Tina Turner: o ícone legendário do rock e do R&B que se reinventou como mega estrela pop
Morta aos 83 anos, Tina deixou o marido violento, após décadas de muito trabalho, sucesso e maus tratos, para começar tudo de novo e renascer como uma das maiores atrações do seu tempo
A música perdeu esta semana Tina Turner, um ícone do rock e do R&B, morta aos 83 anos, em sua casa, na Suíça, após uma longa doença, que já havia motivado um transplante de rim e necessitava sessões de hemodiálise.
A voz, a presença de palco – sensual e elétrica –, a personalidade solar, o espírito indomável e o repertório recheado de sucessos fizeram de Tina Turner uma figura legendária e influente da música, inspirando gerações de artistas. Mick Jagger aprendeu com ela alguns dos passos que incorporaria a seu estilo de dançar. Ela se apresentou ao lado de outros gigantes da música, de Elton John a Paul McCartney. Sem Tina talvez não houvesse hoje uma artista como Beyoncé.
Sua trajetória pessoal fez dela um símbolo de resiliência que inspirou milhões de mulheres presas em relacionamentos infelizes e violentos.
Liberta do jugo dominador e brutal de seu descobridor – o marido Ike Turner, com quem havia construído uma carreira de grande popularidade durante 16 anos de casamento e parceria artística – , Tina se reinventou a partir da virada para os anos 1980, vendeu mais de 150 milhões de discos e ganhou oito prêmios Grammy. Em 2021, entrou para o Rock and Roll Hall of Fame.
Nas telas, brilhou como a Acid Queen da versão em filme da ópera-rock Tommy, ganhou sua própria cinebio, onde foi vivida por Angela Bassett, e estrelou, ao lado de Mel Gibson, Mad Max-Além da Cúpula do Trovão. Foi fenômeno da era MTV e atração de comerciais – um deles, para a Pepsi, ao lado de David Bowie.
Mesmo aposentada desde 2009, Tina mantinha-se presente (e valiosa) no imaginário e na indústria de música. Ela ganhou um musical na Broadway inspirado em sua vida, que ela chegou a assistir, na noite de estreia. E, dois anos atrás, vendeu seu catálogo – e todos os direitos de uso de sua imagem – à BMG. Por 50 milhões de dólares. A gravadora planeja, com essa aquisição, apresentar Tina a novos públicos.
O FAROL relembra Tina através de um encontro em Miami, em 1986, quando José Emilio Rondeau a entrevistou para a revista Bizz, às vésperas do lançamento do álbum Break Every Rule.
Agosto de 1986. Tina Turner está no conforto do camarim do teatro do hotel Hyatt Regency, no centro de Miami, protegida pelo ar condicionado à toda do tórrido calor de verão, preparando-se para o ensaio geral do programa de TV Siempre en Domingo, transmitido mensalmente para 18 países de língua espanhola.
Descalça, bebericando refrigerante, com um vestido de gaze esvoaçante, recostada numa poltrona, ela abre seu sorriso de um trilhão de watts quando entro no camarim para fazer para a revista Bizz a primeira entrevista mundial de lançamento de seu novíssimo álbum, Break Every Rule, que sairia no mês seguinte, em preparação para uma turnê mundial que a levaria a países onde nunca havia se apresentado antes. Dentre eles, o Brasil. Daí a participação no programa de TV que irá ao ar dentro de poucas horas.
Os últimos 10 anos haviam sido um misto de renascimento, reinvenção e reconstrução para Tina, desde que deu as costas à carreira construída com o ex-marido Ike Turner e ao relacionamento abusivo e violento que mantinham. Dona de uma presença vulcânica no palco – excursionando incessantemente, abrindo shows para grandes nomes, inclusive os Rolling Stones, de quem tornou-se muito próxima – e de um vozeirão visceral que rendeu discos de imenso sucesso na década de 1960 – como “River Deep-Mountain High” e “Proud Mary”, original do Creedence Clearwater Revival que tornou-se uma de suas músicas-assinatura – , Tina era subjugada e maltratada por Ike de tal forma que a opção era romper as amarras e partir, ou arriscar a própria vida e as dos filhos.
A transição para uma nova etapa como mãe solteira e artista solo foi árdua e testou a determinação de Tina – que precisou brigar na justiça para manter seu próprio nome artístico, inventado, ironicamente, por Ike, para substituir o de batismo, Anna Mae Bullock.
Durante sete anos, ela batalhou como pode – fazendo shows em hotéis de Las Vegas e em cabarés menos cotados, gravando discos sem foco e sem muito brilho, inclusive de música country, mas sobrevivendo – , até conhecer o empresário australiano Roger Davies. Com a ajuda e a orientação dele, aos 45 anos, Tina fez o álbum que a redefiniu como super estrela pop e inaugurou a fase áurea de sua carreira: Private Dancer, turbinado por uma faixa-título composta por Mark Knopfler, cujo Dire Straits era uma das bandas mais famosas do pop daquele tempo.
O efeito foi imediato. Doze milhões de pessoas compraram o álbum ao redor do mundo, com os Estados Unidos representando quase metade do total.
“Durante todos aqueles anos em que estive trabalhando, antes de fazer discos solo, as pessoas gritavam do público ‘quando você vai gravar uma canção para nós?’”, relembra Tina, no camarim de teatro em Miami. "E eu dizia, entre uma música e outra, que aquilo nunca acontecera porque eu ainda não havia encontrado a canção certa. Eu estava sob os olhos do público o tempo todo, trabalhando com artistas como os Rolling Stones e Rod Stewart, e o público estava esperando algum material de mim".
"Quando fiz Private Dancer não estava segura a respeito dele”, continua. "Nunca tinha cantado uma canção como ‘What's Love Got To Do With It?’, não era o meu tipo de música. E não queria cantar alguma coisa com a qual não conseguisse me relacionar, em termos musicais. Mas (o empresário) Roger Davies (tinha) um faro comercial para discos que fazem sucesso. E aquele álbum ficou nas mãos dele e confiei na decisão dele quanto a como fazer um hit. Eu não tinha esse faro. Entendia do trabalho de palco. Quando o álbum estourou, foi uma surpresa. Só que não tanto assim, porque eu já vinha trabalhando ao vivo (solo) há sete anos e as pessoas que me apoiaram durante esse tempo estavam esperando (por um disco meu)".
O trabalho como atriz vem à tona e Tina justifica sua transição dos discos e dos palcos para as telas. "Um cantor ou uma cantora também é um ator ou uma atriz. Só que canta".
"Estamos falando de pessoas visuais”, prossegue, gesticulando para dar ênfase a suas palavras. "Sobre aquilo que Mick Jagger faz no palco – todos aqueles rebolados, aquelas caras, o lado físico. E Tina Turner também. Tudo aquilo é representação".
No entanto, Tina esperou até encontrar a melhor oportunidade de abraçar aquele novo lado de sua carreira artística. "Eu sabia que para mim era preciso achar um papel fora do comum e não um papel de esposa, detetive ou policial. Tinha que ser algo maior que a própria vida. Esta é a razão porque fiz a Acid Queen (em Tommy), no começo, e esperei até que pintasse alguma coisa como Mad Max. Eu não conseguiria fazer os filmes da Meryl Streep ou da Jessica Lange, necessariamente. Fui convidada para fazer A Cor Púrpura (o papel principal, que acabou indo para Whoopi Goldberg), mas não aceitei, era muito triste. Não era fora do comum o bastante. Não era um 'filme tipo Tina Turner'".
O avanço da idade não passava pela cabeça de Tina naquela tarde abafada e úmida, ainda que estivesse para comemorar, meses depois, seus 48 anos, idade considerada incompatível com artistas como Tina, algo que ela – assim como tantos de seus contemporâneos – simplesmente ignorava.
"O rock and roll é a minha música. E o tipo de show que faço é o meu tipo de show. Não vou colocar um vestidão e ficar parada cantando só porque tenho 50 anos. Forget it! Não é minha vida! Acho que algumas pessoas cometem o erro de acharem que agora estou ficando mais velha preciso parar de fazer isto. Me perguntam quanto tempo vou continuar assim. Eu não sei! É simplesmente meu estilo. Para que mudá-lo? Você tem que ser você mesma".
"É uma questão de atitude”, continua Tina, animada com o assunto. "Nós somos ativos! Nós não ficamos sentados! Não nos vemos como pessoas ‘maduras”, velhas e gordas. Não nos vestimos como velhos. Buscamos roupas que possam fazer uma ponte (com a juventude)”.
Mas seus filhos já não eram mais velhos que muitos de seus novos fãs, conquistados após o sucesso de Private Dancer? Tina rebate de bate-pronto. "Viu como você está raciocinando? 'Seus filhos são mais velhos que seus fãs'. E daí? Não me interessa a idade deles. Eles gostam de minhas músicas. Não acho que uma pessoa ouça uma música e pense ‘qual é a idade (do artista)?’. A primeira coisa que diz é 'eu gosto da música’. Se você tiver um bom visual – e mesmo se não tiver –, a pessoa vai e compra o disco. Estamos falando de criatividade. E a criatividade transcende cor, raça e atitude. Transcende tudo".
Tina também faz questão de contestar a imagem de uma mulher negra se impondo num mundo predominantemente branco e masculino: o show business.
"Vivi minha vida sem me preocupar muito se era mulher ou se era negra”, ela diz, logo de saída. "Não coloquei tanta cor ou genes em mim. Era apenas uma pessoa com obstáculos a superar. Provei que tinha alguma coisa, meu talento. Fui e trabalhei. Algumas vezes, de graça. Para provar às pessoas que eu tinha alguma coisa a oferecer e não simplesmente porque era mulher. E destruí as barreiras, os obstáculos, trabalhando".
A essência musical de Tina
Rhythm and blues sensual, rock rasgado e hinos pop compõem a rica e variada discografia da cantora
Mostra celebra 75 anos do MAM-RJ. Por que as pessoas gostam de ouvir músicas tristes? Bora 'sanitizar’ os livros? Os 70 anos do sintetizador que revolucionou a música. Obras sem título de Picasso ganham nome. E Beyoncé dispara na corrida pela turnê de um bilhão de dólares. Aliás. bem mais que isso.
– Os 75 anos Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro estão sendo comemorados com duas mostras. A primeira, Museu-escola-cidade: o MAM Rio em cinco perspectivas, que reúne 500 itens, entre obras e acervo documental, tem curadoria coletiva, assinada por todas as equipes da instituição, cobre os primeiros 30 anos do museu, e é organizada em cinco eixos temáticos – educação, design, o fazer experimental, Cinemateca e movimentos artísticos – mais um núcleo focado no incêndio ocorrido no museu em 1978, que para sempre mudaria a história do espaço. A segunda exposição, a ser montada no segundo semestre, enfocará as décadas seguintes, chegando até os dias de hoje.
– Por que as pessoas gostam de ouvir músicas tristes? Cientistas que mergulharam na questão chegaram a diferentes conclusões, por diferentes caminhos. Mas, resumidamente, músicas tristes desencadeiam emoções profundas e complexas que nos fazem sentir conectados, uns aos outros – e ao mundo. Uma das pesquisas sobre o assunto, feita em 2016, listou três categorias de reações emocionais a músicas tristes, que vão desde o luto ao que chamam de uma doce tristeza, uma agradável pontada de consolo e apreciação. E o que elas provocam é bem mais que um sentimento de sofrimento ou dor. “Digamos que você está se sentindo sozinho e isolado”, explica o Dr. Joshua Knobe, psicólogo e filósofo experimental da Universidade de Yale que em 2016 conduziu uma pesquisa com 363 pessoas, “daí você passa por uma experiência quando ouve música, ou lê um livro, e você passa a não se sentir mais tão só”.
– Bora “sanitizar" os livros? Vem crescendo o debate (e a polêmica) em torno da revisão de livros antigos – geralmente, clássicos escritos por autores renomados – para a remoção de termos e expressões considerados racistas. Depois da bola ter sido levantada com mudanças em livros de Roald Dahl, Ian Fleming (autor dos livros de James Bond) e Agatha Christie, a questão vem movimentando o meio literário brasileiro também. E aqui o autor mais atingido é Monteiro Lobato, por ter criado personagens negros a partir de estereótipos e preconceitos. Como, por exemplo, chamar a Tia Nastácia de uma "negra de estimação” que subia árvores feito "uma macaca de carvão". A bisneta do autor, Cleo Monteiro Lobato, é a favor de tais mudanças, argumentando que embora os livros tenham ficado “congelados no tempo, a gente evoluiu”. Mas há quem discorde. "As obras de Lobato revelam quem ele era”, argumenta a escritora Eliane Alvez Cruz. “Se a gente começa a maquiá-las, ele vira outro escritor”.
– Lançado 70 anos atrás, o sintetizador Moog revolucionou a música – tendo sido adotado por artistas tão variados quanto os Beatles, Kraftwerk, Bob Marley, Frank Zappa, Yes, a classicista Wendy Carlos e os jazzistas Chick Corea e Herbie Hancock – e serviu de modelo para todos os instrumentos semelhantes que seriam criados depois dele. Agora, o aniversário do icônico Minimoog Modelo D, o primeiro criado pelo engenheiro, inventor e músico americano Robert Moog, está sendo celebrado com um site onde qualquer um pode explorar as possibilidades da máquina.
– Assim como tantos outros artistas, Picasso deixou algumas obras sem título. Mas agora elas foram batizadas. Uma mostra em homenagem ao meio século de morte de Pablo Picasso, montada no centro cultural madrilenho La Casa Encendida, pediu a 50 artistas de diferentes disciplinas que se arriscassem a batizar trabalhos do mestre espanhol ainda sem título, feitos dentro do último período artístico de Pablo, entre 1963 e 1973. “Não se trata de repensar Picasso ou sua obra, mas de trazê-lo à contemporaneidade e, portanto, relê-lo com todos os debates sociais e culturais travados na última década”, argumenta Lucía Casani, diretora da Encendida.
– Lembra que falamos aqui de turnês de mega estrelas da música pop com chances de romper a barreira do bilhão de dólares em renda? Pois bem. Erramos. Para baixo. Segundo a revista Forbes, a atual excursão de Beyoncé, Renaissance, hoje percorrendo a Europa, pode fechar o caixa com 2.1 bilhões de dólares. Seriam 500 milhões de dólares a mais que a principal concorrente nesse ranking, Taylor Swift, cuja tour Eras deve coletar 1.6 bilhões de dólares.
PLAYLIST FAROL 38
A volta triunfal do Blur. O country dor de cotovelo de Brandy Clark. O herdeiro do The Fall. Os Cowboy Junkies olham de frente a morte. O som rico do grupo sueco de jazz com 43 integrantes. O punk moderno de Mandy, Indiana. Moses Sumney regrava Billie Holiday. O folk poético de Jealous of the Birds. E o prog australiano com sonoridade vintage de Brown Spirit.
Blur – “The Narcissist”– Um dos principais pilares do Britpop dos anos 1990 está de volta à ativa, cintilante e afiado, com sua primeira música nova desde 2015, parte do álbum The Ballad of Darren, o nono de sua discografia, e gravado em segredo, que sai em julho.
Brandy Clark – “Tell Her You Don’t Love Her” – Produzida pela usina musical Brandi Carlile e aqui acompanhada pelas vozes de mel da dupla feminina Lucius, Clark, cantora-compositora baseada em Nashville, chega ao quarto álbum mais madura e mais profundamente country, investindo na dor de cotovelo tão tradicional do gênero.
HOUSE OF ALL – “Aynebite”– O The Fall deixou de existir com a morte do frontman Mark E. Smith, em 2017. Mas o cantor e guitarrista Martin Bramah, co-fundador do grupo, mantém vivos o estilo e a sonoridade da banda em seu novo projeto.
Cowboy Junkies – “What I Lost” – A finitude e a deterioração do corpo e da mente, com a chegada da velhice, são os temas do novo álbum do quarteto liderado pelos irmãos Margo e Michael Timmings, que chegam a sua quarta década de carreira com um disco tingido pela morte da mãe e pela demência do pai em seus últimos anos de vida.
Fire! Orchestra – “ECHOES: I see your eyes, Part 1”– A versão atual deste arrojado grupo sueco de jazz soma 43 integrantes (!!!) e a peça que dá título a seu novo álbum – dividida em sete partes no disco – durava quase duas horas quando foi apresentada pela primeira vez, ao vivo, no Festival Jazz de Estocolmo.
Mandy, Indiana – “Pinking Shears” – Uma parisiense e quatro britânicos de Manchester formam uma banda batizada com o nome de uma cidade fictícia de um estado super-americano e fazem um som europeu punk modernérrimo, com distorção, dissonância e sons eletrônicos que não dão trégua.
Moses Sumney – “I’ll Be Seeing You"– Esta versão de um clássico de Billie Holiday feita pelo americano Sumney – artista pop e R&B que também navega com conforto por jazz e rock indie – faz parte da trilha de A Small Light, série da National Geographic sobre Miep Gies, moça que ajudou a esconder Anne Frank e sua família dos nazistas que ocupavam Amsterdã.
Jealous of the Birds– “Cynic’s Song” – Na verdade, não há um pingo de cinismo no single da irlandesa Naomi Hamilton. Em seu lugar, poesia, filosofia e divagações de extrema profundidade e romantismo, enquanto a protagonista decide se cede aos pensamentos e à emoção – e a tudo que chega junto.
Mega Bog – “Don’t Doom Me, Now” – A californiana Erin Birgy faz em seu álbum de estreia, End of Everything, um synth-pop contemporâneo onde usa um estilo operático para cantar, apoiada pelo saxofone de Marta Tiesenga.
Brown Spirits – “Space Race”– O quarteto australiano fecha a playlist com improvisos instrumentais que atualizam o prog europeu dos anos 1970 para o século 21, mas sem perder a característica vintage.