'Ziggy tocava guitarra ...'
Mais de cinquenta anos após seu nascimento, a maior criação de David Bowie – o personagem Ziggy Stardust – ressurge em livro de memórias de sua ex-cabeleireira e ganha caixotão recheado de raridades
A palavra “camaleão” foi tão usada para descrever David Bowie que perdeu a novidade e o impacto bem cedo – e virou um clichê. Mesmo assim, o fato é que ao longo da carreira o artista vestiu e descartou personalidades artísticas diversas, incorporando, de tempos em tempos, nova sonoridade, novo visual, nova persona, desconcertando, surpreendendo, eternamente inquieto e em busca do novo.
De todas essas peles usadas por ele, nenhuma marcou tanto a carreira de Bowie – e o próprio rock – quanto a de Ziggy Stardust. O personagem nasceu em 1972 para inaugurar a transformação de alguém que até ali era um artista cult de música folk num superastro de rock glam. Os sons, a atitude, as roupas e, principalmente, o cabelo, assinalaram a intenção de David se reinventar – e sua ambição de ocupar uma posição de destaque no rock britânico e internacional.
Inspirado, em parte, num personagem real – Vince Taylor, o cantor inglês de enorme sucesso (especialmente na França) na virada dos anos 1950 para 1960, por suas roupas de couro (luvas, inclusive), seu topete gomalinado e seu rebolado que, no auge da popularidade, enlouqueceu e disse ser Jesus – e encarnado com roupas futuristas e um penteado chocante para a época (cabelos curtos, espetados e tingidos de vermelho), Ziggy e sua banda, As Aranhas de Marte, habitavam um mundo único, com uma mitologia toda sua, prontinha, com começo, meio e fim – não por acaso, o disco que o apresentou ao mundo chamava-se A Ascensão e a Queda de Ziggy Stardust.
Como Ziggy, e por causa dele, Bowie foi catapultado ao topo do Olimpo pop – e sua carreira nunca mais foi a mesma.
Cinquenta e dois anos depois, Ziggy volta ao centro das atenções, graças a uma reedição comemorativa do álbum original, com fartura de material inédito, e o lançamento no Reino Unido, esta semana, do livro Me and Mr. Jones, escrito por Suzi Ronson, viúva de Mick Ronson (guitarrista do Spiders from Mars e co-responsável pela identidade musical e sonora de Ziggy) e autora do primeiro elemento visual de Bowie no caminho à nova personalidade que estava assumindo.
O novo caixotão Rock N Roll Star!, que sai em junho, traz cinco CD’s com demos, ensaios, gravações ao vivo, apresentações na BBC e versões alternativas do material que integrou ou abriu o caminho para Ziggy Stardust, o álbum, mais canções que acabariam ficando de fora, mas que mantêm uma forte conexão com o período e refletem por onde andava a cabeça de Bowie naquele tempo. Inclusive músicas do período anterior, que dera origem a Hunky Dory, álbum de 1971, que trazia a icônica “Life On Mars?”. Fica clara a transição de um artista que deixava de querer se concentrar mais na composição para tornar-se um intérprete, um artista de estúdio e palco.
O livro de Suzi documenta com detalhes a gênese e o desenvolvimento de Ziggy, o personagem, a partir do momento em que ela conheceu David através de Angie, então esposa dele. Suzi era cabeleireira e atendia num salão próximo à residência do artista, no subúrbio londrino de Beckenham, frequentado (numa coincidência) pela mãe de Bowie. Ele e Angie já causavam espanto na região toda vez que passeavam, empurrando o carrinho que levava seu bebê – Duncan, futuro diretor de cinema –, ela de jeans e jaqueta, ele de vestido dourado.
Angie, cliente de Suzi, convidou-a para visitar sua casa. David queria mudar o visual e uma radicalização no corte de cabelo seria o primeiro passo. Suzi foi recebida por Bowie com uma foto de uma modelo do estilista japonês Kansai Yamamoto. O cabelo da moça era curto, arrepiado e vermelho. Era o que David queria reproduzir.
Suzi não se fez de rogada e tratou de podar a longa cabeleira loura de Bowie. Só que, uma vez atingido o formato pretendido, o cabelo não ficava arrepiado, como queriam, mas caído para os lados. O efeito desejado acabou, enfim, sendo alcançado depois que Suzi tingiu o cabelo de Bowie (usando a cor Schwarzkopf Red Hot, que encontrou no salão onde trabalhava) e eriçou-o com a ajuda de um pouco de gel. Ziggy começou a nascer.
A conexão Bowie/Yamamoto perduraria e alcançaria dimensão maior, na medida em que David começou a vestir no palco roupas criadas por Kansai. O japonês passou a assinar o guarda-roupa do inglês, que incluía desde macaquinhos inspirados em “criaturas da floresta” a um macacão, batizado de “Tokyo Pop”, inspirado em figurinos à Bauhaus feitos para um balé pelo alemão Oskar Schlemmer tanto quanto no estilo das calças usadas por marinheiros e mercadores portugueses que transitavam pelo Japão nos séculos 16 e 17.
Suzi, enquanto isso, mergulhou de cabeça no mundo pessoal e profissional de Bowie, tendo mantido um caso curto com ele antes de conhecer Mick Ronson, com quem se casaria. Ela tornou-se cabeleireira de David e uma espécie de faz-tudo dele, encarregada de detalhes do guarda-roupa, de estar sempre a postos na coxia dos shows com uma taça de vinho tinto e um cigarro Gitanes, e de escalar as fãs que iriam conhecê-lo e aos integrantes da banda no camarim.
Suzi presenciou a composição de clássicos de Bowie – como “Moonage Daydream”– e o tamanho da ambição de David. Um dia, na casa dele, ouviu o artista dizer que “venderia minha alma para ser famoso”.
“David só podia fazer sucesso”, ela escreve no livro. “Era a pessoa mais determinada que já conheci”.
Suzi também pôde desfrutar seu próprio sucesso, como cabeleireira – nos Estados Unidos! Do palco do Carnegie Hall, em Nova York, quando Bowie fez sua primeira turnê americana, em 1972, viu uma multidão de fãs na plateia com cabelos curtos, eriçados e tingidos de vermelho, o estilo que ela havia bolado.
Ela também estava presente ao show, no Hammersmith Odeon, em Londres, em julho de 1973, onde Bowie anunciou que aquela seria a última apresentação dele como Ziggy. Uma notícia bombástica que pegou o público e a imprensa de surpresa – e mesmo a banda de David. Somente o empresário dele, Tony Defries, e Mick Ronson sabiam o que estava por vir. Eles e Suzi.
Relatos de bastidores e memorabilia do período Ziggy Stardust recheiam os dois livros incluídos no box set Rock N Roll Star! – um, com 36 páginas, outro, com 112. São anotações do próprio Bowie, feitas em seu caderno pessoal, reproduções de entrevistas e resenhas da época – inclusive a famosa matéria no jornal Melody Maker, onde Bowie se anunciava gay (o que era mais provocação do que revelação) – e textos assinados por quem estava lá, trabalhando com David, como Ken Scott, co-produtor do artista entre 1971 e 1972.
Uma das preciosidades desse material impresso é uma carta enviada para a RCA, gravadora de Bowie, pelos advogados da K West, loja de peles londrina cuja fachada aparece na capa de Ziggy Stardust, com o letreiro do estabelecimento identificando o local.
Na carta, o time jurídico expressava sua indignação com a inclusão do letreiro da loja na arte da capa – “nossos clientes são de alta reputação, lidam com uma clientela muito distante do mundo pop, e não têm interesse algum de manter qualquer envolvimento com o Sr. Bowie ou com esse disco”– e pedia providências (ou seja, que a imagem fosse retirada da capa). Caso contrário, aconselharia os clientes “a exercer seus direitos em toda plenitude”.
O letreiro não apenas permaneceu na capa como tornou-se um ícone e objeto de adoração dos fãs de Bowie, a ponto de ser roubado por um deles, no início da década de 1980. Mas não antes de Bowie conseguir fazer uma nova foto sob o conhecido marco visual, sorridente, com Ziggy já fazendo parte de seu passado distante – e da história do rock.
A grana do graffiti. Vem aí o quinto filme da série Matrix. A trajetória da literatura negra no Brasil. Billie Eilish defende o meio ambiente. E gravações com inéditas de Marvin Gaye aparecem na Bélgica.
– O graffiti virou um grande negócio. No mundo inteiro o apelo e a popularidade da arte de rua vêm atraindo marcas e até autoridades municipais – e empregando por bom dinheiro um número cada vez maior de grafiteiros. São trabalhos encomendados por empreiteiras construindo prédios novos em áreas cada vez mais cobiçadas e por marcas em busca de maneiras criativas de anunciar seus produtos. Em vez das primeiras manifestações do formato, registradas nos anos 1960 e 1970, agora o graffiti é usado para badalar campanhas de marketing de empresas como Adidas e L'Oréal. “O que esses artistas trazem é um bochicho: novidade, criatividade, novas tendências”, disse ao The New York Times Rosie Haslem, diretora de uma agência londrina de consultoria. Por isso, encomendar um mural bem transado hoje em dia pode custar até centenas de milhares de dólares.
– Vem aí o quinto filme da série Matrix. O roteiro e a direção ficarão a cargo de Drew Goddard, que começou a carreira na televisão, como um dos roteiristas de Buffy, A Caça-Vampiros, depois fez para o cinema os scripts de Perdido em Marte e Guerra Mundial Z e dirigiu O Segredo da Cabana. Apenas Lana, uma das irmãs Wachowski, criadoras da história original e diretoras dos três primeiros longas da série, participará do filme, como produtora executiva. A trama ainda é mantida sob segredo, mas Drew garantiu ao estúdio que há 25 anos produz a série, a Warner Bros, ter encontrado um novo ângulo da história a ser explorado. Não se sabe se Keanu Reeves e Carrie-Ann Moss estarão no filme.
– Professor do Departamento de Sociologia da Unicamp e autor de A descoberta do insólito: a literatura negra e marginal no Brasil (1960/2020), Mário Augusto Medeiros da Silva traçou para a revista Piauí a trajetória da literatura negra no Brasil, abordando os livros que trazem a reflexão de pensadores negros brasileiros sobre temas como o racismo e a luta contra a discriminação. Em seu texto, Mário engloba desde o trabalho de Carolina Maria de Jesus – autora de Quarto de despejo: diário de uma favelada – até os dias de hoje, passando pela atuação valente de pequenas editoras e gráficas comprometidas com os movimentos negros, como Mazza Edições, Nandyala Livros, Editora Malê, Kapulana, Ciclo Contínuo Editorial, Kitabu Livraria Negra, Pallas Editora e Selo Negro. “O pensamento negro, diversificado, (…) somente se manteve no radar, à espera de escuta sensível e ventos novos do mercado editorial, pela persistência de intelectuais insistentes”, ele conclui. “Lê-lo é homenagear seus autores e autoras, mas também se prover de posições críticas para o enfrentamento ao anti-intelectualismo discriminatório e racista que, muitas vezes em nossa história, igualmente teima em não se deixar passar, com consequências nefastas para todos nós”.
– Billie Eilish se posicionou contra a a tendência de discos de vinil serem lançados com capas diversas, como forma de multiplicar as vendas. Os argumentos dela são puramente ambientais. “É um desperdício e acho isso muito frustrante”, ralhou a artista numa entrevista à revista Billboard sobre sustentabilidade. Billie tem feito sua parte, tendo embalado seu álbum Happier Than Ever com capas feitas de cana-de-açúcar. “É uma luta sem fim”, disse.
– Trinta fitas cassete contendo 66 músicas inéditas de Marvin Gaye – o mestre do soul americano, morto em 1984, assassinado pelo próprio pai, aos 44 anos – acabam de ser descobertas na cidade de Ostend, no litoral belga. O material ficou guardado por quatro décadas na casa do músico Charles Dumolin, onde Gaye passou algum tempo, em 1981, se tratando de sua dependência de cocaína. Com a morte de Dumolin, as gravações passaram à guarda da família de Charles. A discussão, agora, é: a quem pertencem as fitas e, consequentemente, as músicas gravadas? Pela lei belga, depois de 30 anos qualquer material torna-se propriedade de quem o detém. Mas isso não se aplica à propriedade intelectual.
PLAYLIST FAROL 77
Ritchie regrava Os Mutantes. Joni Mitchel, et pour cause. Peter Garrett, pós-Midnight Oil. Miko Marks + Buddy Miller. Brett Anderson e a Paraorchestra regravam Echo & The Bunnymen. James Elkington e Nathan Salsburg entrelaçam suas cordas. O vozeirão de Baby Rose. O liquidificador de Arthur Melo. O misto musical nutrido do Jogo Duro. E Massayoshi Takanaka "sambafica” Guerra nas Estrelas.
Ritchie – “Ando Meio Desligado” – Sem lançar disco com inéditas desde 1990, o britânico/carioca Ritchie, o maior fenômenos de música pop no Brasil do início da década de 1980, graças a hits maciços, como “Menina Veneno” e “A Vida Tem Dessas Coisas”, iniciou agora o lançamento de uma série de duplas de singles novos, num total de 14 faixas, a serem distribuídas no decorrer do ano. A primeira dobradinha apresenta uma parceira com Fausto Nilo, “Saudade Sem Paisagem (Ela Jamais Virá)” – na onda das baladas de cor-de-cotovelo que marcaram sua carreira – e um cover synth-pop afiadíssimo de “Ando Meio Desligado”, dos Mutantes, com alguns ecos de “Mulher Invisível”, sucessaço de Ritchie em 1984. Ele fecha, assim, um ciclo iniciado quando conheceu Rita Lee em Londres, em 1972, um encontro que acabou motivando sua mudança para o Rio de Janeiro, mudando sua vida (e o pop brasileiro) para sempre.
Joni Mitchell – “Court and Spark” – A volta de nossa eterna musa ao Spotify acontece justo quando se comemora o cinquentenário de um dos melhores discos de Joni: Court and Spark, seu sexto álbum, transformador em muitos aspectos, na medida em que nele, auxiliada pelo saxofonista e arranjador Tom Scott, a cantora-compositora canadense expande seus horizontes ao incorporar elementos jazzísticos a seu folk sublime. É um disco sobre amor (busca e perda) onde Joni começa a traçar um novo futuro artístico, tão brilhante e criativo, que deixaria toda sua geração na poeira.
Peter Garrett – “The True North”– O segundo álbum solo do ex-vocalista e compositor do Midnight Oil mantém o mesmo espírito ativista do legendário grupo australiano. Aqui, o norte da Austrália, espaço de imensa importância cultural para os povos originários e para a natureza daquele país, serve como ponto de partida para uma série de canções sobre o mau estado atual do planeta e da humanidade. Menos um réquiem do que uma prece esperançosa, com determinação para melhorar. Para o novo disco Peter se cercou de um grupo de músicos – The Alter Egos –, que inclui um velho camarada dos Oils, o guitarrista e co-autor Martin Rotsey.
Miko Marks – “Lay Your Burdens Down” – Num período em que o novo álbum de Beyoncé traz à tona a relação entre artistas negros e música country, vale visitar esta nova versão de um marco do repertório recente de uma das grandes vozes atuais de Nashville, acompanhada por The Ressurrectors, e agora com uma participação vocal especial do grande Buddy Miller.
Paraorchestra – “The Killing Moon”– O premiado maestro Charles Hazlewood arregimentou alguns luminares de diferentes épocas do pop britânico para recriar standards do gênero com arranjos orquestrais e interpretações atuais. Nesta versão de uma das faixas-assinatura do Echo & The Bunnymen, Brett Anderson, do Suede, adiciona sua marca, com dramaticidade ainda maior.
James Elkington & Nathan Salsburg – “Buffalo Stance”– Dois violonistas/guitarristas americanos (Jake, de Chicago, e Nathan, de Louisville) entrelaçam suas cordas numa versão meditativa de um super sucesso antigo de Neneh Cherry.
Baby Rose – “One Last Dance” – Com um vozeirão de mulher vivida que surpreende para sua pouca estrada, a cantora americana lança seu segundo álbum, Slow Burn, produzido pelo trio canadense de jazz BADBADNOTGOOD.
Arthur Melo – “Do Colostro Ao Osso” – O jovem mineiro liquidificou tudo que ouviu de música brasileira, pop e rock dos anos 1960 e 1970 para criar Mirantes Emocionais, um álbum de notável originalidade, o quarto de sua discografia, no qual indie rock e MPB convivem em harmonia (ou em delicioso contraste), com um bem-vindo e fino senso de humor.
Jogo Duro – “Pega Leve”– Resultado da colaboração de um saxofonista turco (Ilhan Ersahin) baseado em Nova York com cinco músicos brasileiros – os bateristas Tony Gordin e Samuel Fraga, o trompetista Guizado, o tecladista Chicão e o baixista Zé Nigro – o grupo é um bem nutrido misto de jazz, rock, funk e afro-brasilidades.
Massayoshi Takanaka – “Star Wars Samba” – Talvez nem a imaginação fértil de George Lucas fosse capaz de conceber um arranjo do tema do filme Guerra nas Estrelas sob a forma de samba. Para isso foi preciso um guitarrista japonês apaixonado pelo Brasil, um tanto alopradinho – e super ás no uso do slide.
Opa, interessante, Biti. Muito obrigado pela dica, vou lá conhecer. E muito obrigado ainda mais pelo carinho com o FAROL! Ele é feito para você! Beijo enorme.
Sempre uma delícia ter seu texto e curadoria chegando por e-mail! Sou fã e vivo 'espalhando a palavra' do Farol por aí hehehe. Hoje, quero indicar a lodjinha de um amigo designer que faz pôsteres com letras de música e elementos da cultura pop. Veja se curte: https://www.zebrafilomena.com.br/
Beijão! Biti