Ai de ti, Hollywood
Com produções sendo transferidas para outros estados (e países), os empregos na capital do entretenimento escassearam a níveis preocupantes, forçando profissionais calejados a trocar de ofício
Houve um tempo em que aspirantes à fama e a carreiras na indústria de entretenimento – cinema ou televisão, em especial – tinham como meta mudar para Hollywood, sede dos principais estúdios americanos, onde a oferta de trabalho era farta e variada, com chance real de sucesso e de altas recompensas financeiras.
No entanto, o quadro hoje é desolador.
Com a transferência de inúmeras produções de filmes e programas de TV para outros estados – um exemplo notável é a Georgia, no sul dos Estados Unidos – ou para outros países – como Austrália ou, acredite, se quiser, Vietnã – , em busca de incentivos fiscais e mão de obra mais barata, o mercado de trabalho na cidade-símbolo do showbiz contraiu de tal forma que profissionais de currículos consideráveis, mas desempregados por longos períodos, já se movimentam para dar uma guinada em suas carreiras, na busca de uma nova (e constante) fonte de renda.
E a tendência é de piora. A Warner Bros se comprometeu a investir 8.5 bilhões de dólares na construção de um novo complexo de estúdios – mas em Las Vegas. A Fox Entertainment, por sua vez, transferiu parte considerável de sua produção de reality shows para a Irlanda.
Os mais afetados pela questão não são os astros e os elencos principais de filmes e séries, os roteiristas e diretores cujos nomes enfeitam os cartazes, mas técnicos e operários, geralmente anônimos para o grande público, de importância fundamental na realização daquele conteúdo.
O jornal The Los Angeles Times detalhou em matéria recente o drama vivido por esses profissionais que trabalham nos bastidores – decoradores, pintores, construtores de set e até diretores de arte – em meio a uma escassez continuada de filmes e programas de TV sendo rodados em Hollywood.
Há o caso do designer de produção Dave Blass – cujos créditos incluem as séries Justified e Star Trek: Picard –, que não teve alternativa para pagar as contas a não ser aceitar encomendas de trabalho de desenho gráfico e mesmo vender autógrafos em convenções de fãs do universo Jornada nas Estrelas. Atualmente, aprende a operar câmeras montadas em drone para trabalhar no ramo imobiliário.
“As pessoas estão se agarrando ao que podem com unhas e dentes”, disse ao jornal, “mas já estão ficando sem as unhas e os dentes. Conheço ganhadores de prêmios Emmy que estão trabalhando como entregadores de peças de automóveis”.
“Conheço um decorador de set que está trabalhando como salva-vidas”, contou ao mesmo jornal Jennifer Fulmer, profissional que já decorou os sets de diferentes séries para a rede ABC e cuja renda hoje resume-se ao aluguel de uma casa de montanha que disponibiliza pela plataforma Airbnb. Colega de Jennifer no mesmo ofício, Cheryl Murphy sobrevive cuidando de pets e pintando casas.
Entrevistado pela rádio KCRW, baseada em Santa Monica, na Califórnia, Patrick Caliguri, produtor especializado em reality shows (dentre eles, Big Brother e Naked and Afraid), enxerga um punhado de causas para o estado atual de coisas em Hollywood, inclusive no seu setor, antes imune a turbulências como as recentes greves de roteiristas e atores – e composto de profissionais não sindicalizados. A produção de reality shows americanos caiu 60%, no último trimestre, em comparação ao mesmo período no ano passado.
“A televisão funciona em ciclos”, explica Patrick. “As sitcoms reinaram nos anos 1990, época de Friends e Seinfeld. Fiz faculdade pensando em ser roteirista de sitcom, mas quando me formei elas tinham perdido espaço. Entrei no mercado de reality shows quando eles estavam decolando. Houve uma bolha, mas era insustentável. O ritmo de produção começou a decair antes mesmo das últimas greves (de atores e roteiristas), dois anos atrás. E as assinaturas dos canais de streaming não se mostraram suficientes para cobrir todos os custos de produção”.
“Hoje esse mercado também contraiu”, continua. “Tive que aceitar um trabalho recente por 40% a menos do que ganharia. Além disso, as novas gerações não assistem tanto a TV quanto as anteriores, e houve um movimento enorme em direção às redes sociais. Esse pessoal prefere Instagram ou TikTok (o próprio Patrick tem seu canal no TikTok, onde relata as agruras por que passam os sem-trabalho de Hollywood). O YouTube representa 10% de tudo que se assiste hoje em dia nos Estados Unidos. Não existe mais uma grande demanda por reality shows”.
“Ao mesmo tempo”, pondera, “os canais a cabo e de streaming não são mais tão lucrativos como antes”, o que reduz o frenesi de produção de conteúdo anterior, quando todo mundo investia pesado produzindo “de um tudo” para ver o quê, no final, colava. “De tudo que existe hoje, talvez apenas cinco ou seis canais de streaming sobrevivam”, acredita Patrick.
“O sonho de viver e trabalhar em Hollywood está ficando cada vez mais difícil”, lamentou também ao The Los Angeles Times West Hottman, diretor de arte que trabalhou em filmes e em televisão. “Você precisa estar disposto a sair em busca de trabalho em outros lugares”, como Texas, Montana, Havaí e, claro, Georgia.
Hollywood, hoje em dia, não seria mais só em Hollywood, necessariamente. Mas haveria jeito de revigorá-la, de recuperar seu brilho?
“A Califórnia representa a quinta maior economia do mundo”, ironiza, por fim, David Blass. “Por que não estamos oferecendo mais incentivos fiscais que a Georgia para que Hollywood permaneça em Hollywood?”.
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John Malkovich recria fotos icônicas. A emoção de Marcelo Rubens Paiva no set de filmagem de Ainda Estou Aqui. 'Dificuldades externas’ provocam cancelamento do festival Primavera Sound São Paulo. Crise climática afeta shows ao ar livre nos Estados Unidos. Revista Spin volta a ser impressa. E Tintin ganha as paredes de cidade espanhola
– O ator John Malkovich posou para as lentes do craque Sandro Miller para recriar mais de 60 fotos icônicas feitas por mestres como Richard Avedon, Diane Arbus, Annie Leibovitz, Irving Penn e Horst. O resultado está reunido no livro Then Came John, de edição limitada, que será vendido por “apenas” cinco mil euros. São imagens que reproduzem momentos históricos – um portrait de Abraham Lincoln, ou um clique da última sessão de fotografia feita por Marilyn Monroe – e artísticos – um close posado de Truman Capote, ou uma estilização extrema protagonizada por Meryl Streep. Foi um trabalho intenso, que exigia 16 horas por dia para cada foto, das quais duas dedicadas à maquiagem.
– Marcelo Rubens Paiva relatou à Folha de S. Paulo sua experiência ao visitar o set de filmagem de Ainda Estou Aqui, filme de Walter Salles estrelado por Fernanda Torres, Fernanda Montenegro e Selton Mello, recém-lançado no Festival de Cinema de Veneza, dentro da competição pelo Leão de Ouro. O longa é baseado no livro de mesmo título que Marcelo escreveu sobre o desaparecimento de seu pai – o engenheiro e ex-deputado federal Rubens Paiva, levado da própria casa, torturado e morto pela ditadura militar, em 1971 –, a luta da mãe, Eunice, enquanto buscava a verdade sobre o ocorrido com o marido, e, mais tarde, o processo por que passou com a perda de memória causada pelo Mal de Alzheimer. “É um filme sobre uma família atropelada pela insensatez das contradições políticas, da intolerância e violência”, escreve Marcelo. “Como tantas famílias foram atropeladas pelo ódio e terror. Aconteceu. Continua acontecendo, não deveria mais acontecer. Por isso, ele foi feito. Para isso”.
– Três meses antes da data prevista para sua realização – de 20 de novembro a 1º de dezembro, no Autódromo de Interlagos – o festival Primavera Sound São Paulo 2024 foi cancelado, por conta de “dificuldades externas” envolvendo sua montagem também em outros países da Americana Latina, como Argentina, Uruguai e Paraguai. Diretor do festival, o espanhol Alfonso Lanza alegou problemas envolvendo a indústria musical na região, mas o g1 lembra que a programação do festival jamais chegou a ser divulgada e, nos últimos meses, vinha sendo questionada pelo público nas redes. O Primavera Sound celebrou este ano sua 22ª edição, em Barcelona.
– Enquanto isso, há quem se preocupe com o efeito da crise climática sobre a saúde dos grandes eventos musicais ao ar livre. Nos Estados Unidos, vários festivais e concertos da temporada de verão precisaram ser suspensos temporariamente ou cancelados por conta de condições severas de meteorologia, de calor extremo a chuvas de granizo e tempestades de relâmpagos. A lista de artistas e eventos afetados inclui Beyoncé, Foo Fighters e Ed Sheeran.
– A revista Spin – publicação de música fundada em 1985 por Bob Guccione Jr., filho do dono do império Penthouse, de revistas masculinas – voltou a existir em versão de papel, após 12 anos restrita à internet. O próprio Bob Jr. retoma o posto de editor-chefe da revista, que terá edições trimestrais. Lainey Wilson, artista de country, está na capa da primeira “nova” Spin, cuja revigorada segue caminhos semelhantes ao de outra revista vintage americana de música, a Creem, e ecoa, de certa forma, o movimento feito há pouco pela Rolling Stone, que passou por um redesenho de sua capa, sua logo e seu miolo, retomando um pouco do viço de sua encarnação no final dos anos 1970 e do início dos anos 1980, quando a brasileira Bea Feitler dava as cartas em seu design.
– A cidade de Sabadell, próxima a Barcelona, homenageou Tintin com três murais no estilo de seu criador, Hergé, pintados em áreas públicas. Num deles, o personagem aparece tomando um café com seu amigo Chang. Em outro, Tintin, seu cão Milu e o Capitão Haddock são mostrados correndo. Ambos são de autoria de Werens, um dos pioneiros do graffiti na Catalunha. Por último, e o mais recente, o grafiteiro Joke criou um painel em homenagem aos 60 anos da primeira edição em catalão de um livro de Tintin, As Jóias de Catasfiore, com imagens referentes a este e aos demais 23 livros da série.
PLAYLIST FAROL 94
O folk denso e profundo de Gillian Welch e David Rawlings. O pop psicodélico do supergrupo Miniseries. Flor Gil desabrocha solo. As pinturas sonoras de Ellen Reid. A atraente sonoridade pop-rock anos 1970 de The Toms. Kim Deal como você nunca ouviu antes. A estreia do Fanning Dempsey National Park. O blues de raiz de Shemekia Copeland. O psicodelismo australiano de Bananagun. E o Yes remixado
Gillian Welch, David Rawlings – “Hashtag”– A dupla de veteranos do folk e do alt-country assina seu primeiro disco em sete anos, o recém-lançado Woodland. É um álbum denso, profundo, capaz de recorrer a um arranjo de cordas e metais para homenagear um grande compositor do cancioneiro americano, Guy Clark, com uma canção sobre a passagem do tempo e a durabilidade da relevância de um artista.
Miniseries – “Dandelion”– Novo single do supergrupo britânico de pop psicodélico com tremendo pedigree – ex-integrantes de bandas como Longview, The Magic Numbers e Dials.
Flor Gil – “Choro Rosa”– Filho de peixe … neto, então! Flor segue os passos musicais do avô Gilberto com uma amostra do que será seu álbum de estreia, ainda em produção. Aqui, um acalanto feito em parceria com Barbara Ohana, mãe do primo Bento, também co-autor, e a cantora portuguesa Maro, que conheceu em turnê com a família em Lisboa.
Ellen Reid – “Big Majestic” – Compositora e criadora do que podemos chamar de pinturas sonoras, para fazer seu novo álbum a artista californiana buscou inspiração em parques públicos espalhados pelo mundo.
The Toms – “Stationary Bike”– De Las Vegas, Tommy Marolda compôs e produziu todas as músicas, toca todos os instrumentos e faz todas as vozes em seu projeto, The Toms, conseguindo em seu álbum de estreia, Rock Paper Scissors, uma atraente sonoridade pop-rock anos 1970.
Kim Deal – “Crystal Breath” – Você não costuma ouvir sons assim vindo do Breeders ou do Pixies, os grupos onde Kim militou. Vocais efeitados, prenhes de eco, zumbidos eletrônicos, bateria processada. É uma lufada e tanto de ar fresco, parte do primeiro álbum solo da artista americana, Nobody Loves You More, que sai em novembro.
Fanning Dempsey National Park – “The Deluge”– Dois artistas com longas e superestelares carreiras no rock australiano, Bernard Fanning e Paul Dempsey mostram agora seu projeto conjunto, calcado em sonoridades que lembram Bowie e a fase Discipline do King Crimson, gravado entre Califórnia e Noruega.
Shemekia Copeland – “Tough Mother”– Blues de raiz na veia, com conexão direta com os gigantes do gênero, um vozeirão de responsa e uma participação estelar de Luther Dickinson, guitarrista do North Mississipi All-Stars.
Bananagun – “Free Energy” – Soando como uma cruza do Tropicalismo com jazz e uma versão alternativa do Stone Roses, o quinteto psicodélico de Melbourne, na Austrália (de novo na playlist da semana!), lança em novembro seu segundo álbum, Why is the Colour of The Sky?.
Yes – “America”– Álbum de 1971, Fragile solidificou a carreira do Yes com a entrada em cena de Rick Wakeman nos teclados e hits como a faixa de abertura, “Roundabout”. Agora, uma versão super deluxe, supervisionada por Steven Wilson (sempre ele), destrincha o original com remixagens (nem sempre superiores ao trabalho magnífico do produtor Eddie Offord, feito mais de meio século atrás), versões alternativas, rascunhos de faixas que só seriam finalizadas anos mais tarde, e montagens sem instrumentos (a tecitura de vozes feita por Jon Anderson em “We Have Heaven”) ou sem vozes (como aqui, numa faixa extra que não pertence ao álbum original), onde podemos apreciar a interação matadora entre o baixo de Chris Squire e a bateria de Bill Brufford).