Uma rede social de cinéfilos torna-se uma das empresas mais inovadoras do mundo
Nascido como atividade extra-curricular de dois neozelandeses, em pouco mais de 10 anos o Letterboxd conquistou o público exausto do ambiente tóxico de Twitter e afins – e até cineastas e astros
O que começou como uma rede social super nichada para cinéfilos compartilharem informações e preferências avança em sua segunda década de existência com mais de 13 milhões de usuários em 200 países – dentre eles, o diretor Martin Scorsese (com cerca de 360 mil seguidores) e a atriz e produtora Margot Robbie, estrela do megassucesso Barbie – e valor de mercado estimado em 50 milhões de dólares. Tudo nascido de uma premissa simples: acompanhe os filmes que você assistiu. Guarde aqueles que você deseja ver. Diga a seus amigos o que é bom.
Este é Letterboxd, empreendimento criado em 2011 pelos neozelandeses Matthew Buchanan e Karl von Randow para ser uma atividade paralela a seu trabalho como criadores de sites. Só que, com a chegada da pandemia, a rede social explodiu em popularidade e tornou-se referência, com mais de dois bilhões de vizualizações na web e em seu aplicativo, acessada por artistas e realizadores do mundo inteiro, e objeto de desejo de investidores, até seu controle majoritário ser adquirido pela firma canadense de investimento Tiny.
Hoje, o Letterboxd tem seu podcast – The Letterboxd Show –, uma revista digital – The Journal – e prepara-se para acolher também séries de TV. Deixou de ser apenas um fórum de apreciação e compartilhamento de recomendações para tornar-se um veículo de informação e aprofundamento de conhecimento cinematográfico, também.
No site ou no aplicativo o usuário encontra agora matérias temáticas e entrevistas. No perfil do Letterboxd no TikTok, astros falam de seus filmes favoritos – pense em gente como Emma Stone, ou Ryan Gosling.
Mês passado, a plataforma foi escolhida pela revista Fast Company uma das companhias mais inovadoras do mundo, na categoria mídias sociais. “Num ambiente cada vez mais polarizado e tóxico” que vem infectando as redes sociais, “Letterboxd estendeu o tapete vermelho para que as pessoas pudessem encontrar seus pares, com os quais compartilhariam o que estavam vendo e suas opiniões (a respeito dos filmes)”. Ajudou também nessa conquista a inteligência na busca de parcerias para ganhar credibilidade e maior alcance.
Uma dessas alianças foi firmada com a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em torno do Oscar. Desde o ano passado o Letterboxd oferece um canal com conteúdo exclusivo, que inclui cenas do almoço anual com todos os indicados ao prêmio, com estes lendo resenhas postadas pelos usuários da plataforma. Outra união de forças possibilitou a criação de listas de filmes da Netflix “a ver”, interligando diretamente o site do Letterboxd com a plataforma de streaming.
Cineastas como Great Gerwig – diretora de Barbie – compreenderam o poder e a importância da plataforma. Tanto que ela compartilhou com o Letterboxd a lista dos 32 filmes que a inspiraram na feitura do longa baseado na famosa boneca, produções tão díspares quanto O Poderoso Chefão e Jejum de Amor.
“É uma ferramenta extremamente útil para nós, cineastas”, disse a O Estado de S. Paulo o diretor brasileiro Fábio Leal. “Lancei meu último filme, Seguindo Todos os Protocolos, durante a pandemia. Originalmente programado para estrear na Mostra de Cinema de Tiradentes, em 2022, o evento foi cancelado e transformado em uma edição online. Assim, o Letterboxd tornou-se minha única fonte de feedback para compreender como o filme estava sendo recebido pelo público e pela crítica”.
Paul, Linda, o Wings – e o som de uma única mão batendo palmas. ‘A Tábua de Esmeralda’ de Jorge Benjor, esmiuçada. Vai sair o livro que Stanley Kubrick vetou. Uma comunidade 'proto-hippie' do começo do século 20. E a 60ª edição da Bienal de Veneza tem curador brasileiro e é dedicada ao olhar “estrangeiro".
– Paul McCartney anunciou para junho o lançamento oficial das músicas gravadas para One Hand Clapping, projeto que era para ter sido um documentário e um disco ao- vivo-no-estúdio feitos para badalar o álbum Band On The Run, lançado em 1973, mas que acabou não concluído, embora trechos tenham saído em versões pirata. Paul, Linda McCartney e seus demais companheiros do grupo Wings ocuparam o estúdio Abbey Road e tocaram músicas de seu repertório, dos Beatles (“The Long and Winding Road" e "Lady Madonna", por exemplo) e do Moody Blues (“Go Now”, sucesso cantando por Denny Laine, então integrante do Wings), bem como músicas de influências de Paul ("Twenty Flight Rock", a canção de Eddie Cochran com a qual Macca impressionou John Lennon quando foi apresentado a ele; “Peggy Sue”, de Buddy Holly) e até uma inédita do grupo, “Blackpool".
– Naquele mesmo ano, em 1973, uma viagem de Jorge Benjor à França deu origem a um de seus discos mais cultuados – A Tábua de Esmeralda – , que trazia para a música popular brasileira um assunto até então pouco conhecido: a alquimia, tratada nas 12 músicas do álbum como arte e filosofia. Tudo começou com uma visita que Jorge fez com Gilberto Gil a um restaurante instalado numa construção de meados de 1400, próximo à catedral de Notre Dame, e antiga casa de Nicolas Flamel, vendedor de livros e famoso alquimista. Lá os dois teriam tido uma visão, "um grupo de pessoas com roupas do século 15 na porta da sala”, contou a jornalista Kamile Viola, que entrevistou Benjor para um projeto do Google sobre Gil. "Era um grupo de alquimia”. A história e os “códigos secretos” de alquimia contidos no disco são objeto de uma longa e rica matéria da BBC News Brasil.
– O livro que Stanley Kubrick vetou sairá, finalmente – com 50 anos de atraso. Escrito pelo britânico Neil Hornick, The Magic Eye: The Cinema of Stanley Kubrick pretendia ressaltar as qualidades da obra do diretor de obras-primas como 2001-Uma Odisséia no Espaço e Spartacus – mas, também, apontar suas falhas. O cineasta vinha colaborando com a feitura do livro, fornecendo até cópias de seus filmes mais raros para o autor assistir. Neil sabia desde o início que Kubrick teria poder de veto. Mas, ao ler o produto final, Stanley concluiu que não concordava com as críticas contidas no livro e cortou praticamente um terço do conteúdo. Seu argumento: o livro trazia “um sumário das coisas boas de cada filme, seguido de um sumário dos pontos negativos, que, em (minha) opinião, sempre superam o que há de positivo, devido à forma excessivamente enfática como tais críticas são apresentadas”. Os advogados de Kubrick entraram em ação e o livro foi para a gaveta. Só agora, 25 depois da morte do diretor, ele será lançado, pela editora nova-iorquina Sticking Place Books.
– Uma comunidade “proto-hippie”, fundada na Suíça no início do século 20 por belgas, alemães e austríacos, onde se praticava o vegetarianismo, o naturismo, o pacifismo e a liberdade sexual, foi destacada pelo diário espanhol La Vanguardia, a partir de três livros e um filme. A comunidade, enquanto esteve em atividade, atraiu artistas, escritores e pensadores de diferentes plumagens, de Herman Hesse a Carl Jung, de Rilke a Isadora Duncan.
– Começou na semana passada e vai até o final de novembro a 60ª Bienal de Veneza, com curadoria do carioca Adriano Pedrosa, o primeiro latino-americano a ocupar o posto. Das 331 obras selecionadas para a mostra – intitulada “Stranieri ovunque”(estrangeiros por toda parte) – , quase 10% são de brasileiros. Um dos destaques é "Mirações", imenso painel criado para o pavilhão central do evento pelo coletivo Mahku, de artistas Huni Kuin, do Acre. “Onde quer que você vá e onde quer que esteja, você sempre encontrará estrangeiros — eles/nós estamos em toda parte”, explicou o curador, numa coletiva de imprensa. “Em segundo lugar, não importa onde você esteja, você é sempre, verdadeiramente, e no fundo, um estrangeiro”.
PLAYLIST FAROL 80
Eno remixa Bowie com sons da natureza. Cátia de França, sua identidade negra e a passagem do tempo. O pós-punk do A Certain Ratio, nos dias de hoje. O pop quase experimental de Dana Gavanski. Um álbum de inéditas de Johnny Cash. Luiza Brina + Silvana Estrada. A tapeçaria sonora densa do LATRALA. Tony Visconti celebra os 80 anos com novo disco solo. O Little Feat mergulha de cabeça no blues. E Dori Caymmi musica as tiradas bem-sacadas de Dorival.
David Bowie – “Get Real” – Brian Eno remixou uma parceria dele com Bowie, de 1995, utilizando sons da natureza. A nova versão faz parte do projeto Sounds Right, que levanta recursos para a conservação do planeta.
Cátia de França – “Fênix” – Os 50 anos de carreira da cantora, compositora e multiinstrumentista paraibana são marcados com um novo álbum, No Rastro de Catarina, no qual a artista de 77 anos se cerca de músicos conterrâneos para traçar sua trajetória de vida e música – a começar por um poema feito na adolescência –, incluindo sua identidade negra e a passagem do tempo, como aqui.
A Certain Ratio– “All Comes Down To This”– Os veteranos de Manchester trazem seu pós-punk com elementos de funk para os dias de hoje em seu 13º álbum, gravado pelo trio-núcleo original.
Dana Gavanski – “Let Them Row” – Um pouco de iê-iê-iê, uma pitada de Aimee Mann (saudades dela), um pop estiloso, quase experimental, uma produção neo-beatlesca com alguma dívida a Jeff Lynne, tudo isso compõe a música da canadense Dana, que acaba de lançar seu primeiro álbum, Late Slap.
Johnny Cash – “Well Alright”– Sai no final de junho um álbum inédito do legendário Homem de Preto da música country, morto em 2003, aos 71 anos. O novo Songwriter reúne demos gravadas uma década antes que o filho único do artista, John Carter Cash, recuperou – eliminando tudo que não fosse a voz e o violão – e aprimorou com a participação de músicos com os quais o pai costumava trabalhar e de convidados especiais, como o infatigável Dan Auerbach, do Black Keys.
Luiza Brina – “Oração 2”– Em seu quarto álbum, Prece, a cantora-compositora-produtora mineira combina sua voz e sua sensibilidade às da mexicana Silvana Estrada.
LATRALA – “UPTOWN” – O quinteto nova-iorquino de jazz, liderado pelo percussionista Kenny Wollesen, viaja por entre vibrafone, sax, guitarras e teclados eletrônicos, criando uma tapeçaria sonora densa.
Tony Visconti – “54321”– Por falar em Bowie, o produtor de discos icônicos de David (inclusive o póstumo Blackstar), mas também responsável por trabalhos com T. Rex, Sparks, Thin Lizzy, Manic Street Preachers e tantos outros, Tony comemora seus 80 anos com um novo álbum individual, Apollo 80, com muita coisa que caberia bem no repertório de seu principal colaborador.
Little Feat – “Can’t Be Satisfied” – Pela primeira vez em mais de meio século de carreira os veteranos do rock americano funkeado (e recheado de guitarras slide cintilantes) gravaram um álbum com versões de blues antigos – todas cantadas pelo percussionista Sam Clayton, que assume pela primeira vez o posto de vocal principal da banda –, como esta faixa, de Muddy Waters. A única inédita foi composta pelo próprio Sam, “Milk Man”.
Dori Caymmi – “Prosa e Papo” – Parte de uma das mais importantes famílias musicais do Brasil, Dori baseou muito de seu novo álbum em tiradas do pai Dorival, regadas com senso de humor e poesia. A partir de letras de Paulo César Pinheiro, musicou algumas dessas brincadeiras verbais, como "bananeira é fêmea, mamoeiro é macho/ Farolete é foco, flashlight é facho”, agora parte da faixa-título do disco, na qual Dori se cerca do MPB4.