Cineasta criativo + iPhone = uma revolução no audiovisual
O oscarizado Danny Boyle realizou a primeira grande produção de estúdio rodada inteiramente com o smartphone da Apple, abrindo uma nova (e enorme) clareira na indústria de cinema
Junte um cineasta visionário e uma das principais empresas de tecnologia do planeta. O resultado: o início de uma revolução inovadora, que muda o jogo do audiovisual.
Trata-se da união de Danny Boyle – oscarizado diretor cujo currículo inclui Trainspotting-Sem Limites e Quem Quer Ser Um Milionário? – com a Apple para a feitura do novo longa do realizador britânico, 28 Years Later, a primeira grande produção de estúdio, com orçamento superior a 75 milhões de dólares, a ser rodada inteiramente com um smartphone. No caso, um iPhone 15 Pro Max.
Videoclipes, comerciais (inclusive da Apple, é claro) e outros longas utilizaram iPhones no passado – Tangerine (de 2015) e Unsane, de Steve Soderbergh (2018) são exemplos –, mas foram produções de porte muito menor, ou independentes. Por sua vez, 28 Years Later é o primeiro de uma esperadíssima nova trilogia que dá sequência ao celebrado Extermínio – o filme que em 2002 apresentou Cillian Murphy (premiado astro de Peaky Blinders e Oppenheimer) ao grande público ao mesmo tempo que inaugurou uma longa linhagem de histórias sobre zumbis onde os monstros são velozes como chitas –, e a Extermínio 2, de 2007, também produzido por Boyle mas dirigido por Juan Carlos Fresnadillo e com Robert Carlyle, Rose Byrne, Idris Elba e Jeremy Renner no elenco.
Nesta primeira parcela da trilogia, com lançamento previsto para meados de 2025 e cuja trama vem sendo mantida em segredo, sabe-se apenas que agora é a vez de Jodie Comer (a assassina da série Killing Eve), Ralph Fiennes e Aaron-Taylor-Johnson (o John Lennon de O Garoto de Liverpool e cotado para ser o próximo James Bond) enfrentarem os zumbis. Cillian também participará, embora numa escala ainda desconhecida.
Imagina-se que o novo filme trilhará o caminho traçado desde o original, de 2002, quando o protagonista (Murphy), um entregador, acorda num planeta tomado 28 dias antes por um vírus que transforma os contaminados em zumbis e dizima a população da Terra. O segundo, passado 28 semanas depois do ocorrido, mostra os esforços para repovoar o planeta. O que acontece no terceiro – quase 30 anos após o episódio que deu início a tudo – ainda é um segredo.
A grande notícia, por enquanto, é a tecnologia por detrás do filme. E não significa que bastou tirar do bolso um iPhone para produzir, de bate-pronto, um longa-metragem de qualidade equivalente a qualquer outra grande realização em cinema. Existe aqui a sacação do diretor do filme e de seu diretor de fotografia. E existe também o aparato adicional que permitiu apoiar tudo num aparelho não exatamente barato, mas bem mais acessível – e versátil – que as câmeras de cinema tradicionais.
Danny e o cinematógrafo Anthony Dod Mantle – a mesma dobradinha do filme original e de Quem Quer Ser Um Milionário?, premiado com oito Oscars, inclusive o de Melhor Fotografia – acoplaram aos smartphones usados na filmagem uma moldura de alumínio da marca Beast, que permite encaixar diferentes lentes, tripés e microfones, e oferece um adaptador para se ajustar a profundidade de campo das lentes para cada tomada. O iPhone grava as imagens registradas nessas lentes com uma resolução de 4K e no formato “log color profile”, que possibilita um arquivamento de todas as informações técnicas contidas nas imagens que permitirão alterações e correções na saturação, no contraste e no nível de cores durante o processo de pós-produção. Consegue-se, assim, flexibilidade sem precedentes e qualidade final absoluta, de altíssimo nível.
Boyle e Mantle sempre foram chegados a arriscar novas tecnologias. Em Extermínio, empregaram oito câmeras Canon XL-1, quase amadoras, mas leves e portáteis, para registrar a complicada sequência de abertura do filme, um amanhecer numa Londres deserta. Caso tivessem optado por equipamento tradicional, aquela filmagem teria demorado duas semanas e atrapalharia ainda mais a vida dos londrinos, uma vez que o trânsito em pontos-chave da cidade precisava ser interrompido para se obter o efeito de cidade deserta desejado.
Feitas (em quatro dias!) com definição standard (SD), bem mais baixa que a maioria das câmeras da época, as cenas ganharam um visual bastante singular (mais tarde até imitado), o que imprimiu à abertura de Extermínio uma qualidade toda especial – mas também deu origem a um desafio. O filme está fora das plataformas de streaming e a qualidade inferior da sequência de abertura é parte do problema, pois destoa demais do resto da produção, e isso ficaria claro quando reproduzido nas TVs de altíssima definição de hoje em dia, para olhos acostumados a imagens em 4K ou mesmo 8K.
O segundo filme da nova trilogia já está em produção. 28 Years Later Part II-The Bone Temple é o título temporário. A direção está a cargo de Nia DaCosta, a mesma de A Lenda de Candyman (2021) e do mais recente As Marvels (2023). Não se sabe, porém, qual equipamento está sendo usado no set. Câmeras tradicionais? Ou iPhones mais modernos, com acessórios ainda mais aprimorados? Ou o experimento de Boyle e Mantle valeu apenas para uma vez?
Diga aí!
A enquete do FAROL
Cada semana o FAROL quer ouvir você sobre temas candentes, assuntos que estão pipocando aqui e ali, incontornáveis – e quer saber como eles estão afetando nossos leitores.
Hoje, o assunto é mais um dispositivo móvel?
Jony Ive, o designer de cuja mente privilegiada saiu tudo de genial da Apple desde a volta de Steve Jobs ao comando da companhia, em 1997, do iPhone ao iPod e o Apple Watch, montou com Sam Altman, CEO da startup OpenAI, uma companhia para criar um novo dispositivo móvel, todo dedicado a Inteligência Artificial. Sabe-se quase nada, por enquanto, do aparelho que virá por aí, exceto que o projeto recebeu financiamento inicial de um bilhão de dólares, terá touchscreen e será feito a partir de um escritório em São Francisco, na Califórnia, onde uma equipe de 10 pessoas já começou a trabalhar.
O novo produto competiria diretamente pelo menos com os iPhones de última geração em diante – bem como outros aparelhos já existentes que passarão, uma hora ou outra, a incorporar elementos de IA.
E você, compraria um dispositivo móvel só de Inteligência Artificial? Seu telefone ou tablet já bastam e será melhor esperar que ofereçam esse recurso? Ou você não está nem aí para a IA?
Se quiser votar e depois também se estender na sua resposta, e estamos torcendo para que isso aconteça, escreva para jer.farol@gmail.com. Queremos saber de você!
O resultado da enquete sairá na próxima edição do FAROL.
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Resultado da enquete anterior
Na semana passada, perguntamos: você vai a festivais de música? 36% responderam não, prefiro ver em casa, pela TV. Outros 36% disseram não se interessar por festivais de música. Já 28% vão a festivais, mas em dias selecionados. Enquanto ninguém vai a todos os dias.
Nova York tomada de assalto pelo jornal de Gotham City. Filmes mudos com trilha de álbuns clássicos de rock alternativo. Leonel Messi virou produtor. O clube literário de David Bowie. E qual banda seguirá o caminho do Oasis e voltará à ativa?
– Isso é que é marketing bem sacado. Para badalar o lançamento da nova série Pinguim, na Max, o jornalão The New York Times se transformou, por uma vez só, na semana passada, no Gotham Gazette, o jornal que circula no mundo de Batman e seus arqui-inimigos. Na verdade, era uma sobrecapa promocional chamando para o filme, com matérias de mentirinha envolvendo o protagonista e o caos que ele provoca em sua cidade. Assinantes do jornal impresso tomaram um susto quando foram pegar seus jornais de manhã, mas a ação ficou mais divertida para quem circulou por pontos de muito movimento em Nova York, como a estação de trem Grand Central, ou Times Square, onde “jornaleiros” à moda antiga distribuíam, aos berros, o Gotham Gazette (embora, nesse caso, somente a sobrecapa, sem o Times de verdade).
– Não é de hoje que se tenta misturar o som de um disco de rock com as cenas de um filme clássico – lembram do que fizeram com O Mágico de Oz e Dark Side of The Moon, do Pink Floyd? Só que agora deu-se um passo adiante. A American Cinematheque, em Los Angeles, acaba de lançar a série Silents Synced, onde filmes mudos icônicos são projetados tendo como trilha sonora a música de álbuns de rock alternativo. A largada foi dada com a combinação de Nosferatu, o ícone do cinema de terror dirigido por F. W. Murnau, com faixas dos discos Kid A e Amnesiac, do Radiohead.
– Craque no campo, Leonel Messi quer também brilhar nas telas. Não como ator, mas como produtor de filmes, séries de TV e comerciais. Sua 525 Rosario – anunciada dias atrás – terá escritórios em Miami (onde o atleta argentino joga, no Inter) e em Los Angeles. O nome da produtora remete ao endereço do jogador na Argentina. A ideia é produzir documentários, programas para a família e storytelling de marcas, a ser criado em parceria com agências de publicidade.
– Quer ter um gostinho da biblioteca particular de David Bowie? Basta acessar o Bowie Book Club. A iniciativa de um clube de leitura inspirado no artista britânico nasceu quando David morreu, em 2016, e dois amigos de Seattle, nos Estados Unidos, resolveram criar um podcast para falar dos livros que ele havia lido em vida. O clube segue a lista de livros originalmente disponibilizada no site oficial de Bowie e nos podcasts disseca cada um.
– Inspirado pela surpreendente trégua travada pelos irmãos Gallagher para retornar aos palcos à frente do Oasis (que, aliás, toca em São Paulo ano que vem), o repórter Carlos Marcos, do diário espanhol El País, exercitou a imaginação para listar as condições ideais que devolveriam à ativa 15 bandas de rock cujas carreiras terminaram sem chances de reconciliação, por um motivo ou outro. O rol inclui desde Led Zeppelin – que em 2007 chegou a se apresentar com Jason Bonham assumindo as baquetas do pai, John, morto em 1980 – a The Smiths. Não custa nada sonhar.
PLAYLIST FAROL 97
Ice T + David Gilmour regravam clássico do Pink Floyd. A volta do Haircut 100. O pop barroco de My Brightest Diamond. Willie Nelson canta a filosofia cósmica do The Flaming Lips. Bon Iver lírico. Kishi Bashi interpreta o Brasil. O afro-futurismo de Oxlade. Talking Heads com violoncelo. The Cure quebra o silêncio. E o adeus a Osmar Milito.
Body Count – “Comfortably Numb”– O grupo de rock do rapper e ator Ice-T sacou da manga um cover singular do clássico do Pink Floyd, trazendo um trunfo especial: a guitarra do próprio compositor, David Gilmour.
Haircut 100 – “The Unloving Plum”– O grupo britânico, um dos principais nomes da New Wave do início dos anos 1980, volta à ativa, depois de quatro décadas adormecido, com o primeiro (e cintilante) single sem seu frontman original, Nick Heyward.
My Brightest Diamond – “Safe House”– Embalada por uma sequência de acordes que ecoa “All Along the Watchtower”, a nova faixa de pop-barroco da cantora-compositora americana Shara Nova investe na dramaticidade.
Willie Nelson – “Do You Realize??"– Outra versão de responsa. O Velho Homem do Country abraça com apetite, sabedoria e delicadeza a conhecida canção de filosofia cósmica do The Flaming Lips, cuja frase “você se deu conta de que todo mundo que você conhece um dia irá morrer?” adquire aqui um significado especial, vindo de um artista que há 91 anos desafia o tempo.
Bon Iver – “SPEYSIDE” – Justin Vernon dá uma amostra de seu novo EP, SABLE, com um lamento plangente, conduzido por uma lírica viola da gamba.
Kishi Bashi – “Analógico Brasil” – O multi-instrumentista americano rebelou-se contra qualquer tipo de Inteligência Artificial e criou um álbum onde enfatiza as qualidades humanas, alternando (ou combinando) profundidade com música para dançar, caso desta sua interpretação funk-jazz-pop da música brasileira.
Oxlade – “ASUNANA - HOLD YOUR WAIST”– Vem da Nigéria o irresistível soul afro-futurista do cantor/compositor Oxlade, com participação do conterrâneo Wande Coal.
Talking Heads – “Psycho Killer” – Na terceira cover da playlist da semana, o violoncelista Arthur Russell adicionou fraseados dramáticos a uma versão predominantemente acústica do hit que ajudou a definir o grupo para o público. É uma das faixas da reedição super deluxe do álbum Talking Heads: 77, que sai em novembro.
The Cure – “Alone”– Demorou 16 anos para Robert Smith lançar música nova. Mas, finalmente, cá está o primeiro single do álbum Songs of a Lost World (ainda sem data de lançamento), um mergulho existencial arrojado, sem pressa alguma, onde o primeiro verso cantado surge somente depois de três minutos e meio de instrumental.
Osmar Milito – “Que Bandeira” – O Brasil perdeu essa semana o pianista veterano paulistano, que em seis décadas de carreira brilhou na bossa nova e no jazz, fosse nos palcos da noite carioca, nos shows de uma lista de artistas que inclui de Lenny Andrade, Djavan e Nara Leão a Sergio Mendes e Chico Buarque, na orquestração de discos como A Tábua de Esmeraldas, de Jorge Ben Jor, nas trilhas de telenovelas, ou em seus próprios discos, como nesse aqui, de 1972, onde toca uma canção de Marcos Valle acompanhado pelos vocais do Quarteto Forma. Osmar tinha 83 anos.