combina Steely Dan com São Paulo. O tobogã de Lô Borges. Lucius + War On Drugs. A sobrecarga sensorial de Melt-Banana. E Olivia Byington + A Barca do Sol.
Cigarras – “Amarração de Amor”– O poeta francês Charles Baudelaire serviu de inspiração para as curitibanas criarem seu irresistível novo single, uma rancheira punk noir movida a paixão e misticismo.
Tindersticks – “Always a Stranger” – O veterano grupo britânico continua praticando um pop erudito, denso, em seu 14º álbum, Soft Tissue.
The Hard Quartet – “Rio’s Song”– Uma amostra do primeiro álbum do supergrupo indie formado por Stephen Malkmus (Pavement), Emmett Kelly (The Cairo Gang), Matt Sweeney (Chavez) e Jim White (Dirty Three), que sai em outubro. E não deixe de ver o vídeo que Jared Sherbert criou para esta faixa – dedicada ao ator Rio Hackford, filho do diretor Taylor Hackford – , no qual recria, cena a cena, trejeito a trejeito, o vídeo de “Waiting On Friend”, feito em 1981 pelos Rolling Stones, usando exatamente as mesmas locações.
Ramona Flores – “Recibe lo que hay en mi (que eres tú)” – Shoegaze melancólico (mas energético) made in Barcelona, com bem mais que uma pinta dos anos 1990.
Kidä – “Harvest Me”– Vem de Nova York o hip-hop experimental (e sensual), enfeitado com instrumentação egípcia, que faz parte do EP Savage Ballet.
Geordie Greep – “Holy, Holy” – A sonoridade da estreia solo do (por enquanto) ex-frontman do black midi deve muito ao Steely Dan – e a São Paulo, onde metade do álbum The New Sound foi gravado.
Lô Borges – “Tobogã” – A faixa-título do novo álbum do mineiro, sócio-fundador do Clube da Esquina, emprestou o título do livro de memórias escrito pelo pai de Lô, Salomão Borges, para dar partida num pop solar e positivista, com letra de Manuela Costa e a participação de Fernanda Takai nos vocais.
Lucius – “Old Tape”– Novo single da dupla feminina angelena de indie pop, aqui acrescida de Adam Granduciel, do War On Drugs, na guitarra e nos vocais de apoio.
Melt-Banana – “Hex”– Prepare-se para uma sobrecarga sensorial daquelas gigantes. 3 + 5, o novo álbum da dupla japonesa formada pelo guitarrista Ichiro Agata e pela vocalista Yasuko Onuki, é uma betoneira desgovernada de tirar o fôlego, movida a riffs cortantes e vocais hiperativos.
Olivia Byington – “Lady Jane”– Quase meio século depois do lançamento de seu primeiro álbum solo, Corra o Risco, Olivia reuniu-se com o grupo de folk carioca A Barca do Sol, com quem gravou todo o disco, para revisitar seu repertório numa série de shows comemorativos. Dentre as músicas, esta parceria com Geraldo Carneiro.