Serão 'Barbie' e 'Oppenheimer' os salvadores do cinema?
Mistos de filme de autor e megassucesso pop, as duas produções estão trazendo o público de volta aos cinemas e engordando as bilheterias. Mas a greve de atores e roteiristas pode erodir esses ganhos
Só se fala de Barbie e Oppenheimer.
Por razões diversas e mesmo conflitantes: são triunfos do cinema de autor que representam o melhor que Hollywood pode oferecer quando dá rédeas aos artistas e à criatividade. Ou são cavalos de Tróia destinados a ludibriar os incautos. Você escolhe.
“(Barbie) talvez seja um gigantesco comercial de duas horas para um produto, possivelmente não mais do que foi Uma Aventura Lego, embora não parta para a jugular da comédia de maneira tão alegre” (The Guardian); “um dos arrasa-quarteirões mais subversivos do século 21” (Rolling Stone); "uma aventura profundamente feminista” (Entertainment Weekly), com “sutilezas inesperadas” (NME); ou um filme que “se aproveita da ironia para vender um feminismo plastificado” (Folha de S. Paulo).
Enquanto isso, Oppenheimer foi considerado “uma confusão” (Forbes); "um psicodrama histórico absolutamente fascinante, mas que não chega a um Big Bang” (Variety); "uma realização brilhante, em termos formais e conceituais” (The New York Times); "um fluxo implacável de vinhetas bombásticas necessitadas de uma reação em cadeia narrativa” (The Verge); ou "uma coisa cinética de beleza sombria e imponente que balança com os tremores inquietantes de uma ruptura eterna no curso da história humana” (Associated Press).
Mas talvez o principal significado do gigantesco espaço ocupado pelos dois filmes na discussão cultural planetária dos últimos dias e no ranking mundial de bilheterias – Barbie já abocanhou 775 milhões de dólares, ante os 400 milhões de Oppenheimer, formando o fenômeno batizado de Barbieheimer – seja a injeção de ânimo que eles representam para a indústria cinematográfica e para o mercado exibidor.
"O fato de que as pessoas estão lotando cinemas grandes para ver esses filmes – que não são continuações nem prequelas, sem número algum em seus títulos, de maneira que são eventos únicos – é uma vitória para o cinema”, celebrou o cineasta Francis Ford Coppola, realizador de obras-primas como O Poderoso Chefão e Apocalipse Now. “Meu palpite é que estamos à beira de uma era de ouro”, disse Coppola, que acaba de finalizar a produção de um de seus projetos mais ambiciosos, o longa Megalopolis, orçado em mais de 100 milhões de dólares e com Adam Driver, Aubrey Plaza, Forest Whitaker, Jon Voight e Shia LaBeouf no elenco. “Cinema maravilhoso e esclarecedor (para ser) visto em grandes (salas de exibição)” é o que vem por aí, para ele.
Para se ter uma ideia da dimensão do público atraído pelos dois filmes, a rede de cinemas AMC, a maior dos Estados Unidos, reportou que na semana de 21 a 27 de julho, com Barbie e Oppenheimer em cartaz, registrou a melhor renda de seus 103 anos de sua existência.
Os dois filmes formariam, portanto, uma parceria incomum – e uma frente unida, obviamente involuntária – na reação do cinema ao poderio crescente do streaming e à infinidade de distrações que competem pela atenção do público. Como relatou o jornalista Lucas Shaw, da Bloomberg, hoje as pessoas “gastam mais tempo (e dinheiro) em video games do que em filmes, e passam mais tempo assistindo ao YouTube do que a qualquer rede de televisão”.
E num movimento que ecoa o que já comentamos aqui recentemente – a tendência dos jovens adotarem o uso de legendas e do recurso 'closed caption' nos Estados Unidos na hora de ver filmes ou séries ao mesmo tempo em que se mantêm ligados nas redes sociais, para, sempre que quiserem, saber o que está acontecendo com uma breve olhadela no monitor, sem precisar ficar 100% atentos ao conteúdo –, a revista The New Yorker citou a preocupação de roteiristas e atores – justamente aqueles que agora estão em greve por melhores condições de trabalho e melhores pagamentos – com as diretivas de estúdios e produtoras de TV para se criar “muzak” visual, ou conteúdo “de elevador", para ser consumido numa “segunda tela”, considerando-se primeira a tela onde o jovem navega suas redes. A atriz Justine Bateman também relatou ter ouvido recomendações para que se faça programas de TV menos exigentes da atenção do público, para que os mais distraídos não percam facilmente o fio da meada e desliguem o aparelho.
Há quem considere, no entanto, que o casamento de Hollywood com o streaming – o que prejudicaria os cinemas – não seria atrapalhado por uma reemergência das salas de exibição. Os dois formatos – filmes e séries para serem vistos em casa ou grandes espetáculos criados para as grandes telas – poderão (ou terão que) conviver da forma mais pacifica possível.
Sinal disso é a avaliação nos bastidores de se transmitir a entrega do Oscar ao vivo pela Netflix, algo impensado até recentemente. Mas será tão impossível assim, se lembrarmos que já há uma aproximação entre a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e o gigante do streaming? Lembre que este ano a Netflix obteve 16 indicações e papou meia dúzia de estatuetas, inclusive as de Melhor Animação (por Pinóquio, de Guillermo Del Toro) e de Melhor Filme Internacional (por Nada de Novo no Front). Antes disso, em 2019, Roma, dirigido pelo também mexicano Alfonso Cuarón para a Netflix, foi para casa com os dois principais prêmios da noite, Melhor Direção e Melhor Filme.
O fenômeno Barbieheimer tem lastro para ter efeito duradouro o suficiente para impulsionar um renascimento robusto dos cinemas? Pode-se dizer que estão fazendo sua parte. Só que a greve de roteiristas e atores deve atrapalhar, na medida em que filmes potencialmente fortes para dar sequência a esse movimento atrasarão e só devem vir à luz do dia – ou ao escurinho do cinema – em 2024.
Baú de Ariano Suassuna revela tesouros inéditos. Críticos de cinema: quem precisa deles? Crianças, jovens e adultos se despedem de Paul Reubens, o eterno Pee-wee Herman. Fãs de Taylor Swift causam terremoto. E a Bienal do Livro comemora 40 anos em setembro.
– O paraibano Ariano Suassuna, morto em 2014, deixou milhares de páginas de textos inéditos em seu acervo, bem como novas versões de obras já publicadas. Aos poucos, esse material vem vindo à tona. Como o recém-lançado box reunindo os dois volumes de História dO Rei Degolado nas caatingas do Sertão, com ilustrações feitas pelo filho do escritor, Manuel Dantas Suassuna. Em 2024, a Nova Fronteira lançará livro com a obra poética completa de Suassuna, inclusive poemas inéditos. Também no ano que vem sai o longa O Auto da Compadecida 2, dirigido pelo mesmo Guel Arraes que realizou o filme anterior, também baseado no best-seller de Ariano (reimpresso 25 vezes), trazendo Matheus Nachtergaele e Selton Mello de volta aos papéis de João Grillo e Chicó, respectivamente. A mesma obra ganhará, ainda, versão em quadrinhos. E as aulas-espetáculo de Suassuna serão publicadas em livro.
– Críticos de cinema: quem precisa deles? A pergunta foi feita pelo jornalão britânico The Guardian, diante da importância cada vez maior de influenciadores digitais para os grandes estúdios na hora de lançar seus filmes – e foi feita depois de um lanterninha ter saudado os convidados para a premiere londrina de Barbie dizendo estar na expectativa de “postagens positivas no Twitter”, mesmo quando os jornalistas presentes sabiam que estavam impedidos de escrever suas resenhas por dois dias depois da exibição. Ou seja, os influenciadores tinham rédea livre para dar suas impressões online. E o fariam, avalia o jornal, e elas seriam positivas, para manter um bom relacionamento com os estúdios, continuar sendo convidados para premieres e tendo acesso a eventos exclusivos de divulgação – e, assim, poder alimentar seus canais nas redes sociais. Para o The Guardian, o caso da premiere de Barbie é “sintomático de uma tendência que vem se desenvolvendo nos últimos anos e que diz respeito não apenas à profissão de crítico de cinema, mas à cultura, como um todo. Se toda a discussão dos méritos de um filme antes de seu lançamento é deixada aos influenciadores, cuja ambição é motivada por obter merchandising gratuito ao falar bem de um produto, o que podemos esperar do futuro do cinema? Onde acontecerão as discussões cativantes, desafiadoras e completamente imparciais, e como o público conseguirá pensar criticamente sobre o que está sendo vendido a ela?”. Cartas para a redação.
– Morreu esta semana, aos 70 anos, Paul Reubens, ator e comediante americano que deu ao mundo o personagem Pee-wee Herman, sua maior criação, um adulto eternamente criança – e maroto – que encantou crianças, adolescentes e adultos a partir dos anos 1980, quando pulou dos palcos de teatro para a grade da HBO, levando sua roupa-uniforme – terno cinza, gravata borboleta vermelha – , seu penteado característico e sua voz fina e debochada, com a qual sempre perguntava:”sei o que você é, mas o que sou eu?”. A figuraça chegou aos cinemas poucos anos depois, em As Grandes Aventuras de Pee-wee Herman, primeiro longa dirigido por Tim Burton, e na sequência ganhou programa semanal de TV na rede CBS, Pee-wee’s Playhouse. Tudo veio abaixo em 1991, quando Reubens foi preso se masturbando num cine pornô, na Flórida. Embora tivesse recebido apoio da comunidade artística e dos fãs, Paul engavetou o personagem e passou a representar papéis diferentes na TV e no cinema. Pee-wee só reapareceria em 2016, quando a Netflix exibiu o filme Pee-wee’s Big Holiday. Paul sofria de câncer e manteve a doença em segredo até o final.
– A cidade de Seattle, nos Estados Unidos, registrou atividades sísmicas de 2.3 na escala Richter, usada para medir terremotos. Só que o tremor não foi causado pelo movimento de placas tectônicas, mas por uma combinação da potência do equipamento de som com o reboliço dos fãs de Taylor Swift durante os dois shows que a artista fez na cidade, como parte de sua turnê Eras. Fenômeno semelhante ocorreu na Nova Zelândia, quando os Foo Fighters se apresentaram lá, em 2011.
– E mais uma de literatura: a Bienal do Livro, que acontece de 1º a 10 de setembro no Riocentro, comemora seus 40 anos com uma programação que reúne mais de 300 convidados, dentre eles Conceição Evaristo, Ailton Krenak e Julia Quinn, autora de Bridgerton, para quem será realizado um baile de máscaras. A ideia do encontro deste ano é celebrar o livro, e o poder de comunicação em múltiplas plataformas, e as principais atividades do evento serão transmitidas, via streaming, para uma nova área do local, o Jardim Central.
PLAYLIST FAROL 46
Supergrupo de bateristas britânicos vocifera contra Los Angeles. O indie rock teen das Linda Lindas. Um gostinho do novo álbum do Wilco. Dan Auerbach brinca de T. Rex. A volta do Drop Nineteens, 30 anos depois. Art Feynman se inspira nos discos gravados no estúdio Compass Point, nas Bahamas. O Cafuné nova-iorquino. Grimes quer virar software. O samba eletrônico torto e irresistível de Luiza Lian. E a bossa nova progressiva de GUM.
Lol Tolhurst, Budgie, Jacknife Lee – “Los Angeles“ – Supergrupo novo chegando, formado por músicos egressos de bandas icônicas dos anos 1980, ambos bateristas: Lol, um dos fundadores do The Cure, mais Budgie, de Siouxsie And The Banshees e The Creatures. Os dois receberam a adesão de Lee, produtor britânico que já trabalhou com bandas como R.E.M., U2 e Snow Patrol. E aqui são auxiliados, ainda, por James Murphy, do LCD Soundsystem, para vociferar sobre a Cidade dos Anjos. Muito angeleno não vai gostar muito disso, não.
The Linda Lindas – “Resolution/Revolution” – E é de Los Angeles que vem o maneiríssimo quarteto feminino teen, num single novo, lançado quase um ano depois de seu álbum de estreia, Growing Up, ter saído.
Wilco – "Evicted”– Um gostinho do novo álbum de inéditas do grupo de Jeff Tweedy, Cousin, produzido pela incansável Cate Le Bon e com lançamento previsto para o mês que vem.
Dan Auerbach – “Every Chance I Get (I Want You In The Flesh)” – Sempre antenado em sonoridades vintage, o guitarrista e vocalista do Black Keys brinca aqui de T. Rex, empregando um riff e um timbre de guitarra calcado em “Spirit in The Sky”, o megahit de Norman Greenbaum lançado em 1969.
Drop Nineteens – “Scapa Flow” – Veterano do shoegaze, o quinteto de Boston rompe um silêncio de 30 anos com o primeiro single de seu novo álbum, Hard Light, que sai em novembro.
Art Feynman – “Desperately Free” – Um dos atuais queridinhos da rádio BBC 6, Luke Temple, o músico americano à frente do projeto Art Feynman, disse ter-se inspirado na sonoridade dos discos gravados no estúdio Compass Point, nas Bahamas, por Grace Jones e Talking Heads, para fazer seu novo álbum, Be Good The Crazy Boys, agendado para o final do ano.
Cafuné – “Demise”– O duo nova-iorquino formado pela cantora e compositora Sedona Schat com o compositor e produtor Noah Yoo adotou uma palavra fofa, em português, para assinar seu indie pop cativante nesta faixa de seu novo EP, Love Songs for the End, que sai em outubro.
Grimes – “I Wanna Be Software” – A estrela canadense de pop experimental já havia anunciado que toparia emprestar sua voz a algum projeto que usasse Inteligência Artificial. Aqui, com a colaboração de Ilangelo, que já trabalhou com artistas como Weeknd, ela dá um passo adiante, ao expressar seu desejo de ser código de software.
Luiza Lian – "Eu Estou Aqui”– A paulistana Luiza faz nesta faixa de seu recém-lançado quarto álbum, 7 Estrelas | Quem Arrancou O Céu?, o primeiro em cinco anos, um samba torto, eletrônico, ruidoso, experimental, recheado de samples – e irresistível.
GUM – “Would It Pain You To See?” – Enquanto isso, o projeto do australiano Jay Watson se sai com uma bossa nova progressiva, parte de seu novo álbum, Saturnia.