A música dos imigrantes espanhóis, resgatada do esquecimento
Fugindo da ditadura e da pobreza na Espanha dos anos 1960, milhões de pessoas buscaram abrigo e trabalho em outros países da Europa. No processo, deram vida a um movimento musical na Bélgica
A opressão da ditadura franquista e a difícil situação econômica da Espanha nos anos 1950 e 1960 motivaram a saída de mais de dois milhões de espanhóis de seu país, em busca de liberdade – e de trabalho.
Muitos destes emigraram para a Bélgica, atraídos por um acordo de 1956 com a Espanha que oferecia trabalho nas minas locais de carvão, necessitadas de mão de obra depois que os italianos abandonaram seus postos, temerosos das precárias condições de segurança, causa de 800 mortes no decorrer de 10 anos. Outros optaram por empregos na indústria metalúrgica, na construção civil ou até pela prestação de serviços domésticos.
Acordos semelhantes foram travados com Suíça, Alemanha, França e Holanda, mais tarde, mas a Bélgica tornou-se o pólo principal desse movimento migratório.
Assim, uma grande massa espanhola – em boa parte vinda de Andaluzia e de Astúrias – acabou criando raízes em Bruxelas. Especialmente, na região de Saint Gilles, logo apelidada de Pequena Espanha. Levantamento de 1967 dava conta da existência em Bruxelas de 227 bares e restaurantes, mais 275 outros estabelecimentos comerciais que atendiam à comunidade de quase 70 mil imigrantes espanhóis.
Ali nasceu um movimento musical informal, mas histórico, o das rumbas hispano-belgas, canções do exílio que falavam da saudade do antigo país, mas também dos problemas do imigrante, como o racismo – os cabelos negros ou castanhos dos espanhóis eram a senha para que os belgas os tratassem como “estrangeiros”. A bem da verdade, 60% dos imigrantes espanhóis estavam na Bélgica em situação irregular, ao largo do acordo com a Espanha, o que tensionava as relações com o país anfitrião.
Durante aquele período, artistas musicais espanhóis (a maioria, amadores, pois trabalhavam de segunda a sexta em seus empregos) se multiplicaram e construíram carreira em Bruxelas, atraindo a comunidade imigrante e intrigando os belgas, que os consideravam exóticos. São nomes como Los Rumberos de Bruselas, Los Diamantes, Los Fieras, Mino Menéndez y Sus Chorvos, Hermanas Las Manchitas, Paco Paco, Los Bardos de España, Las Cordobesitas e Juanito Marchin. Houve até grupos de rock – um exemplo são o Los Corvos – e música de protesto, praticada por cantores como Javier Lavandera.
Eles se apresentavam em bares e salões de baile e gravavam discos que eram vendidos em seus locais de show ou comercializados nas muitas lojas voltadas para os residentes espanhóis. Uma delas era El Disco Rojo.
Ironicamente, quase todos esses artistas e essas músicas permaneceram desconhecidos na Espanha. E, portanto, era enorme a chance daqueles registros históricos ficarem perdidos na poeira do tempo.
Até que um espanhol foi a Bruxelas, em 2012, para trabalhar numa associação hispano-belga. Miguel Menéndez, ao chegar à cidade, tomou contato com a música criada e gravada naquele período. E resolveu pesquisar mais o assunto e compilar seus achados. O resultado é o álbum triplo de vinil, Rumba Hispanobelga, lançado em 2018, recheado com 72 faixas – selecionadas dos mais de 250 discos que Miguel garimpou em sebos, na internet e mesmo em latas de lixo – e acompanhado de um livro com 64 páginas relatando aquele momento único na cultura européia.
“Os discos eram financiados pelos restaurantes e pelo comércio da comunidade espanhola”, explicou Miguel ao diário El País, “eram como publicidade para atrair seus clientes”.
Para sua pesquisa, Menéndez recorreu não só a entrevistas com alguns dos músicos sobreviventes e com residentes de Saint Gilles, mas também às páginas do jornal El Volcán, publicação em espanhol que circulou entre os imigrantes de 1963 a 1968.
Miguel fabricou apenas mil cópias do álbum, muitas distribuídas para organizações de imigrantes na Bélgica, o que faz dele um item raro e bastante disputado. Apenas trechos dele estão disponíveis online.
A recuperação da memória do ocorrido com os espanhóis naquele período tem hoje especial ressonância, quando migrações grandes e levas de refugiados são assunto de discussões por vezes inflamadas.
Ainda que sob circunstâncias diversas, um europeu conseguirá enxergar que ali, no caso da comunidade hispano-belga, ele também foi um imigrante.
Muitos deles, inclusive, ilegais, passando-se por turistas para, uma vez no novo país, buscar trabalho e aí então regularizar sua situação.
Lá, como hoje, viajavam em busca de um mesmo objetivo: uma vida melhor.
James Cameron: "Já estamos vivendo num mundo de ficção-científica". As masterclasses do Festival de Cinema de Veneza. "Vandalismo cultural” contra George Orwell. A rádio interativa de will.i.am. E a despedida a Alain Delon
– “Ficou cada vez mais difícil escrever ficção-científica, porque estamos vivendo num mundo de ficção-científica”. A frase é de ninguém menos que James Cameron, roteirista e diretor de alguns dos maiores clássicos do gênero, de Aliens, O Resgate a O Abismo, passando, é claro, pelos dois primeiros filmes da série O Exterminador do Futuro, e foi proferida a caminho da convenção bianual para os membros do fá-clube oficial da Disney, em Anaheim, na Califórnia, quando estava sendo entrevistado pelo diário britânico The Guardian. “Venho trabalhando em cima de possíveis temas para um novo filme com o Exterminador, talvez um reboot ou uma história mais abrangente. Ainda existe interesse pela ideia (do filme original), que era presciente no que diz respeito a certas coisas, como a emergência da Inteligência Artificial e a ameaça potencial que isso representaria. A IA está transformando nosso mundo debaixo do nosso nariz. Mas (por enquanto) quero deixar baixar a poeira em relação ao tema. Talvez seja uma mudança e tanto que afetará o resto da história da humanidade. Os próximos anos nos dirão”.
– O ator e diretor Ethan Hawke, a atriz Sigourney Weaver e os diretores Peter Weir e Pupi Avati ministrarão masterclasses na 81ª edição do Festival de Cinema de Veneza, que acontece de 28 de agosto a sete de setembro. Na mesma ocasião, a americana Sigourney e o australiano Weir receberão o troféu Leão de Ouro por sua carreiras. Para poder acomodar um bom número de pessoas, as masterclasses serão organizadas no Tênis Clube localizado no Lido, região de Veneza onde o festival tradicionalmente é realizado.
– “Vandalismo cultural!”. Assim foi classificada pelo filho único do escritor George Orwell, Richard Blair (o nome verdadeiro do pai, que usava um pseudônimo, era Eric Blair), a venda a colecionadores de correspondências, contratos e documentos pertencentes ao autor de 1984 e A Revolução dos Bichos. Teme-se que com a venda esse material – agora espalhado pelo mercado, após ser vendido a peso de ouro –desaparecerá para sempre. São arquivos que oferecem um mergulho no processo de trabalho de um dos autores mais influentes do século 20. Responsável pela operação comercial, o livreiro Rick Gekoski defendeu-se, argumentando que os itens estavam esquecidos em depósitos. Segundo ele, “(a venda) foi um pedido da diretoria da editora Orion”, que detinha a guarda do material. “O fato de ninguém ter aberto esses arquivos por 50 anos mostra que são uns idiotas que não compreendiam o valor daquilo tudo”, ralhou Jean Stanton, diretora da Fundação Orwell.
– O rapper, compositor e produtor americano will.i.am lançou um projeto de rádio interativo movido a Inteligência Artificial. O novo aplicativo RAiDiO.FYI (disponível para aparelhos Apple e Android) permite ao ouvintes “conversar” com DJ’s virtuais não só sobre música, mas também sobre notícias e previsão do tempo, e personalizar playlists, criando suas próprias estações. A ideia surgiu quando will.i.am se deu conta de que ouvintes eram capazes de conversar com artistas e DJ’s quando os programas de rádio abriam espaço para ligações. Mas quando o programa terminava não havia como retomar aquela conexão.
– Um dos atores franceses mais emblemáticos de sua geração, conhecido tanto por sua beleza e seu carisma quanto por seu talento para papéis misteriosos, morreu na semana passada Alain Delon, aos 88 anos. Foram mais de 80 filmes, estrelados ao longo de seis décadas de uma carreira iniciada em 1957 – dentre eles, clássicos como O Sol Por Testemunha (1960), O Leopardo (1963) e O Samurai (1967). Delon trabalhou com alguns dos mais importantes diretores de seu tempo – a lista inclui René Clément, Luchino Visconti, Michelangelo Antonioni e Jean Gabin. Tentou enveredar pela música, e chegou a lançar uma música de sucesso, em 1973: “Paroles, Paroles”, gravada junto com a cantora Dalida, então sua namorada. Os Mutantes homenagearam, de certa forma, o belo visual do ator na letra de “Balada do Louco”, música lançada um ano antes: “Se eles são bonitos, sou Alain Delon”. E Joaquim Ferreira dos Santos relembrou em O Globo o “toco” que o francês levou de uma modelo carioca. De passagem pelo Rio de Janeiro, em 1978, ele passou uma noite tentando seduzi-la, sem sucesso, até decidir recorrer a seu anfitrião, apelando para ele tentar interceder em seu favor. “Você é o Alain Delon”, respondeu o amigo. “ Quem sou eu para fazê-la mudar de opinião?”.
Diga aí!
A enquete do FAROL
Cada semana o FAROL quer ouvir você sobre temas candentes, assuntos que estão pipocando aqui e ali, incontornáveis – e quer saber como eles estão afetando nossos leitores.
Hoje, vamos falar de rádio.
O velho dial (hoje mais presente em automóveis, embora existam modelos de aparelhos de pinta retrô) convive agora com a disponibilidade online daquele mesmo conteúdo, seja pelo site das rádios, seja através de aplicativos ou de podcasts com a íntegra de programas.
Como você ouve rádio?
Num aparelho? No carro? No site das rádios? Via aplicativo? Ou sob a forma de podcasts? Ou simplesmente não ouve rádio?
Se quiser votar e depois também se estender na sua resposta, e estamos torcendo para que isso aconteça, escreva para jer.farol@gmail.com. Queremos saber de você!
O resultado da enquete sairá na próxima edição do FAROL.
Bora votar!
Na semana passada, perguntamos: como você ouve música? 61% responderam em CD's. 25% responderam nas plataformas de streaming. 14% responderam em discos de vinil.
PLAYLIST FAROL 92
Ray LaMontagne, meditativo no verão. O poema de Tony Levin para John Lennon. Kate Pierson solo. O rock festeiro do Wild Things. O blues-rock do Bywater Call. Nubya Garcia expande sua paleta de cores. O tecnopop de Boeckner. O faroeste espacial do Swim Surreal. As paisagens sonoras etéreas de Chanel Beads. E a neo bossa de Liana Flores
Ray LaMontagne – “Long Way Home”– Na faixa-título do nono álbum do cantor-compositor americano, o meditativo Long Way Home, partimos para um passeio pelo campo, num dia preguiçoso de verão.
Tony Levin – “Fuego Cruzando El Cielo” – Uma amostra de Bringing It Down To The Bass, primeiro álbum-solo em quase duas décadas do baixista, cantor e compositor que trabalhou com meio mundo do rock e do pop – de Peter Gabriel, David Bowie e Paul Simon a Pink Floyd e King Crimson. Para o disco, Levin musicou um poema seu, aqui em versão espanhola (e ainda existe a italiana), dedicado a John Lennon, com quem trabalhou durante a feitura dos últimos discos do ex-Beatle.
Kate Pierson – “Evil Love” – Uma das vozes do B-52’s, Kate ressurge com uma faixa de Radios and Rainbows, seu primeiro álbum em nove anos.
The Wild Things – “Drunk Again”– Co-produzido por ninguém menos que Pete Townshend, o quarteto britânico vem abrindo clareiras com seu rock festeiro, enquanto prepara o terreno para seu primeiro álbum, Afterglow, que sai no final do ano.
Bywater Call– “For All We Know” – Blues-rock canadense, feito por um septeto de Toronto, com destaque para o vozeirão cheio de soul de Meghan Parnell.
Nubya Garcia – “Set It Free”– Acompanhada nesta faixa pela cantora Richie Seivwright (ex-trombonista do coletivo Kokoroko, de Afrobeat), a celebrada saxofonista londrina expande sua paleta de cores em seu segundo álbum, Odyssey, com uma mistura nutritiva de jazz, soul, R&B e funk.
Boeckner – “Lose” – O tecnopop e a voz de Dan Boeckner (ex-Wolf Parade e Handsome Furs) trazem em seu primeiro álbum solo ecos bem claros de Classix Noveaux, a banda inglesa de New Wave que teve sucesso no início dos anos 1980.
Swim Surreal – “The Crowd”– O climão da parceira do britânico Zero 7 com o projeto californiano Swim Surreal, parte do novo álbum In The Half Light, é um misto de faroeste espacial com pop dançante, safra anos 1980.
Chanel Beads – “Coffee Culture”– O disco de estreia do projeto experimental do nova-iorquino Shane Lavers, Your Day Will Come, cria paisagens sonoras etéreas a partir de vocais, instrumentos de corda e eletrônicos, criando um efeito hipnótico.
Liana Flores – “I wish for the rain”– Filha de brasileiros, mas criada no Reino Unido, Liana faz um som doce, lo fi, quase neo bossa nova, basicamente voz, violão e bateria, com um ou outro floreado de guitarra ou percussão, que caberia bem numa boate de Copacabana nos anos 1950.