RoNca RoNca X 600
O fotógrafo e radialista Mauricio Valladares celebra com evento em São Paulo e bate-papo reunindo seis baixistas os 12 anos na web de seu consagrado programa de rádio
São 600 programas de rádio. Cerca de 1.300 horas de sons ecléticos, preciosidades, pocket shows históricos, sonoplastia siderada, expressões bem talhadas (tipo “inoxidável”) e toques precisos ao longo de 12 anos.
Este é o saldo da trajetória do RoNca RoNca, o consagrado programa que o fotógrafo e radialista carioca Mauricio Valladares produz e apresenta na web desde 2012, que atinge a marca com uma edição especial online e um evento ao vivo, em São Paulo.
O 600º programa foi ao ar ontem, quinta-feira (06/06), num formato especial. Mauricio reuniu um grupo seleto de baixistas para conversar: Liminha, Dadi, Arnaldo Brandão, Alberto Continentino, Kassin e Melvin Ribeiro. Na semana seguinte, Valladares ocupará por dois dias – 14 e 15 de junho – o Boca Cultural, na Consolação, com uma exposição das fotografias de seu livro Preto e Branco (e bate-papos sobre sua realização, com a participação de Raul Mourão e Christiano Calvet, seus organizadores, e Luiza Mello, produtora editorial), mais discotecagem – a cargo de MV e de seu parceiro de programa de longa data, Nandão – e, por fim, uma apresentação do Edgard Scandurra Song Trio, o novo projeto do guitarrista. Haverá, ainda, a distribuição da recém-criada cachaça Magnífica Ronca e o lançamento do drink BocaRoNca.
É a culminação de uma jornada profissional que começou pelas ondas do rádio, em 1982, com as duas apresentações semanais do programa Rock Alive, na Fluminense FM. E cujo ponto de partida, acredite se quiser, foi o futebol.
Garoto, em meados dos anos 1960 Mauricio era fã de rádio e do velho esporte bretão. E ficava ligado nos jogos transmitidos – muito interessado também na sonoplastia – e nos programas de comunicadores como Washington Rodrigues, o Apolinho, que fazia o Show da Madrugada. E Adelzon Alves, cujo programa de samba varava a madrugada dando espaço a veteranos do samba que ficavam à margem da grande mídia – como Clementina de Jesus, Cartola e Jackson do Pandeiro – , e os novos compositores e intérpretes da época – João Nogueira, Martinho da Vila, por exemplo.
"Ele lançou Djavan!”, lembra hoje Mauricio, que não era tão ligado em samba, mas adorava o programa. “Eu ouvia o Adelzon por causa das conversas. Quando começava a música eu diminuía (risos). Mas aí você vai descobrindo o que o rádio oferece”.
O rock era mais a praia de Valladares, e essa parte chegava via Big Boy, na rádio Mundial, e John Peel, DJ da BBC que Mauricio curtia graças ao aparelho Transglobe Phillips, de ondas curtas, do primo. “E você tomava contato com como as coisas funcionavam”.
Embora o trabalho como fotógrafo – focado, na maior parte, em shows e artistas de música, o que gerou imagens icônicas de Led Zeppelin, The Who, Bob Marley, Gilberto Gil, Rita Lee, Paralamas do Sucesso e Legião Urbana, dentre tantos – tivesse começado primeiro, estimulado pelo momento em que ganhou do pai uma câmera Canonet – “longe de ser um equipamento profissional, mas com ela você já complementava um pouco o interesse que poderia ter pela imagem, fosse tanto pelo cinema ou pela fotografia fotojornalística” –, o rádio entrou na rota profissional de Valladares quando assumiu a programação e a apresentação das edições de segundas e sextas do Rock Alive, em março de 1982.
“Rock Alive era um horário”, Mauricio explica, “tinha um dia que era do progressivo, no outro dia era hard rock. Esse horário que eu tinha, por conta daquilo com que eu estava envolvido, recém-chegado de Londres, era para mostrar as novidades. Não só as novidades daquela época na Europa e nos Estados Unidos, mas os estilos musicais que saíam dessa área, como a música africana, o reggae, o dub. Eu tocava isso direto, e era totalmente fora do padrão. Eram, de uma forma bem presente, as bandas que estavam surgindo ali: Echo & the Bunnymen, Siouxsie And The Banshees, Legião, Paralamas, mais adiante um pouco Obina Shok, Gang of Four, as bandas punk que já estavam mais para trás, The Damned”.
O programa durou até dezembro de 1985. Já fora da Fluminense, Mauricio foi chamado por Beto Carvalho para ir para a Panorama, também no Rio de Janeiro. Nascia ali um novo nome de programa: Roncatripa (“uma coisa forte, uma maluquice: uma coisa de virar as vísceras!”). “Fiquei uns três anos na Panorama, ou mais. Foi muito bom, a rádio tinha uma proposta diferente, de jornalismo, também. Nessa hora pintou de eu ir para a Rádio Globo. Como, pelo padrão dela, não aproveitava nomes de programas que já existiam, não queria usar Roncatripa. Daí inventei o Radiolla”.
“Foi o maior barato”, ele recorda, “era a maior estrutura de comunicação, tinha o jornal ali na mão fazendo anúncios incríveis. E a estrutura técnica, de estúdio”.
Durante esse período, Mauricio iniciou um projeto paralelo, novo: a festa RoNca RoNca, onde levava para as pistas de dança o mix musical multifacetado de seus programas. Quando trocou a Globo pela Imprensa, já em 1998, seu programa viria a também se chamar RoNca RoNca.
A marca se mantém até hoje, tendo figurado por sete anos na programação da Oi FM – “talvez o momento onde eu consegui realizar o que eu sempre busquei, em termos de rádio. De fazer as coisas: programa em Porto Alegre, programa em Belo Horizonte, em qualquer lugar que tivesse a Oi. Fizeram um estúdio em São Paulo para nós”– antes de mudar-se para a web.
O primeiro desses 600 programas que estão sendo comemorados aconteceu quando a Oi FM já estava na web, em dezembro de 2012. O que não durou muito tempo, obrigando Mauricio a se mexer muito rápido para manter o programa no ar, sem quebra de continuidade. Assim, na semana seguinte à última transmissão pela Oi FM online já existia o roncaronca.com.br.
Hoje, o programa se mantém com o “paitrocínio” da rede de lanchonetes Bibi Sucos e as contribuições mensais dos integrantes do Clube RoNca, um grupo de ouvintes fiéis iniciado em 2021 através da plataforma Apoia-se. “Essa história do financiamento coletivo é uma coisa da qual eu já falava desde o tempo da Rádio Imprensa, quando era um programa independente”, Valladares explica. “Meu sonho (era) um dia chegar num nível como é feito no Japão, nos Estados Unidos e na Europa, do programa ser financiado pela audiência”.
O que o Valladares de hoje diria ao Mauricio do primeiro dia de Rock Alive, agora com a sabedoria de 600 RoNca RoNcas (disponível não só no site, mas também nas plataformas de streaming)?
Maurício ri. “Mick Jagger, quando os Stones tinham dois meses de vida, disse ‘a gente vai lançar um compacto e na semana seguinte a gente acaba, porque isso aqui não vai a lugar nenhum'”.
“Se um camarada, lá em março de 1982, chegasse pra mim e falasse ‘começa esse negócio aqui porque no início dos anos 1990 você vai para a Rádio Globo, nos anos 2000 você vai para a Oi FM, uma empresa gigante, que vai investir um dinheiro foda no seu programa, que vai construir um estúdio para você trabalhar, e a partir de 2021 vai ter uma base de ouvintes que irá sustentar você’ eu não teria razão alguma para não quebrar uma cadeira na cabeça daquele cara (risos)”.
“Porque na hora que eu comecei a fazer o programa e vi até onde poderia chegar, no sentido de dar importância ao que estava sendo veiculado, isso criou em mim uma noção, por mais que a fotografia ocupasse a maior parte do meu tempo naquela época, (de que) eu estou aqui por causa da audiência”, conclui. “É ela que me mantém aqui, em todos os sentidos. De ter o tesão de fazer a coisa”.
“É o que me mantém, as mensagens que eu recebo, como as pessoas entendem o que eu faço, o que eu falo, como elas desejam algo que eu tenho condições de oferecer. Sem me preocupar como elas irão receber. Por mais que eu siga a mentalidade da audiência, eu boto o dedo no que eu acho que deve ser feito. Esse programa 600 é um exemplo disso. Botar seis baixistas pra conversar? Hoje, isso é o anti-rádio!”.
O museu de maior sucesso no YouTube. Crie sua própria série de animação, usando IA. O segredo da sonoridade do Black Sabbath estaria num acidente de trabalho sofrido numa fábrica? Em defesa de Anitta. E as imagens que definiram uma era.
– Qual museu recebe o maior número de visitantes … no YouTube? Se você respondeu o MoMA, errou. O Louvre? Nem de perto. Na verdade, o líder no ranking de views na plataforma de vídeos é o Museu do Tanque, situado na pequena Dorset, na Inglaterra. Enquanto o icônico espaço museal de Paris tem 52 milhões de views mensais e o de Nova York acumula “apenas” 11 milhões no mesmo período de tempo, o museu britânico atinge espetaculares 200 milhões de views/mês, graças aos vídeos informativos e interessantes postados por seu chefe de conteúdo e pesquisa, Chris Copson, a respeito de sua coleção de veículos blindados de combate.
– Sabe aquelas noites em que você não consegue achar uma série ou um filme que realmente interesse ver? Seus problemas acabaram. Uma startup de São Francisco, na Califórnia, a Fable Studio, acaba de anunciar uma nova plataforma, Showrunner, que permite que qualquer pessoa invente e crie uma série em animação, utilizando uma ferramenta de Inteligência Artificial. Assim, você tem controle absoluto sobre o que quer e o que vai ver, do roteiro aos personagens e às falas, passando pelos ângulos específicos de cada tomada. Como exemplo, a Fable disponibilizou um episódio-teste de South Park realizado com a nova ferramenta, inclusive com o passo a passo da produção.
– Tony Iommi, guitarrista do Black Sabbath, perdeu as pontas dos dedos centrais quando tinha 17 anos, num acidente de trabalho na fábrica onde trabalhava. Achou que precisaria desistir de tocar o instrumento no qual vinha se aprimorando. Até que seu supervisor na fábrica deu-lhe um disco do francês Django Reinhart, que havia se tornado um gigante da guitarra jazz, apesar de também ter dois dedos incapacitados. Tony, então, tratou de superar o problema com próteses para os dedos e usando cordas mais leves na guitarra. Hoje, ele atribui a sonoridade da música do Sabbath ao estilo imposto por essas limitações.
– Anitta se viu em meio a intensa polêmica com o lançamento do videoclipe para a música “Aceita”. Perdeu 200 mil seguidores nas redes sociais por causa do conteúdo do audiovisual, onde explicita sua crença no candomblé, com cenas reproduzindo a rotina de um centro. Um curador de arte contemporânea – Vigor Gorgulho – e um cientista social – Henrique Rondinelli – uniram forças para escrever um texto profundo e bem embasado em defesa do clipe e da atista. “Para (a nova geração) é possível dizer que as polêmicas de Anitta, no mínimo, apresentam vocabulários do dicionário da cidadania”, afirmam os autores.
– O diário americano The New York Times publicou as 25 fotografias mais significativas desde 1955, aquelas que, segundo a seleção de um grupo de especialistas, definiram uma era. Estão lá o Nascer da Terra, clique de William A. Anders feito durante a missão Apollo 8 à Lua, Mina de Ouro de Serra Pelada, registro de Sebastião Salgado, e a imagem de um homem não identificado bloqueando, sozinho, os tanques na Praça da Paz Celestial, na China, feita por Stuart Franklin, em 1989, que tornou-se simbólica da resistência à opressão e da luta pela liberdade.
PLAYLIST FAROL 86
A impaciência do Pixies. Meshell Ndegeocello homenageia James Baldwin. The Who regravado por David Bowie. O feito-em-casa de Jo Bartlett. O dub nordestino de Passarinho & O Sistema Brega de Som. Os riffs nervosos do Girl Scout. O synth-pop entortado de John Grant. A volta do The The. O batuque industrial/primal de Crystal Murray. E o som sem fronteiras de Nathy Peluso.
Pixies – “You’re So Impatient”– O grupo acaba de lançar o primeiro single com sua nova baixista, Emma Richardson. São dois minutos enxutos, emoldurados por um casal impaciente que discute num shopping.
Meshell Ndegeocello – “Travel”– A baixista, compositora e vocalista consegue um misto de The Doors e Kraftwerk nesta amostra de seu álbum No More Water: The Gospel of James Baldwin, em homenagem ao escritor americano, que faria 100 anos em agosto, quando o disco sai.
David Bowie – “I Can’t Explain” – Mais uma pérola do caixotão Rock ’N’Roll Star, que reúne demos, rascunhos e ensaios antes e durante a gênese do clássico álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars. Desta vez, uma versão da música que até hoje o The Who usa para abrir seus shows, aqui numa gravação mais crua do que aquela usada no álbum Pin Ups, que Bowie lançou em 1973.
Jo Bartlett – “Drawing a Line” – A cantora, compositora e instrumentista inglesa gravou todo seu novo álbum, Ghost Tapes 1 to 9, sozinha, misturando sintetizadores e órgão Hammond para acompanhar sua voz efeitada. O resultado é indie pop feito-em-casa.
Passarinho & O Sistema Brega de Som – “Becos e Vielas”– Vem do Recife esta intrigante mescla de brega com dub, com uma salutar dose de senso de humor na faixa-título do primeiro álbum do quarteto.
Girl Scout – “I Just Needed You To Know” – A nova faixa do quarteto sueco é impulsionada por um riff circular, nervoso, e pelos vocais sanguíneos de Emma Jansson.
John Grant – “All That School For Nothing” – O cantor, compositor e instrumentista americano parece estar fazendo um synth-pop safra 1980 descompromissado, com entortadas dignas de Funkadelic. Mas cave um pouco mais fundo para descobrir os meandros sombrios de alguém que diz ter aprendido muito vendo os filmes de Stanley Kubrick.
The The – “Cognitive Dissident” – Sem lançar discos há quase um quarto de século, o grupo britânico liderado por Matt Johnson – cujos hits “Infected” e “Uncertain Smile” marcaram a década de 1980 – mostra o primeiro single de seu novo álbum, Ensoulment, cujo lançamento está previsto para agosto. Bem-vindo de volta!
Crystal Murray – “PAYBACK”– O novo single da artista parisiense (mas baseada em Londres) parece prog safra anos 1970, até se transformar num batuque industrial/tribal com elementos de grunge. É parte de seu primeiro álbum, SAD LOVERS & GIANTS.
Nathy Peluso – “CORLEONE”– É cheio de soul o som musicalmente poliglota e sem fronteiras da cantora e rapper argentina Nathy, que abre seu terceiro álbum, GRASA, com uma citação do tema que John Barry criou para o filme Moscou Contra 007, para, em seguida, mergulhar de cabeça num bolero exuberante.