Rock in Rio-O Começo de tudo
Antes de ter mais uma centena de atrações espalhadas por oito palcos, antes da montanha-russa, da roda gigante e da arena de e-games, antes de ser uma marca mundial, o Rock In Rio foi uma colheita de “nãos” obtida na tentativa de se inserir o Brasil no mapa dos festivais de rock com astros internacionais – e realizados com profissionalismo e boa estrutura.
Num país onde atrações de rock vindas do exterior no auge de suas habilidades pousavam com raridade – um Santana e um Alice Cooper aqui, um Genesis e um Kiss ali – e daqui costumavam sair sem muito entusiasmo com as condições de trabalho ou com um hábito de precisarem deixar no Brasil parte de seu equipamento de som (ou tudo!), como pagamento de uma espécie de “pedágio”, a ideia de se apresentar por aqui não apetecia a artistas americanos e europeus, acostumados às condições topo-de-linha de suas excursões no Primeiro Mundo.
Nada mais natural, portanto, que Roberto Medina recebesse, por suas contas, 70 negativas antes de assinar o primeiro contrato para a edição original do RIR, em 1985, com Ozzy Osbourne.
O Brasil tinha já uma tradição de festivais de música (organizados pelas emissoras de TV), de rock (Dia da Criação em Caxias, Saquarema, Hollywood Rock, Águas Claras) e mesmo de jazz (Free Jazz Festival). Mas o evento de 1985 mudou o jogo: construiu um espaço especificamente pensado para o festival, num terreno de 250 metros quadrados em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, com camarins suficientes e bem preparados e uma certa infra de alimentação, atendimento médico e serviços para um público diário calculado em centenas de milhares de pessoas; montou um mega palco com três bases rotativas, para possibilitar a troca de equipamentos entre um show e outro, sem “buracos" ou atrasos; fechou uma parceria com o Queen, para utilizar toda a iluminação da maior atração do festival; convidou a imprensa do mundo inteiro; e, o mais importante, pagou todos os artistas, graças à renda da bilheteria e aos recursos obtidos com patrocinadores como a Brahma (20 milhões de dólares) e a Coca-Cola (35 milhões de dólares).
Podemos debater sem fim as qualidades do RIR como um festival de rock strictu sensu, dadas as inclusões de diferentes plumagens artísticas em seu lineup desde a primeira edição. Contudo, se você enxergá-lo como um conjunto de artistas pop reunidos sob o guarda-chuva de uma mesma marca, espalhados em datas-tema (hoje, palcos-tema), a situação está resolvida.
O fato é que, trinta e sete anos depois do evento pioneiro de 1985, o Brasil faz parte do mapa das grandes atrações musicais e dos festivais mundial de rock – assim como outros países da América Latina, como Argentina, Colômbia e Uruguai. Isso teria acontecido sem o primeiro RIR? Possivelmente. Mas aquele festival acendeu um rastilho que energizou o rock brasileiro – dando-lhe popularidade e visibilidade inéditas e justificando a alimentação de seu ecosistemas (representado por publicações especializadas, baldes de novas contratações por gravadoras, a abertura de casas de show dedicadas ao gênero –, ajudou a profissionalizar o showbiz nativo e escreveu a cartilha para futuras oportunidades semelhantes.
Graças à teimosia de um publicitário com visão de show-business e à valentia – ou maluquice – de um inglês de Birmingham que aceitou assinar o primeiro contrato artístico de um festival iniciante.
Valeu, Ozzy!
E mais …
– A exibição pela Amazon Prime Video, nesta quarta-feira, do primeiro episódio da série O Senhor dos Anéis-Os Anéis do Poder deu início à esperada comparação com a igualmente nova A Casa do Dragão, enquanto é travada a batalha pelos corações e olhos dos fãs de J. R. Tolkien (autor da trilogia O Senhor dos Anéis) e de George R. R. Martin (criador dos livros que deram origem à série Game Of Thrones, da qual a nova ACDD é derivada). Para Rebecca Nicholson, do diário britânico The Guardian, OSDAOADP foi feito para “ser visto na maior tela de TV possível” e “é tão cinematográfico e grandioso que faz ACDD parecer ter sido feito às pressas no Minecraft … amadorístico”. Cora Rónai, em O Globo, ficou “um pouco desapontada” com o início de ACDD, embora vá “dar tempo ao tempo”, por acreditar que a nova série pode ainda não ser GOT, “mas tem tudo para vir a ser”. John Nugent escreveu na revista inglesa Empire que ACDD “tem muito a provar”, dada sua relação umbilical com a estimadíssima GOT, “mas faz um esforço admirável” para “fugir à sombra de seu predecessor”. Já Darren Franich, da revista americana Entertainment Weekly, considera OSDAOADP “uma espécie de catástrofe” e escreveu que a nova série “pega seis ou sete coisas que todo mundo lembra dos filmes (feitos por Peter Jackson), adiciona um tanque de água, não deixa um personagem sequer ser divertido, sugere mistérios que não são mistérios, e despacha o melhor personagem num desvio de rota sem sentido”. Enquanto John Anderson , do diário americano The Wall Street Journal, enxergou em ACDD “um sucesso, em termos dramáticos, tão cativante quanto qualquer temporada de GOT”. E você, o que tem a dizer sobre as duas novas séries?
– Mickey Dolenz, o último integrante vivo dos Monkees – a banda de pop-rock criada nos anos 1960 para estrelar uma série de TV americana que tornou-se popularíssima através de sucessos como “I’m A Believer” , “Daydream Believer” e “Last Train To Clarksville” – está processando o FBI para que a agência libere a íntegra do “dossiê secreto” que compilou sobre as atividades do grupo. Parte do documento já teria sido tornado público em 2011, ainda que erroneamente refira-se a “The Monkeys”, e a suspeita é de que a agência monitorava os integrantes do grupo – assim como fazia com muitas personalidades do mundo da música e do cinema nos Estados Unidos – em busca de manifestações contra a Guerra do Vietnã, que estava em curso. O pequeno trecho conhecido do dossiê refere-se aos músicos do grupo como “quatro rapazes que se vestem como beatniks” e cujo trabalho é direcionado, em especial, ao público adolescente. O documento destaca o ocorrido num show dos Monkees, onde “mensagens subliminares eram projetadas … (utilizando) inovações esquerdistas de natureza política”, dentre as quais vídeos contendo “mensagens anti-EUA sobre a guerra no Vietnã”. Tudo isso reflete a imensa paranóia naquela época em torno de vozes dissidentes ao governo e é absurdo, uma vez que os Monkees jamais foram conhecidos como uma banda de posições políticas. Mas se formos pensar com a cabeça do FBI, então comandado por J. Edgar Hoover, “Last Train To Clarksville” fala de um jovem que parte para a guerra na incerteza de rever seus entes queridos.
– Começou nesta quarta-feira a 79º edição do Festival de Cinema de Veneza, com a exibição de Ruído Branco, novo filme de Noah Baumbach estrelado por Adam Driver e Greta Gerwig, a primeira produção da Netflix a abrir um festival de internacional de primeira linha. O júri, presidido pela atriz americana Julianne Moore, assistirá a cerca de 80 produções até 10 de setembro e dará oito diferentes prêmios, incluindo o Leão de Ouro ao melhor filme. O diário italiano Corriere Della Sera faz uma cobertura minuciosa do festival. E a própria organização do evento transmite ao vivo as coletivas de imprensa e as chegadas dos artistas ao tapete vermelho, antes de cada exibição.
P&R – (Pergunte a José Emilio Rondeau. Ele responde!)
“Lembro de ter lido em algum lugar sobre um show privê do Prince que você viu nos anos 1990. É fato ou imaginei?” – Hilda, Cuiabá-MT
Bem lembrado!
Em 1996, Prince havia rompido com a Warner Bros – onde gravara toda sua obra até então, mas de quem passou a se considerar “escravo” – e se preparava para lançar seu primeiro álbum como “homem livre”. O álbum triplo, apropriadamente chamado Emancipation, sairia em selo próprio, NPG (sigla para New Power Generation), distribuído pela EMI.
Para badalar essa nova fase, Prince – agora se apresentando ao mundo com um novo nome, um símbolo impronunciável – montou um mega-evento em Paisley Park, seu estúdio em Mineápolis, reunindo a imprensa do mundo inteiro e diretores das representações internacionais da EMI.
Eu estava lá.
Na primeira parte do evento, o artista-previamente-conhecido-como-Prince montou uma audição do novo disco para o pessoal da EMI (dentre eles, Aloysio Reis, do Brasil, e Camilo Lara, do México – então um meninote, mais tarde a alma e o cérebro do sensacional Mexican Institute Of Sound) e, em seguida, fez num gigantesco galpão adjacente um show de QUATRO (!!!) horas espetacular, cobrindo toda sua carreira e mostrando as músicas do novo disco.
Tudo regado a água, suco e refrigerante! Nada de álcool. Nem uma gota!
O que deu a todos energia para ficar alertas e ligados até o final do show – e para voltar na manhã seguinte, quando o artista daria entrevistas de divulgação. Com um detalhe: era proibido gravar a entrevista. Tudo deveria ser anotado.
O que guardo mais é a impressão de Prince como um homem afável, de guarda baixa, e à vontade.
Não vou lembrar do conteúdo da entrevista nem do que foi feito dela (possivelmente saiu na revista Bizz, àquela altura já transmutada para Showbizz, não tenho certeza … alguém sabe?).
Mas a oportunidade de ver Prince quebrando tudo em situação tão íntima – num palco relativamente baixo, mas larguíssimo, sem cenário algum, apenas uma cortina no fundo – e especial (tinha visto o show da turnê de 1988, em Los Angeles, num ginásio, mas aquilo era outra coisa) tornou-se uma memória preciosa, única, que nunca foi apagada.
E você, tem alguma pergunta a fazer, alguma dúvida a tirar? Escreva para jer.farol@gmail.com.
PLAYLIST FAROL 2 - A seleção comentada da semana
The National colabora com Bon Iver. Indie folk + world music. Gemma Rogers combate as “piranhas digitais". Música experimental de Chicago. E a despedida de Dr. John, ao lado de Aaron Neville.
The National – “Weird Goodbyes”– Esta colaboração com Justin Vernon (mais conhecido como Bon Iver), enfeitada pelo arranjo de cordas criado por Bryce Dessner e executado pela London Contemporary Orchestra, resulta em algo que lembra o U2, safra 2014, e pode ser incluída no nono álbum do The National, que sai somente ano que vem.
Beirut – “Two Blue Eyes”– “Me apaixonei por você ou pela Califórnia?”, pergunta Zach Condon nesta canção do novo álbum da banda do Novo México, Music for Californians, onde reforça sua mistura de indie folk com world music.
Gemma Rogers – “Stop” – A londrina mira na virulência e na violência das redes sociais – habitadas por “piranhas digitais” que se alimentam de quem “desnuda a alma no nirvana do Instagram” – a partir de uma vibe ska neo-New Wave, eletronificado pelo remix do trio galês Helen Love.
Kaitlyn Aurelia Smith – “Locate” – A música da compositora e instrumentista americana não é para todos. Com voz e sintetizadores, ela cria composições caleidoscópicas que parecem colagens sonoras nascidas da junção de diferentes raciocínios musicais, acumulando repetidas guinadas inesperadas.
Making Movies – “XOPA– O quarteto é de Kansas City, mas sua música bilíngue combina elementos norte e sul-americanos, de rumba e zydeco a rock pesado.
Bitchin Bajas – "Amorpha”– Quase 10 minutos de arrojadas explorações instrumentais do trio de música experimental de Chicago, misturando psicodelismo, jazz e música eletrônica, tudo conduzido pelo batuque de um xilofone hipnotizante, numa amostra do recém-lançado álbum Bajascillator.
Three Sacred Souls – “Easier Said Than Done”– Vem de San Diego este trio, que cria uma espécie de cápsula do tempo, onde convivem sonoridades vintage de diferentes épocas, do doo-wop ao R&B e ao soul dos anos 1960.
Gross– “A Dança das Almas”– Tempo Louco, terceiro disco solo de Marcelo Gross, ex-vocalista e co-fundador do grupo gaúcho Cachorro Grande, saiu ano passado, mas agora ganha edição em vinil de 140 gramas transparente, com detalhes em preto esfumaçado, capa dupla e encarte, à venda na loja do site Stones Planet Records. A ênfase é em pop rock contemporâneo.
Abel Selaocoe – “Bach: Cello Suite Nº 3 in C Major, BWV 1009: IV. Sarabande” – De origem sul-africana, o cellista Abel usa a voz para fazer contraponto a seu instrumento e o efeito é único, por vezes agindo como percussão, outras complementando a melodia.
Dr. John – “End Of The Line” – Mac Rebennack – ou Dr. John, The Night Tripper – escolheu para integrar o que viria a ser seu álbum póstumo uma versão – gravada em dueto com o divino Aaron Neville – da música que apresentou ao mundo, em 1988, os Traveling Wilburys, supergrupo formado por George Harrison, Bob Dylan, Tom Petty, Roy Orbison e Jeff Lynne. Aqui, o que era country rock no original ganha um tratamento tipicamente Nova Orleans.