Um século de "substância, complexidade, argumentação, humanidade e inteligência"
A prestigiosa e elegante revista semanal The New Yorker comemora 100 anos de existência mantendo vivo seu espírito original, mas se adaptando aos tempos atuais para cacifar seu futuro

Jovem da alta sociedade, ele se chama Eustace Tilley e, vestindo uma elegante cartola preta sobre sua cabeleira loura, usa o monóculo para examinar uma borboleta colorida em pleno voo.
Essa imagem de um dandy bem apessoado, cara a cara com a natureza, enfeitou a primeira capa da revista semanal The New Yorker e vem sendo usada, em diversas variações, em todas as edições comemorativas.
Criado pro Rea Irvin, o primeiro diretor de arte da revista (e que desenhou sua logo e suas tradicionais retrancas), Tilley era inspirado numa caricatura de Alfred d’Orsay – francês do século 19, figura fashion de seu tempo – e nascia para satirizar o esnobismo da Nova York da chamada Era Dourada, uma época de profundos desníveis sociais e econômicos na cidade. Logo, Eustace (o equivalente a Eustáquio, em português) tornou-se uma espécie de mascote e um símbolo – tanto assim que está lá, hoje, na capa da recém-lançada edição que celebra o centenário da revista.
Atingir tal marco no hoje precário e conturbado mercado editorial – ainda mais com uma carteira de 1.2 milhão de assinantes – é para muito poucos, mais notável ainda em se tratando de uma revista de cultura e reportagens que sempre dedica espaço também a poesia, contos e cartoons – e que nunca desliza para o recurso tão manjado de tascar um rosto famoso na capa para atrair leitores e compradores, optando, desde o início, por ilustrações artísticas bem pensadas para comentar aquele momento.
“O que distingue a The New Yorker é que, por ser uma revista de interesse geral, nossas capas não são atreladas às matérias principais, elas nascem das observações e dos interesses dos artistas (que as criam)”, explicou à revista Fast Company a atual diretora de arte da revista, Françoise Mouly. “(Nossas) capas estão dentre os últimos bastiões em nossa cultura do storytelling sem o uso de palavras, um lugar onde a visão singular de um artista pode falar diretamente com o leitor”.
E, apesar de seu nome e de sua eterna obsessão com a vida na ilha de Manhattan, a revista construiu uma base de leitores tão variada e espalhada que atualmente atinge mais pessoas na Califórnia do que no estado onde nasceu. Além disso, mesmo sem desviar de seu foco original, vem-se adaptando às mudanças nos costumes e nas tecnologias. "Oferecemos agora podcasts e videos, também”, disse à rede de TV CBS David Remnick, editor da The New Yorker dede 1998, apenas o quinto profissional a ocupar o posto desde a primeira edição, fundada com um investimento de 25 mil dólares pelo intrépido jornalista Harold Ross para ser um semanário “de humor” recheado de “alegria, inteligência e sátira”, mas que com o tempo tornou-se lar de grandes escritores e jornalistas, de James Baldwin à legendária crítica de cinema Pauline Kael.
"Ao marcarmos nosso centenário”, escreveu Remnick na edição comemorativa de 100 anos, "celebramos os primeiros líderes da revista (depois de Ross, os outros foram William Shawn, Robert Gotlieb e Tina Brown) junto com os inúmeros escritores, artistas e editores que fizeram da The New Yorker o que ela é. E persistimos em nosso compromisso com as alegrias do que Ross imaginou inicialmente como um semanário de humor. Mas estamos particularmente comprometidos com a publicação muito mais rica que surgiu ao longo do tempo: um diário de registro e imaginação, reportagem e poesia, palavras e arte, comentários sobre o momento e reflexões sobre sua era".
"Um século após a grande aposta de Ross, e bem depois de nos aventurarmos nos reinos do digital, áudio e vídeo”, David concluiu, "pretendemos continuar redobrando as possibilidades de substância, complexidade, argumentação, humanidade e inteligência (da revista)".
Harrison Ford vende uísque e carros. Adeus aos elogios em capas de livro. A Disney abandona iniciativas de diversidade, equidade e inclusão. David Johansen pede ajuda. E sai o trailer de cinebio de Ney Matogrosso.
– Harrison Ford: Han Solo, Indiana Jones, Caçador de Andróides e … garoto-propaganda? Pois é o que vem acontecendo agora, quando o veterano ator de quase 83 anos está no elenco de Capitão América 4 (como o presidente americano que vira um Hulk vermelho) e retoma seu papel na segunda temporada da série de faroeste contemporâneo 1923. Atualmente, Ford estrela não um, mas vários comerciais: toda uma campanha para o uísque escocês Glenmorangie (em determinado momento chegando a vestir um kilt, aquela saia masculina tradicional da Escócia), e um filme para o automóvel Jeep (no qual brinca com o fato de seu sobrenome ser o mesmo de outra marca de carros, concorrente da que anuncia).
– Sabe aquelas frases com críticas elogiosas que aparecem em anúncios de filmes? Elas também são usadas em capas de livros nos Estados Unidos, e geralmente são encomendadas a amigos do autor, que se encarrega de sair na captura delas. Pois isso está para mudar. O chefão da editora americana Simon & Schuster, Sean Manning, escreveu um texto para a plataforma Publishers Weekly, insurgindo-se contra a prática, no qual declarou que a partir daquele momento nenhum dos autores da casa tinha mais a obrigação de sair passando o chapéu em busca de palavras positivas de colegas famosos para badalar sua obra. “Nem sei se essas coisas funcionam”, escreveu Sean. “Não há métricas para avaliar o resultado delas”.
– Também estão com os dias contados os avisos de conteúdo que há quase cinco anos a Disney anexou aos créditos iniciais de seus filmes clássicos, como “Peter Pan” e “Dumbo”, parte das iniciativas de diversidade, equidade e inclusão do estúdio. Nos avisos, a Disney buscava contextualizar a época em que os filmes haviam sido criados, com “representações negativas e/ou mais tratos de pessoas e culturas”, “estereótipos incorretos na época (bem como) hoje em dia”, mantidos naqueles trabalhos para se “reconhecer o impacto nocivo que eles tiveram, aprender com a situação e despertar conversas para promover um futuro mais inclusivo juntos”. Num comunicado interno, a Disney informou ter decidido focar diretamente nos resultados comerciais da empresa, afastando-se da agenda woke tão combatida pelo presidente Donald Trump, como também fizeram recentemente empresas como Pepsi, GM, Google, Meta, Walmart e PayPal (plataforma de pagamento fundada, aliás, por ninguém menos que Elon Musk).
– Numa atitude rara, David Johansen, voz do New York Dolls - banda proto-punk americana de glam rock fundada na década de 1970 –, ator bissexto e cantor de múltiplas encarnações artísticas – como o personagem Buster Poindexter – anunciou estar lutando contra um tumor no cérebro e câncer em estágio avançado e abriu um fundo beneficente para angariar recursos para custear seu tratamento. O quadro agravou-se mais ainda quando artista sofreu uma queda, em novembro passado, que causou duas fraturas nas costas.
– Homem com H, cinebio de New Matogrosso, ganhou seu primeiro trailer (veja abaixo), postado nas redes sociais. Escrito e dirigido por Esmir Filho e com Jesuíta Barbosa no papel principal, o filme segue o artista desde a juventude, no Mato Grosso do Sul, onde tinha embates com o pai (Rômulo Braga), determinado a fazer com que o menino “virasse homem”, mostra a explosão de popularidade como parte do Secos & Molhados, sua carreira individual e seu relacionamento com Cazuza (Julio Reis). O longa sai em maio.
PLAYLIST FAROL 108
O pop eletrônico de Sharon Von Etten. O vigor veterano do Mekons. Summers + Fripp. O jazz-rock do Brown Spirits. A riqueza sonora do Destroyer. Summney + Syd + Meshell. O caldeirão de Julia Mestre. Anna B Savage, dramática. O pop excêntrico do Panda Bear. E Riachão + Martinho da Vila.
Sharon Von Etten/ The Attachment Theory – “Trouble”– Enfatizando a importância da participação de sua banda, tanto que credita a ela também todo o disco, a cantora/compositora americana investe no pop eletrônico em seu sétimo álbum.
Mekons – “War Economy”– Amostra do novo álbum da veteranérrima banda punk inglesa, o vigoroso Horror, que chega rugindo com um (apropriado) quê de The Clash.
Andy Summers, Robert Fripp – “Skyline”– Dois guitarristas se reúnem para gravar, em diferentes ocasiões, na primeira metade da década de 1980, entrelaçando a avalanche pop do Police, influências do jazz (Summers) e o rock progressivo do King Crimson (Fripp), e saem do estúdio com um diálogo instrumental único e vital. Agora, os dois álbuns nascidos desse encontro – I Advance Masked e Bewitched – foram combinados num só pacote, remixado e recheado de novidades inéditas, como esta faixa.
Brown Spirits – “Fault Lines”– E, aqui, a consequência natural desse tipo de mistura, jazz-rock progressivo para o século 21, parte do quinto álbum deste trio vindo de Melbourne, na Austrália.
Destroyer – “Hydroplaning Off the Edge of The World” – De parentesco sonoro tanto com o americano The New Pornographers quanto com o britpop de Jarvis Cocker e seu Pulp, o projeto do canadense Dan Bejar acaba de lançar seu novo álbum, Dan's Boogie.
Moses Sumney – “Hey Girl (s)“– O artista americano de neo-soul convocou a cantora Syd (do coletivo R&B The Internet) e a polivalente Meshell Ndegeocello para regravar uma das faixas de seu EP Sophcore, do ano passado.
Julia Mestre – “SOU FERA”– O novo single da carioca, egressa do Bala Desejo, parece saído do mesmo caldeirão de onde Rita Lee e Marina pescaram a sonoridade dos seus hits da virada dos anos 1970 para 1980.
Anna B Savage – “Donegal”– Dramática, sofisticada e pop, a cantora-compositora londrina mantém a sonoridade próxima à de Anohni (um de nossos favoritos perenes) em seu terceiro álbum, You and I Are Earth.
Panda Bear – “Ends Meet”– O sétimo álbum de Noah Lennox, Sinister Grift, reúne seus companheiros do Animal Collective para criar mais pop excêntrico sob a égide de seu outro projeto.
Riachão – “Sonho do Mar”– Onde Eu Cheguei, Está Chegado, álbum póstumo do cantor e compositor baiano (morto em 2020) popularizado pelos conterrâneos Caetano Veloso e Gilberto Gil – quando apresentaram ao Brasil seu “Chô Chuá: Cada Macaco no Seu Galho” –, junta a voz de Riachão às de artistas como Martinho da Vila em uma série de composições inéditas.