Um mergulho inédito nos 'storyboards' de Alfred Hitchcock
Livro compila e contextualiza ilustrações que exemplificam o empenho rigoroso do mestre do suspense no visual de seus filmes, e desencava os originais de um trabalho de Salvador Dalí
Filmar, para Alfred Hitchcock, era um tédio.
Afinal, quando dizia “ação” na hora de rodar a primeira cena de um novo filme, estava “apenas” reproduzindo tudo que já havia feito antes: na imaginação, na elaboração do roteiro e no desenho dos storyboards, a pré-visualização de um filme sob a forma de pranchas com desenhos e ilustrações que determinam ângulos, enquadramentos e movimentações de câmera.
Ou assim o legendário diretor britânico de clássicos como Um Corpo Que Cai e Janela Indiscreta queria ser visto: um excêntrico para quem qualquer pessoa poderia reproduzir na tela aquilo que ele havia pré-produzido, porque o filme já chegava pronto ao set de filmagem. Bastava apenas seguir as instruções, como se fossem uma receita de bolo.
De todo modo, o empenho rigoroso de Hitchcock com o visual de seus filmes tornou-se sua assinatura, uma dedicação ilustrada pelos storyboards que ele mesmo rascunhava antes de delegar a craques do ofício ou mesmo a artistas de outras áreas.
Esses storyboards – as plantas para as construções cinematográficas de Hitchcock – ganharam agora um livro volumoso, organizado pelo jornalista inglês Tony Lee Moral. Além de oferecerem um mergulho na cabeça do diretor enquanto preparava seus filmes, os storyboards compilados pelo autor abrem atalhos para os bastidores das filmagens – e para descobertas.
“Sempre quis escrever um livro sobre a arte visual de Alfred Hitchcock”, disse Tony ao site Screen Rant, “porque o trabalho dele tem a ver com a lógica da câmera, ele pensa naquilo que vai aparecer naquela caixa, naquele retângulo. Aliás, ele sempre dizia ‘tenho que preencher um retângulo’. E os storyboards dos filmes dele sempre foram inspiradores para outros cineastas. Todo o legado cinematográfico dele, a sequência no chuveiro em Psicose, os corvos no parquinho em Os Pássaros, o ataque do avião em Intriga Internacional, tudo aquilo foi cuidadosamente planejado com storyboards”.
O livro de Tony – Alfred Hitchcock Storyboards, simplesmente – está repleto de achados. São entrevistas com alguns dos profissionais da pré-visualização por trás de alguns dos 52 filmes realizados pelo diretor – como Joseph Musso, que trabalhou em Cortina Rasgada quando tinha 23 anos – e resgates históricos.
Um deles foi o de Dorothea Holt, uma das primeiras mulheres a fazer storyboards. Ela criou as pranchas para E O Vento Levou, e, mais tarde, desenhou para Hitchcock as de Rebecca: A Mulher Inesquecível e A Sombra de Uma Dúvida.
Mas de especial interesse para os cinéfilos talvez seja a redescoberta do trabalho feito por ninguém menos que Salvador Dalí para uma sequência de sonho do filme Quando Fala o Coração, de 1945, estrelado por Ingrid Bergman. Contratado por quatro mil dólares – algo equivalente a quase 70 mil dólares nos dias de hoje – , o artista catalão imaginou e desenhou o bastante para preencher 20 minutos de filme. Mas sua criatividade extrapolou a tecnologia da época e o orçamento do filme: como fazer com que Bergman se transformasse numa estátua que, por sua vez, viraria uma multidão de formigas? Assim, a contribuição de Dalí teve que caber em apenas três minutos.
Uma história interessante cerca os storyboards de Dalí. No início dos anos 1970, um crítico e estudioso de cinema, John Russell Taylor, adquiriu por 50 dólares um lote de ilustrações que encontrou numa feira de garagem em Los Angeles. Ele sabia que havia desenterrado um tesouro, pois ali estavam nove storyboards de Quando Fala o Coração, sendo que um deles parecia desenhado por Dalí em pessoa. As suspeitas de Taylor foram confirmadas num almoço com o próprio Hitchcock, com quem vinha se reunindo regularmente para a feitura de uma biografia autorizada sobre o mestre do cinema, publicada, enfim, em 1978. Aquele era, sim, um trabalho de Dalí. Os demais storyboards feitos para o mesmo filme, também garimpados por John, eram de autoria do diretor de arte James Basevi, que havia sido chamado para condensar a visão demasiadamente arrojada (e custosa) do espanhol.
“Hitchcock foi um grande mestre, que inspirou muitos outros cineastas”, explica Tony. “Muitos dos diretores recentes são inspirados nele, como Matt Reeves, Park Chan-Wook ou Bong Joon-Ho”.
“Martin Scorsese é um grande fã de Hitchcock, pela forma como monta seus filmes”, continua. “David Fincher e Cristopher Nolan, também. Muito do que eles estudaram, muito da inspiração deles, vem dos filmes de Hitchcock”.
No entanto, para Taylor, entrevistado pelo diário britânico The Guardian, Hitchcock era único, incomparável. E seu apego pelos storyboards refletia uma determinação de evitar qualquer interferência em seus filmes, uma vez rodados. Em vez de garantir o máximo possível de “cobertura” para cada cena registrada, de forma que o editor tivesse várias opções na hora de montar o produto final, Hitchcock filmava apenas o que estava previsto nos storyboards, para garantir que ninguém se meteria com sua visão artística. “Ele sempre dava um jeito de exercer controle absoluto sobre seus filmes”, assegura Taylor. “De bobo ele não tinha nada”.
As musas de James Cameron, debaixo d’água, por uma boa causa. Vendas de vinil superam as de CD's. Festival de teatro leva o Brasil e a América Latina a Curitiba. Mais uma "profecia” dos Simpsons se concretiza. A Geração Z abraça o city pop. Chineses trocam os pianos dos filhos por instrumentos tradicionais do país. E Mark Knopfler escala 50 guitarristas para regravar um clássico.
– Estrelas de Avatar: O Caminho da Água, Zoe Saldana, Sigourney Weaver e Kate Winslet posaram para as lentes de Christy Lee Rogers, especialista em fotografia submarina, como parte da campanha mundial da Nature Conservancy (presente também no Brasil) em defesa dos oceanos. O trabalho foi encomendado por James Cameron, diretor da série Avatar e de dois outros filmes intimamente ligados aos mares – Titanic e O Abismo – e pelos estúdios Disney. As fotos de Christy podem ser compradas no site da A Gallery Artists Ltd. O dinheiro irá todo para a campanha da Nature Conservancy.
– No ano passado, os fãs de música compraram mais discos de vinil nos Estados Unidos do que CD’s. Ao todo, 45 milhões de discos de vinil foram vendidos em 2023, seis milhões a mais do que a quantidade de CDs, conforme dados da Recording Industry Association of America (RIAA). É a segunda vez que isso acontece desde 1987. O campeão no mercado do consumo de música, no entanto, continua sendo o streaming, responsável por 84% do total – embolsou nada menos que 14.4 bilhões de dólares, uma cifra recorde. Em meio a tudo isso, ainda há quem compre cassetes: cerca de meio milhão de unidades foram vendidas em 2023.
– Começou esta semana e vai até 7 de abril a 32ª edição do Festival de Curitiba, o maior evento de teatro do Brasil. Em palcos espalhados por mais de 70 espaços da capital paranaense, a programação inclui espetáculos de teatro, circo, dança, humor e musicais vindos de 14 estados do país e de países como Argentina, Chile, Bolívia e Peru. Pela primeira vez o festival terá a Mostra Surdo, Logo Existo, que celebra o protagonismo de artistas surdos.
– A série de animação Os Simpsons é conhecida por suas “profecias”. Em diferentes episódios, ao longo de sua existência, “previu” acontecimentos tidos como absurdos e cômicos, mas que se concretizaram, de uma forma ou de outra, no futuro. Exemplos: a existência dos smartwatches, de capacetes como o Apple Vision Pro, e até a presidência de Donald Trump (isso em 2000!). Agora, uma das “previsões” mais improváveis vai tornar-se realidade. Num episódio exibido 30 anos atrás, o grupo de rap Cypress Hill, famoso na década de 1990 por sucessos como “Insane In The Brain”, ficava surpreso ao descobrir que havia escalado por engano a London Symphony Orchestra para acompanhá-lo no evento musical Homerpalooza (uma gozação, claro, com o Lollapalooza, então uma novidade), erro cometido por alguém “enquanto doidão”. Pois em 10 de julho o Cypress Hill e a LSO se apresentarão juntos no prestigioso Royal Albert Hall, em Londres. Não será a primeira vez que os rappers se cercarão de uma orquestra – eles já fizeram shows com a Sinfônica de San Diego, na Califórnia, em algumas ocasiões. E a parceria com a LSO não surgiu do nada. Há tempos o Cypress Hill e a LSO brincam nas redes sociais com a possibilidade de fazerem algo juntos.
– Chegou ao Brasil também o apreço da Geração Z pelo city pop, gênero musical de imenso sucesso no Japão na virada dos anos 1970 para 1980, que misturava, numa levada oriental, pop-rock, funk, disco e jazz. Fãs se reúnem em festas realizadas no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde curtem sucessos “vintage", como “Mayonaka no door”, de Miki Matsubara (com 100 milhões de visualizações no YouTube registradas apenas nos três últimos anos), e “Plastic Love”, de Mariya Takeuchi, faixa de 1988. Sempre vestidos conforme a estética usada nas capas dos discos dos artistas de city pop. Para o jornal O Globo, a popularidade do gênero teria três razões principais: saudosismo, o aspecto cultural (a possibilidade de se curtir um pop incomum, em japonês) e a “vibe relaxante” da música, que “anima e acalma, ao mesmo tempo”.
– Houve uma época em que os pais estimulavam os filhos a aprender a tocar piano. Não mais. A dificuldade de encontrar em casa espaço para um piano (que, tempos atrás, era muito comum) em habitações cada vez mais compactas e o custo do próprio instrumento reduziram consideravelmente o hábito. Como, então, continuar incentivando uma educação musical? Trocando o piano pelo violão? Na China, o maior mercado do instrumento em todo o mundo, a opção tem sido ensinar às crianças instrumentos tradicionais da cultura daquele país, como a flauta de bambu, o guzheng e a pipa, ambos instrumentos de cordas. A mudança impactará o ecossistema do piano mundo afora, uma vez que até a década passada a China era responsável por 80% do consumo de pianos do planeta, culminando uma relação com o instrumento iniciada nos anos 1600, quando o piano foi levado pela primeira vez ao país pelo missionário jesuíta Matteo Ricci.
– Voz, guitarra e coração do Dire Straits, Mark Knopfler criou, para fins beneficentes – o Teenage Cancer Trust, no Reino Unido, e o Teen Cancer America –, uma nova versão de uma das faixas mais conhecidas de sua carreira solo, “Going Home", usada na trilha do filme Momento Inesquecível (Local Hero, originalmente), de 1983, e tornada hino não-oficial do time de futebol de Newcastle, na Inglaterra. Épica, a nova versão tem quase 10 minutos de duração e reúne nada menos que meia centena de guitarristas de diferentes plumagens e gerações, de Peter Frampton, David Gilmour, Tom Morello, Pete Townshend e Eric Clapton a Ry Cooder, Joan Jett, John McLaughlin, Tony Iommi e Brian May. A começar por uma introdução lírica, a cargo de Jeff Beck, naquela que acabou sendo sua última gravação. De lambuja, Sting toca baixo e Ringo Starr e seu filho, Zak Starkey, se encarregam das baquetas. Agora, um vídeo ajuda a identificar exatamente quem toca qual trecho na faixa, sublinhando o trabalho excepcional de mixagem da música.
PLAYLIST FAROL 76
Pernice Brothers + Neko Case. O veterano Ride com vigor de jovem. O psicodelismo feminino de La Luz. O cintilante folk-pop de Ferris & Sylvester. Lucy Rose esbanja soul. The Messthetics + James Brandon Lewis. O folk delicado de Katherine Priddy. O pop eletrônico multicultural de Salt Cathedral. Tyla combina R&B e pop com África do Sul. E a Estrela da Estrada do Deep Purple.
Pernice Brothers – “I Don’t Need That Anymore” – Com uma leve pinta de Nick Lowe, Joe Pernice aliou-se a Neko Case para travar um divertido diálogo de ex-namorados rancorosos, mas aliviados com a separação.
Ride – “Peace Sign”– O veterano quarteto britânico de indie rock entra em sua terceira década de atividade com vigor de jovens e uma elegância pop irresistível.
La Luz – “Strange World” – Psicodelismo feminino, feito em Seattle, que esbarra, por vezes, no tecnopop espacial do francês Air.
Ferris & Sylvester – “Don't Fall In Love With Me”– O casal Issy Ferris e Archie Sylvester forma uma dupla já incensada. Ano passado, seu álbum de estreia embolsou o prêmio principal na premiação britânica de discos de Americana. Agora, seu folk-rock pop de altíssimo quilate preenche os três (!!!) generosos discos de seu segundo álbum, Otherness. As vozes dos dois parecem feitas uma para a outra e as guitarras distorcidas e o peso blues ocasional apenas enriquecem a mistura.
Lucy Rose – “Over When It’s Over”– Britânica, Lucy despeja fartura de soul em seu quinto álbum, This Ain’t The Way You Got Out, conduzido por seu piano e sua voz almiscarada – que em alguns momentos ecoa Feist.
The Messthetics/ James Brandon Lewis – “L’Orso”– Punk e jazz misturados a partir do encontro do trio de Washington, D.C., com o saxofonista Lewis.
Katherine Priddy – “First House on the Left”– O delicado folk da britânica Katherine vem cercado de orquestrações pastorais e doces harmonias vocais para montar um relato nostálgico, mas cheio de carinho pelo passado de uma casa.
Salt Cathedral – “Terminal Woes” – A dupla nova-iorquina formada por Juliana Ronderos e Nicolas Losado tem um pé na Colômbia, o que resulta num pop eletrônico sofisticado e multicultural.
Tyla – “Safer” – Sul-africana de Johannesburgo, Tyla combina sonoridades de seu país com o pop e o R&B clássico em seu primeiro álbum, recém-lançado, criando uma assinatura própria.
Deep Purple – “Highway Star”– Um clássico do heavy rock, o álbum Machine Head, de 1972, catapultou o Deep Purple à fama mundial. Agora, acaba de ganhar reedição comemorativa, remixada por Dweezil Zappa (filho de Frank, que tocava num cassino em Montreux que pegou fogo, inspirando o grupo inglês a compor uma das músicas do álbum) e remasterizada, com faixas adicionais (ao vivo), versão Dolby Atmos e Quadrafônica, mais de meio século depois de seu lançamento original. Nada exemplifica melhor as qualidades do álbum que sua turbinadíssima faixa de abertura, uma tour de force de Jon Lord no órgão e Ritchie Blackmore na guitarra, tudo costurado pelos vagidos cortantes de Ian Gillan.
Muito obrigado pela dica, Diego. Possivelmente está lá no livro, sim. Vou ver o doc.
Este documentário é sobre um casal que trabalhou anos em Hollywood, ele desenhista que fez storyboatd de muitos filmes clássicos, entre eles vários do Hitchcock, que depois de um certo tempo passou a pedir a presença dele no set pq, além dos enquadramentos, ele propunha até a montagem de certas sequências. É excelente. Imagino que ele seja citado no livro que você mostrou aqui. https://www.adorocinema.com/filmes/filme-237551/