Uma fábrica de sucessos chamada Quincy Jones
O músico, arranjador e produtor de discos, programas de TV e filmes que revolucionou carreiras de astros de diferentes plumagens e ditou o som de gerações morreu domingo passado, aos 91 anos
Numa semana em que temas como divisão, revanche e vingança deram o tom da conversa mundial, a música perdeu um construtor de pontes culturais, um artista capaz de conjugar diferentes gêneros para tecer a trilha-sonora de gerações de fãs de jazz, pop, soul e funk com seus arranjos e suas produções: Quincy Delight Jones Jr. (ou apenas Quincy Jones), morto aos 91 anos, no domingo passado.
Os troféus acumulados por Quincy no decorrer de 60 anos de carreira dizem muito: são 29 prêmios Grammy (de um total de 80 indicações), sendo que um na seleta categoria Lenda, mais um Oscar por seu trabalho humanitário. Ele iria receber um segundo Oscar, este honorário, agora em novembro.
Mas o que fala mais alto é o trabalho de Quincy como músico, arranjador e produtor de discos, programas de TV e filmes, um currículo sem igual, tão farto quanto variado – e cheio de significados.
O primeiro negro a compor para a trilha-sonora de um filme de Hollywood – O Homem do Prego, dirigido por Sidney Lumet em 1964 – e a ser produtor musical e maestro do show de entrega dos Oscars, em 1971, Quincy abriu novos caminhos para Frank Sinatra, quando o rock passava a ocupar espaço na preferência do público – colaboração que gerou um dos maiores sucessos do cantor, “Fly Me To The Moon” –, assinou a produção dos três best-sellers de Michael Jackson – Off The Wall, o campeão Thriller (com 110 milhões de cópias vendidas) e Bad –, arregimentou meio mundo da música americana em torno de uma causa beneficente – a histórica gravação de “We Are The World”, em 1985 –, mergulhou no cinema “inventando” Oprah Winfrey como atriz – a adaptação de A Cor Púrpura, realizada junto com Steven Spielberg – , e fez do jovem rapper Will Smith o astro da comédia de situação atrevida Um Príncipe em Bel Air – uma das muitas que realizou sob o guarda-chuva da produtora Quincy Jones Entertainment. Atuou no mundo editorial, ainda, liderando o lançamento da revista Vibe, dedicada ao hip-hop, mais tarde base para a criação de um programa de TV.
Sempre teve faro afiado para bons talentos e gosto eclético, algo demonstrado pelo elenco de artistas de seu selo, Qwest, uma parceria com o Warner Music Group que lançou nos Estados Unidos discos de Joy Division e New Order, mas também de James Ingram, Patti Austin e Siedah Garrett.
E isso é apenas um apanhado da trajetória de Jones.
Originalmente trompetista, Quincy conviveu e repartiu palcos com gigantes do jazz ainda garoto (sua amizade e seu convívio musical com Ray Charles começou na adolescência e durou até o fim da vida do cantor-tecladista) e abriu mão de seus estudos na Berklee College of Music, em Boston, para ser parte da banda de Lionel Hampton e criar arranjos para artistas do quilate de Duke Ellington, Sarah Vaughan, Dizzy Gillespie, Dina Washington e, claro, Ray Charles. Estudou em Paris sob a batuta da austera mas brilhante Nadia Boulanger, por quem também passaram Aaron Copeland, Burt Bacharach e, mais tarde, Antonio Adolfo.
Bem cedo ganhou um Grammy – pelo arranjo de “I Can’t Stop Loving You”, uma versão instrumental do super sucesso de Ray Charles, turbinada por metais, gravada por Count Basie. Criou orquestrações para artistas do pop (como “It’s My Party”, hit gigante de Lesley Gore) e do jazz (Peggy Lee e Billy Eckstine). Compôs e produziu em 1962 a música que seria o tema da Copa do Mundo da França, em 1998, a ganchuda “Soul Bossa Nova”. E conduziu gravações para uma variedade de artistas que inclui de Aretha Franklin a George Benson e Brothers Johnson. Seus discos individuais, enquanto isso (e como dava tempo?), atraíram de Miles Davis e Amy Winehouse a Snoop Dogg e Ella Fitzgerald.
Ele manteve-se na ativa e trabalhando duro apesar do peso dos anos. Em 2023, Quincy celebrou seus 90 anos com duas noites de shows no Hollywood Bowl, em Los Angeles, dos quais participaram nomes com quem ele trabalhara no passado, do jazzista Jacob Collier ao astro de R&B pop John Legend.
Uma vez perguntaram a Quincy qual seria seu talento principal, dentre tantos, como músico e empreendedor. A resposta não poderia ser mais simples, direta e artística: “eu consigo anotar numa partitura todos os sons que ouço na minha cabeça”, explicou. “Poucas pessoas são capazes disso”.
Quincy Jones em 10 músicas
O legado de uma criatividade eclética e incansável
Um museu à altura de Ramsés. Fotógrafo e colaborador torra arquivo de obras de Banksy. Resgatado documentário com show de astros da música negra americana dos anos 1970. A trajetória do compositor John Williams passada em revista. E um clássico do QH argentino ganha edição de luxo e vira série.
– Pode-se dizer que é verdadeiramente faraônico o projeto do Grande Museu Egípcio (ou GEM, sua sigla em inglês), aberto no Cairo, aos pés das três pirâmides de Guiza. Com 500 mil metros quadrados, o edifício abriga mais de 57 mil peças (o plano é esse número chegar a 100 mil), algumas subtraídas do país durante as guerras coloniais do século 19, várias contando a história da civilização desde os tempos romanos. Por ora, o público pode visitar as três principais áreas do museu, divididas por tema: sociedade, infância e eternidade.
– Após 25 anos acumulando um farto acervo dedicado à obra de Banksy, amigo seu desde 1997, o fotógrafo Steve Lazarides resolveu se desfazer de tudo. Vão a leilão peças como Burning Police Car, Hooded Figure e Drill Rat, mais esboços de trabalhos – Every Time I Make Love To You, I Think of Someone Else é um deles. Também serão leiloados os 15 celulares descartáveis que Steve comprou para Banksy, ao longo do tempo, para proteger o anonimato do artista. A cada duas semanas eles marcavam um encontro, geralmente numa igreja, para trocar o aparelho usado por um novo em folha.
– Mais de meio século fora de circulação e esquecido, renasceu na Netflix um documentário sobre o mega show histórico Save the Children, organizado em Chicago, em 1972, pelo Reverendo Jesse Jackson para angariar fundos para a Operation PUSH, trabalho desenvolvido em defesa dos direitos civis, e estrelado por um elenco musical estelar e variado – de Marvin Gaye, The Temptations, Wilson Pickett e Sammy Davis Jr. a Jackson 5, Curtis Mayfield, Bill Withers, Roberta Flack, The Staple Singers, Ramsey Lewis e Cannonball Adderley. Filmado por uma equipe 100% negra, o concerto chegou aos cinemas em 1973, mas só agora foi restaurado e, após uma reestreia no Chicago Film Festival, entrou para o cardápio do Netflix.
– Outro documentário atualmente em cartaz (na Disney +) é A Música de John Williams, onde a carreira do nonagenário compositor de temas marcantes para filmes como Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Indiana Jones, Tubarão e Guerra nas Estrelas é enfocada pelo diretor Laurent Bauzereau, a partir de depoimentos de colaboradores como Steven Spielberg (de quem Laurent é biógrafo), George Lucas e J.J. Abrams, e com produção de Ron Howard.
– Enquanto isso, um clássico do HQ argentino virou série. Considerado o personagem dos quadrinhos mais importante daquele país depois de Mafalda, o Eternauta – que habitou as páginas da revista semanal Hora Cero entre 1957 e 1959 – é uma criação de Héctor Germán Oesterheld, perseguido e morto pela ditadura argentina, e chega à Netflix em 2025, na pele de Ricardo Darín. Ao mesmo tempo, saiu no Brasil uma edição de luxo com as aventuras do protagonista-título, Juan Salvo, que luta, com a família e os amigos, pela sobrevivência em um cenário apocalíptico após uma nevasca mortal (em pleno verão) devastar Buenos Aires. Assista aqui ao trailer.
PLAYLIST FAROL 103
Seafoam Green + Ronnie Wood. The Black Keys + Beck. A esporreira lancinante de MUGGER. Tunde Adebimpe solo. Carminho + Caetano Veloso. Lucinda Williams canta os Beatles em Abbey Road. Thin Lizzy acústico. O surf-rock leve de The Surfrajettes. A dramaticidade e o peso de Mogwai. E o art-punk de La Sécurité.
Seafoam Green – “Hiss”– Rock de raiz, com pinta de anos 1970, mas made in Ireland, com participação estelar de Ronnie Wood na guitarra. O grupo é contratado da Rekognition Sound, gravadora de Jesse, filho do Rolling Stone.
The Black Keys – “I’m With The Band”– E pela terceira vez em um ano a dupla une-se a Beck para gravar uma música, psicodélica e encharcada de distorção. As duas primeiras foram duas faixas do recente álbum do BK, Ohio Players, que sairá em versão expandida dentro de 10 dias. Os três se conhecem há mais de 20 anos, desde que a dupla abria shows para Beck.
MUGGER – “Not the One”– Punk hardcore saído de Austin, no Texas, com vocais lancinantes de Anna Troxell e uma esporreira generalizada de desalojar obturação.
Tunde Adebimpe – “Magnetic”– O vocalista do veterano grupo de indie rock TV On The Radio inaugura sua carreira solo com um primeiro single energético e dançável. Curiosamente, o novo disco coincide com os primeiros shows do grupo após uma pausa de cinco anos.
Carminho – “Os Argonautas” – Gravado em Chicago, com co-produção de Steve Albini (titã do rock alternativo que trabalhou com meio mundo, de Nirvana a PJ Harvey), o novo EP da cantora portuguesa, Carminho at Electrical Audio, traz Caetano Veloso para duetar numa canção do baiano que ele gravou originalmente em 1969.
Lucinda Williams – “Something” – A grande dama da Americana dá sua cara e voz a uma das músicas-assinatura de George Harrison, numa das faixas do disco de canções dos Beatles que ela gravou nos estúdios Abbey Road.
Thin Lizzy – “Whisky In The Jar”– Não é toda hora que se encontra uma versão acústica de um clássico de uma das bandas de rock pesado mais adoradas dos anos 1970, um hit definidor regravado, aliás, pelo Metallica e por Jerry Garcia, do Grateful Dead. É uma das faixas de Acoustic Sessions, coleção de “reimaginações" do repertório do grupo britânico, com vocais inéditos, recém-desencavados, de Phil Lynott e violões e guitarras gravadas no tempo presente por Eric Bell, um dos fundadores do grupo. O álbum está agendado para sair em janeiro.
The Surfrajettes – “Easy as Pie” – Vamos nos divertir? Esbaldem-se, então, com o surf-rock leve, sem medo de ser feliz, de um quarteto feminino de Toronto, no Canadá.
Mogwai – “Lion Rumpus”– Um banquete sonoro, com guitarras orquestradas com dramaticidade e peso, em doses iguais, para marcar o quase quarto de século de atividade do grupo de Glasgow. Faz parte do novo álbum The Bad Fire, que sai em janeiro.
La Sécurité – “Detour”– Terminando de maneira leve uma semana especialmente pesada. Se o B-52s tivesse começado agora em Montreal, no Canadá, em vez de Athens, Georgia, possivelmente soaria como este coletivo de art-punk.