Um clássico do Pink Floyd, interpretado por ondas cerebrais
Estudo californiano consegue reproduzir a maneira como nosso cérebro ouve música, abrindo caminho para uma nova ferramenta que ajude o músico a concretizar os sons que estão se formando em sua cabeça
A capacidade de ler os pensamentos é uma ideia que sempre intrigou e seduziu a humanidade. Mas o que antes parecia inviável pode estar perto de se tornar realidade e desemboca até na possibilidade de uma pessoa capturar, manipular e reproduzir música que existe apenas na nossa cabeça.
Esta é a conclusão de um estudo conduzido pelo Professor Robert Knight, neurologista da Universidade da Califórnia em Berkeley, junto com o pós-doutorando Ludovic Bellier. Os cientistas conseguiram reconstruir digitalmente um trecho de uma das músicas mais conhecidas do Pink Floyd – "Another Brick In The Wall” – utilizando aparelhos capazes de captar as ondas cerebrais de pessoas expostas à gravação. Foi a primeira vez que se conseguiu decodificar uma canção através do registro da atividade elétrica do cérebro humano de maneira que ela soasse reconhecível.
O estudo analisou as gravações feitas com eletrodos posicionados diretamente na superfície dos cérebros de 29 pacientes durante cirurgias para tratar epilepsia, ao mesmo tempo em que estes eram expostos a um mesmo trecho de três minutos da música do Pink Floyd. Mais tarde, com o uso de Inteligência Artificial, as gravações foram analisadas, decodificadas e transformadas num arquivo sonoro que reproduz o conjunto dos “pensamentos”. O resultado é uma versão abafada daquela passagem da música – “como se estivesse sendo cantada debaixo d’água”, descreveu Knight – , mas ela é perfeitamente reconhecível: "all in all, it's just another brick in the wall".
O neurologista acredita ser capaz de aprimorar a qualidade do som de ondas cerebrais para tornar as gravações mais cristalinas e mais compreensíveis. Para isso, precisaria posicionar os eletrodos menos distantes, uns dos outros. No experimento realizado, os eletrodos posicionados em intervalos de três milímetros obtiveram resultados melhores do que aqueles posicionados a cada cinco milímetros. Knight crê, ainda, que chegará um tempo em que será possível fazer gravações desse tipo sem a necessidade de cirurgia, aplicando-se os eletrodos diretamente no couro cabeludo.
Anteriormente, outro grupo de cientistas já havia desenvolvido um sistema de IA capaz de converter a atividade cerebral em texto, o que auxiliaria pessoas que tivessem perdido a capacidade de falar. Mas as descobertas mais recentes acrescentam um grau de sofisticação bem maior às possibilidades.
Qual é a utilidade imediata do estudo de Knight? Seus resultados podem ajudar a restaurar a musicalidade natural da fala de pacientes acometidos de doenças neurológicas. No entanto, há quem enxergue outros caminhos futuros.
Com o avanço de novas tecnologias e com o galopante desenvolvimento de ferramentas de Inteligência Artificial, não vai demorar muito até que alguém crie interfaces que ajudem qualquer pessoa – músicos, especialmente – a capturar sons, músicas inteiras, que estão na cabeça deles e transforme tudo aquilo em canções inteiras. Bastaria pensar nelas.
A homenagem a Léa Garcia. Agora são os autores a combater a mudança climática. A série satírica de ficção-científica de Steven Soderbergh. Dublês e figurantes em pé de guerra contra a Inteligência Artificial. O centenário de Millôr Fernandes. E o partido comunista chinês "desapropria” um rock.
– Era para ter sido uma celebração dos 70 anos de carreira da atriz Léa Garcia, que brilhou como poucos no cinema, no teatro e na TV. Ela estava em Gramado para ser homenageada durante a 51ª edição do Festival de Cinema, que movimenta a cidade gaúcha até este sábado, 19/8. Mas Léa morreu, aos 90 anos, vítima de um infarto, às vésperas de sua homenagem, após ter comparecido a estreias de alguns dos filmes que estavam sendo mostrados no evento. A organização do festival, no entanto, a pedido da família da atriz, entregará a Marcelo Filho, filho de Léa, hoje, sexta-feira, 18/8, o Troféu Oscarito que seria dado a ela. Carioca da Praça Mauá, Léa traçou uma trajetória artística que a levou a montagens históricas no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro – o espetáculo Orfeu da Conceição, escrito por Vinícius de Moraes, com música de Tom Jobim e cenografia de Oscar Niemeyer, mais tarde transposto para o cinema, em filme de Marcel Camus, vencedor da Palma de Ouro em Cannes (onde Léa disputou o prêmio de Melhor Atriz), em 1959, e do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1960. Ela integrou a geração pioneira de artistas negros na TV, estreando no Grande Teatro da TV Tupi. Daí por diante, foi presença constante na telinha até o final da década de 1990. Ela participou do primeiro programa gravado inteiramente em cores, “Meu Primeiro Baile’”, em 1972, e foi vista numa variedade de telenovelas, como Escrava Isaura e Helena. Trabalhou em produções do Teatro Experimental do Negro e em peças de Nelson Rodrigues, e fez parte do elenco de A Vida não é justa, de Tonico Pereira, encenada ano passado. No cinema, representou em clássicos como Ganga Zumba e Quilombo, ambos de Cacá Diegues, e manteve-se ativa até ser vista em Barba, Cabelo e Bigode, filme de 2022. Um de seus últimos trabalhos, na minissérie Vizinhos, estreia no sábado que vem, 25/8, no Canal Brasil.
– Você vai lembrar de ter lido aqui, na semana passada, que várias companhias de ópera estão determinadas a trabalhar de maneira mais sustentável, implementando estratégias para reduzir suas emissões de carbono e seu impacto, em geral, no planeta. Pois agora é a vez também do mundo literário aderir ao combate às mudanças climáticas. Mais de 50 autores assinaram documento pedindo aos organizadores do Festival Internacional do Livro de Edinburgh, na Escócia, em curso desde sábado passado, que rompessem com um de seus patrocinadores, Baillie Gifford, empresa de gestão de investimentos, por seu incentivo a combustíveis fósseis. Diretor do festival, Nick Barley se comprometeu a “pensar cuidadosamente” sobre a carta. "A última coisa que queremos é dar a impressão de que estamos em campos opostos”, disse, (os autores) ”são a alma desse festival”.
Por sua vez, a Baillie Gifford afirmou não investir em combustíveis fósseis de “maneira significativa” e estaria dedicando recursos a companhias que buscam resolver a crise climática, como a Ørsted, empresa dinamarquesa que fabrica parques eólicos.
– Já foi disponibilizada a série de ficção-científica satírica criada e dirigida por Steven Soderbergh. O que mostra que a "aposentadoria" do cineasta, anunciada 10 anos atrás e nunca exercida à vera, não vingou. Command Z é inspirada no livro Evil Geniuses: The Unmaking of America: A Recent History, de Kurt Andersen, e segue um grupo de pessoas encarregado pela versão em Inteligência Artificial de um mega-bilionário falecido (Michael Cera) para viajar no tempo, chegar ao passado e mudar uma série de eventos, numa tentativa de melhorar o planeta e evitar a crise climática. O detalhe é que a “máquina do tempo” é uma máquina de lavar roupas. E os viajantes precisam tomar drogas psicodélicas e ouvir a música-tema do filme Mahogany – na qual Diana Ross pergunta “você sabe para onde está indo?” – para conseguirem fazer a viagem. A série pode ser vista online, mediante pagamento de oito dólares, e toda a renda reverterá para duas organizações, Children’s Aid e Boston University Center for Antiracist Research. Assista aqui ao trailer.
– E por falar em Inteligência Artificial, figurinha carimbada nesta edição do FAROL, dublês e figurantes de Hollywood estão em pé de guerra contra ela. Segundo a agência AFP, a ascensão da IA permite explorar técnicas mais baratas e potentes para criar sequências de ação de alta complexidade, como perseguições de carros e tiroteios, sem (custos) humanos. "De verdade, agora é um momento assustador", afirmou Freddy Bouciegues, coordenador de dublês de filmes como Free Guy: assumindo o controle e O Exterminador do Futuro: destino sombrio.
– O centenário do carioca Millôr Fernandes – jornalista, dramaturgo, cartunista, artista plástico, frasista, tradutor, humorista, poeta, pensador e autodeclarado inventor do frescobol – está sendo comemorado com novidades no mercado editorial, nas artes cênicas e também na divulgação de sua obra gráfica. A começar pelo relançamento de 16 de seus livros, entre poesia, teatro, aforismos e traduções. O Instituto Moreira Salles, que guarda há 10 anos o acervo gráfico de Millôr, disponibilizou em seu site esboços de obras gráficas do cartunista e quatro mil desenhos, mais uma série de conteúdos sobre o artista, como cartuns e arquivos de áudio e vídeos com leituras de textos e depoimentos de contemporâneos como Jô Soares, Chico Caruso, Fernanda Montenegro e Ziraldo. Além disso, entrou em cartaz no Teatro Glauce Rocha, no Rio de Janeiro, uma nova montagem da peça “A História É Uma Istória”, com direção de Ernesto Piccolo.
– Não é incomum um político se apropriar de uma música popularíssima para uso em seus comícios, sem autorização dos compositores ou dos intérpretes. Donald Trump, para citar um exemplo, é useiro e vezeiro dessa prática, e já irritou gente como Bruce Springsteen e Neil Young fazendo isso. Mas a ala jovem do Partido Comunista de Shijiazhuang, cidade no norte da China, foi muito além. Pegou uma música de uma venerada banda de indie rock local e trocou toda a letra da canção – que fala sobre desilusão e falta de esperança – para adequá-la a seu objetivo: o de vender a cidade como feliz, próspera … e “capital do rock ’n’ roll". A música, de 2010, foi gravada originalmente pela Omnipotent Youth Society, com o título de “Mate Aquele de Shijiazhuang”, e é considerada por muitos uma elegia aos efeitos negativos trazidos pela modernização da China, como o grande desemprego provocado por reformas realizadas em 1990. Mas, ao ser reescrita pelo Partido Comunista, virou “O Imortal de Shijiazhuang”, impulsionada por uma letra determinada a passar "uma energia positiva”. Ouça aqui a gravação original e assista abaixo ao vídeo da refeitura não autorizada.
PLAYLIST FAROL 48
O freak folk de Tymon Dogg. Allison Russell abre as asas. O emocionante folk-de-câmara de Sufjan Stevens. O shoegaze veterano do Slowdive. O folk-pop melodioso de The Coral. Soccer Mommy reinterpreta Sheryl Crow. Fleetwood Mac no topo do Olimpo pop. Dylan e Petty, juntos e ao vivo. A colombiana KAROL G 'infiltra’ o pop americano. E a despedida a Robbie Robertson.
Tymon Dogg – “Lose This Skin“ – Assim como tantos, você deve ter ouvido Tymon pela primeira vez quando ele emprestou sua voz de velhinha enlouquecida e sua rabeca hiperativa a uma das faixas de Sandinista!, o épico álbum triplo que o Clash lançou em 1981. A mesma canção de freak folk saiu num álbum solo de Dogg, Battle of Wills, dois anos depois, felizmente recém-reeditado.
Allison Russell – “The Returner”– Acompanhada do que chamou de “Coalizão Arco-Íris”– um grupo estritamente feminino de instrumentistas e vocalistas – e de um punhado de convidadas especiais, que inclui Brandi Carlile e Wendy & Lisa (ex-integrantes da banda de Prince), a canadense Allison abre as asas e expande o alcance de suas composições, afastando-se da música folk, de raiz, de suas colaborações anteriores – como o supergrupo Our Native Daughters – para criar um disco variado, bem pop, bem funky, mas, ainda assim, com profundas ligações com soul e gospel, como bem exemplificado pela sublime faixa-título.
Sufjan Stevens – “So You Are Tired” – Esta canção de separação, amostra de Javelin, o primeiro álbum do cantor-compositor americano de folk-de-câmara desde o excelente Carrie & Lowell, de 2015, é tão sofisticado, emocionante e envolvente quanto o melhor de Sufjan.
Slowdive – “kisses”– Os pioneiros do shoegaze continuam revigorados depois de terem retomado a carreira, em 2014, após um hiato de quase duas décadas.
The Coral – “That's Where She Belongs”– Veterano de Liverpool, o quinteto tem um talento para contar histórias através de um folk-pop melodioso, de harmonias cintilantes, aqui acrescido de uma orquestração alinhada, com um jeito vintage, nesta faixa de seu novo álbum, Sea of Mirrors.
Soccer Mommy – “Soak Up The Sun” – O projeto de Sophie Allison lançou uma versão dream-pop e devidamente ensolarada deste imenso sucesso de Sheryl Crow, gravado originalmente em 2002.
Fleetwood Mac – “Say You Love Me”– Em outubro de 1977, o Mac cavalgava a onda crescente de gigantesca popularidade provocada pelas músicas de seu décimo-primeiro álbum, Rumours, lançado em fevereiro daquele ano. Ao longo do tempo, mais de 40 milhões de pessoas comprariam o álbum, impulsionado por hits como "You Make Loving Fun", "Go Your Own Way" e “Don't Stop” e pela sonoridade pop cintilante obtida pela alquimia artística de Stevie Nicks com Lindsey Buckingham e Christine McVie. E é nesse momento de ebulição que ouvimos a banda, tocando "em casa”– o ginásio Forum, em Los Angeles – , com seus músicos sendo saudados como heróis por uma platéia efusiva.
Bob Dylan/Tom Petty – “When The Night Comes Falling From The Sky” – Outra turnê de peso – e verdadeiramente histórica – foi a empreendida em 1986 por Bob Dylan, com Tom Petty e seus Heartbreakers assumindo um papel antes ocupado por The Band. A True Confessions Tour começou na Austrália, passou por Nova Zelândia e Japão antes de aterrisar nos Estados Unidos e no Canadá para mais 41 shows. O registro de um deles, realizado em Buffalo, no estado de Nova York, saiu agora em disco e reflete a ferocidade e o vigor das apresentações, com Bob ainda um “garoto” de 45 anos e Tom com apenas 36.
KAROL G – “BICHOTAG” – Capa da nova edição da Rolling Stone, a artista colombiana é o caso mais recente de artistas latinos "infiltrando” paradas de sucesso e rankings nos canais de streaming nos Estados Unidos. Ralou por seis anos, desde que lançou seu primeiro álbum. Mas, agora, sua mescla de trap, reggaeton e Afrobeat, chegou ao topo do mercado pop americano: o novo Mañana Será Bonito tornou-se o primeiro álbum feito por uma mulher em língua espanhola a conquistar o posto máximo da parada da revista Billboard.
The Band – "It Makes No Difference”– Robbie Robertson fazia a guitarra cantar, suplicar, chorar, com uma tonalidade e uma elegância só suas. Embora como artista solo tivesse buscado valorizar a voz, no grupo que imortalizou deixava o instrumento falar, sobrepondo-se ao time de craques que o cercava.