Quanto mais longo o filme, maior sua importância e seu valor?
Uma leva recente de filmes com mais de três horas de duração levanta a discussão sobre a relação entre qualidade e minutagem
O novo filme de Martin Scorsese – Killers of the Flower Moon, atração do próximo Festival de Cannes, que começa em 16 de maio – leva três horas e vinte e seis minutos para contar a história da investigação, pelo FBI, de assassinatos ocorridos numa comunidade indígena dos Estados Unidos, nos anos 1920.
Atualmente em cartaz nos Estados Unidos, o viajandão Beau Is Afraid, estrelado por Joaquin Phoenix, dura quase três horas na tela. O vertiginoso – e divisivo – Babilônia, da safra do final do ano passado, ultrapassou em nove minutos essa barreira.
Por que fazer filmes tão longos? Quando a média de um longa gira em torno da hora e meia, é preciso tanto tempo assim para um filme contar uma história? Tamanho é documento?
"Um filme longo, especialmente os que são projetos do diretor, proclama sua alta ambição”, escreve Richard Brody, em seu artigo na revista The New Yorker justamente sobre isso, "Em louvor do filme longo”. Todos os filmes citados até agora são "filmes de diretor”. E todos, cada um a seu jeito, são ambiciosos ao extremo: na forma de contar o filme, no escopo, e, claro, na minutagem.
Mas o público aceita filmes tão longos? E os cinemas – ainda convalescendo do baque sofrido com a pandemia –, como ficam, tendo reduzido o número de exibições diárias de filmes tão compridos assim, por mais badalados e procurados que sejam?
Brody pondera que filmes longos têm feito sucesso. Vide o caso recente de Avatar: O Caminho da Água, com três horas e 12 minutos de duração, que ostenta a terceira maior bilheteria de toda a história do cinema. Ou, então, pulemos mais para trás. A versão original do legendário E o Vento Levou encosta na marca das quatro horas, embora tenha sido podado (mas nem tanto assim) em reedições futuras. A Noviça Rebelde? Duas horas e cinquenta e quatro minutos.
Outros campeões de bilheteria, premiação e duração, ao longo das décadas: Ben-Hur, Lawrence da Arábia, O Poderoso Chefão II, Um Violinista no Telhado, Dança com Lobos, A Lista de Schindler, Apocalypse Now, Titanic. A lista é grande e comprova o argumento de Brody. Aliás, somente um filme ganhador do Oscar, Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, tem minutagem “normal”: enxutos noventa minutos.
Filmes ultra-longos são garantia de qualidade? Não, necessariamente. Podem prenunciar épicos – e houve uma época em que os estúdios usavam a longa duração de seus filmes “evento" como predicado, inclusive estabelecendo intervalos de alguns minutos na metade da projeção: se tanto dinheiro foi investido em um filme tão longo, deve merecer nossa atenção, não podemos deixar de vê-lo. Por outro lado, correm o risco de testar a atenção, a resistência e a paciência do público.
Um filme ser curto não o blinda de ser uma porcaria. Mas um espaço folgado de tempo largo pode ser benéfico para um diretor genial com direito ao corte final do filme, à decisão do que o público verá, depois do filme montado. Ele consegue dar ao longa sua forma definitiva, exatamente como a concebeu, com todas as nuances e toda a força pretendidas, dure o que durar.
Scorsese, por exemplo. A filmografia dele está repleta de longas longuíssimos: Cassino, Gangues de Nova York, George Harrison-Living in the Material World, O Lobo de Wall Street, O Irlandês. Nada o impediu de entregar filmes mais compactos, no decorrer de sua carreira, e não menos impactantes ou importantes. Obras-primas como Taxi Driver, ou Os Bons Companheiros, ambos de enorme sucesso. No entanto, suas produções de maior fôlego permitem que Martin trabalhe com um espaço bem maior para flexionar seus músculos artísticos em toda sua amplitude. E disso todos nós nos beneficiamos.
É importante lembrar que os tempos mudaram. E muito. De certa forma, filmes longuíssimos não deixam de ser até um pouco anacrônicos neste pós-pandemia, agora que estamos acostumados a assistir lançamentos pela TV tendo sempre direito a pausas para ir ao banheiro e à geladeira ou para checar o celular (bem mais do que devíamos).
Nossos costumes são outros e, mesmo sendo capazes de maratonar séries no conforto e na segurança do sofá da sala, a experiência de estar no escurinho do cinema, cercado de um grupo de estranhos, todos unidos pelas emoções provocadas pelo que sai da tela e das caixas de som, é bem outra e insubstituível. É coletiva. Mais imersiva. Exige mais de nós. E é aí que os filmes longos e desafiadores entram em cena. São uma viagem para dentro de nós e para bem longe – uma jornada que pode ser transcendental e transformadora.
De todo modo, como bem apontou Rebecca Rubin, da revista Variety, em sua matéria “Por que os filmes são tão longos hoje em dia?”, “fazer filmes não é uma ciência exata. Não há uma fórmula que determine quanto tempo leva-se para se contar uma história cativante ou para se determinar quando o público ficará entediado”.
Com a palavra, de novo, Brody faz o contraponto. “Nas mãos certas, um filme com mais de três horas expande os limites das possibilidades cinematográficas”.
Não é acaso, vale lembrar, que um filme com duração superior a três horas, Jeanne Dielman, 23, quai du Commerce, 1080 Bruxelles, foi selecionado pela revista Sight and Sound o melhor filme de todos os tempos em seu ranking mais recente.
As artes e o ativismo perdem Harry Belafonte. A musiquinha de um game antológico é considerada "culturalmente, historicamente importante”. A "reunião” de Crosby, Stills, Nash & Young. Ilustrações da premiada artista mineira Anna Cunha em bienal na Eslováquia. O parque de diversões com atrações criadas por Dali e Basquiat. E a cantora que topa clonar sua voz com IA. Mas por um preço.
E mais …
– “Harry Belafonte, o herói do povo”. O título da matéria póstuma publicada pelo The New York Times resume com força e concisão a importância do cantor, ator e ativista pelos direitos civis, morto esta semana, aos 96 anos. Tornado famoso inicialmente através da música, graças a sucessos como “Day O” e “Banana Boat Song” , Belafonte foi o primeiro negro a receber um prêmio Tony – dado aos artistas de teatro –, em plena segregação dos anos 1950, e um prêmio Emmy, por seu trabalho na TV. Harry quebrou barreiras e abriu clareiras também no cinema, fazendo papéis românticos ao lado de uma co-estrela branca (no filme Ilha nos Trópicos) que, ironicamente, era proibido de beijar na tela. Seu legado, porém, ganha peso maior por sua ligação a Martin Luther King Jr. , que conheceu em 1956 e a quem dedicou apoio com prestígio e recursos financeiros. Décadas mais tarde, foi Belafonte quem bolou o projeto “We Are The World”, que reuniu astros pop para levantar dinheiro para combater a fome na Etiópia. Em 1987, a UNICEF nomeou Belafonte um de seus embaixadores da boa vontade.
– O seleto grupo de músicas escolhidas pela Biblioteca do Congresso americano para entrar este ano para o prestigioso National Recording Registry – a lista de gravações sonoras consideradas "culturalmente, historicamente ou esteticamente importantes” e que "informam ou refletem a vida nos Estados Unidos” – incluiu obras como "Imagine”, de John Lennon, “Stairway to Heaven", do Led Zeppelin, “Like A Virgin”, de Madonna … e o tema do jogo eletrônico “Super Mario Bros”!?!? Sim, você leu certo, e mesmo que possa ser um triunfo do marketing para badalar ainda mais um dos maiores sucessos atuais do cinema – Super Mario Bros.-O Filme, perto de atingir 1 bilhão de dólares coletados nas bilheterias do mundo inteiro– , a inclusão do tema conhecido por milhões de crianças (e pais) expostos ao jogo desde seu lançamento, em 1986, celebra a engenhosidade e o talento do compositor japonês Koji Kondo, que conseguiu superar as limitações da tecnologia de games dos anos 1980 para criar 88 segundos de música que Andrew Schartmann, professor de teoria musical do Conservatório de Música da Nova Inglaterra, considera geniais e compara ao "nível dos Beatles, em termos de um tema musical acessível que até hoje inspira os nerds de música”.
– Pelo menos em espírito, uma “reunião” de Crosby, Stills, Nash & Young aconteceu no sábado passado, quando Neil Young e Stephen Stills subiram no palco do Greek Theatre, em Los Angeles, para tocar juntos alguns de seus sucessos individuais e clássicos do repertório de suas duas antigas bandas – incluída aqui sua primeira colaboração como parte de um grupo, o Buffalo Springfield – num show beneficente, com renda revertida para a organização Autism Speaks. Joe Walsh e Willie Nelson também participaram. A ocasião serviu, ainda, de tributo a David Crosby, falecido em janeiro passado, aos 81 anos. Graham Nash, impedido de participar por conta de um show seu no outro extremo do país, compareceu sob a forma de um vídeo pré-gravado onde chamava David de seu "melhor amigo durante 50 anos” e mostrava um clipe dos dois interpretando “Guinnevere" acompanhados de Wynton Marsalis. Um dos pontos altos do show foi uma versão de “Wooden Ships” – composição de Crosby, Stills e Paul Kantner, do Jefferson Airplane, e faixa do álbum de estreia do CSN, de 1969 – com a participação de James Raymond, filho de David, e Chris Stills, filho de Stephen.
– A artista mineira Anna Cunha ganhou o prêmio AEILIJ por suas ilustrações para o livro Os Príncipes do Destino-Os Odus de Ifá e Suas Histórias Extraordinárias, de Reginaldo Prani, a respeito de 16 príncipes africanos encarregados de preservar as tradições orais de seus povos. No ano passado, Anna recebeu outro prêmio – o Jabuti de Ilustração – por outro livro seu, Origem, sobre as memórias de uma viagem da artista à África. Agora, ela sai de novo do país, em outubro, dessa vez para mostrar seus trabalhos na Bienal de Ilustração de Bratislava, na Eslováquia, um dos mais importantes eventos da área no mundo.
– Já imaginou um parque de diversões com atrações criadas por artistas como Salvador Dali e Jean-Michel Basquiat? Pois ele existiu, chamava-se Luna Luna, ficava em Hamburgo, na Alemanha, e fechou em 1987. O Luna Luna foi uma bolação de um artista austríaco, André Heller, que imaginou um parque de diversões onde as atrações fossem também obras de arte. A partir desse conceito, Heller convocou nada menos que 33 artistas de vanguarda e, dessa forma, encomendou ao rei da arte pop Roy Lichtenstein um labirinto de vidro (cuja música ficou a cargo de Philip Glass), pediu a Dali uma instalação imersiva, deixou a roda gigante nas mãos de Basquiat – e daí por diante. O empreendimento fracassou e fechou após apenas 13 semanas de funcionamento. Mas está prestes a ser retomado – pelo próprio Heller, com a ajuda de parceiros como o rapper Drake. Só que agora reabrirá em Los Angeles.
– A indústria fonográfica e muitos artistas podem estar em pé de guerra contra o uso da Inteligência Artificial para se criar gravações onde vozes de astros são clonadas sem autorização – e sem pagamento por isso. Mas existem também aqueles que vão na contramão e abraçam o uso da controvertida ferramenta. A estrela canadense Grimes, cujo pop experimental utiliza com generosidade sons eletrônicos, anunciou que topa qualquer uso de sua voz para algum “projeto bem-sucedido” usando IA … desde que receba 50% dos royalties gerados pela canção.
PLAYLIST FAROL 34
Mais Bowie reggaeficado. João Gordo punkifica o brega. O rock dançante de Bloc Party e Dream Wife. Christine and the Queens marcial, eletrônica e solene. Abraham Alexander canta contra a injustiça, o racismo e o preconceito. Os Tincoãs com matizes gospel. A música eletrônica rica de George FitzGerald. A miscigenação cultural de Baju Bhatt & Red Sun. E o soul retrô de St. Paul & The Broken Bones.
Easy Star All-Stars – “Hang On To Yourself”– Já falamos aqui do projeto do grupo nova-iorquino Easy Star All-Stars, que regravou o primeiro álbum icônico de David Bowie, The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars, de 1972, em formato de reggae. Mas era impossível deixar de mostrar essa deliciosa versão para a oitava faixa do disco original, aqui turbinada pela participação do nova-iorquino JonnyGo Figure e do sexteto californiano Fishbone.
João Gordo – “Sandra Rosa Madalena”– E por falar em covers … aqui está uma versão punk rock paulistano do mega sucesso de 1978 que transformou Sidney Magal em ídolo nacional. É parte do novo álbum Brutal Brega, que inclui regravações de hits de ícones brega do calibre de Jane e Herondy, Reginaldo Rossi e até Menudo.
Bloc Party – “High Life”– O rock dançante dos veteranos britânicos chega a lembrar a sonoridade eighties do pós-punk nova-iorquino em seu novo single, mas se situa bem na estética londrina do século 21.
Dream Wife – “Orbit” – O trio inglês dá um gostinho de seu terceiro álbum, Social Lubrication, com uma faixa de pegada dance rock pesada, contagiante e cheia de atitude.
Christine and the Queens – “True love” – Uma amostra marcial, eletrônica e solene, numa vibe não muito distante de “Biko", de Peter Gabriel, esta colaboração com a rapper americana 070 Shake faz parte do novo álbum da cantora-compositora francesa, PARANOIA, ANGELS, TRUE LOVE, que sai em junho.
Abraham Alexander – “Déjà Vu"– O cantor e compositor texano convocou a eterna diva soul e gospel Mavis Staples para cantar contra a injustiça, o racismo e o preconceito em uma das faixas de seu álbum de estreia, SEA/SONS, inspirada num acontecimento real: a prisão, por três anos e sem julgamento prévio, de um jovem de 16 anos, morador do Bronx.
Os Tincoãs – “Oiá Pepê Oiá Bá” – O trio baiano teve carreira de muita fama nos anos 1970 com canções baseadas nas religiões afro-brasileiras, como “Deixa a gira girar”. Agora, vem à tona um álbum inédito, gravado em 1983. Produzido pelo mesmo radialista Adelson Alves com quem o grupo trabalhara em seus três discos anteriores, o novo lançamento junta um coral ao trio em canções que se aproximam do gospel americano. O primeiro single é uma louvação a Iansã.
George FitzGerald – “Mother” – O londrino George amplia a palheta de cores de sua música eletrônica com uma canção tão delicada quanto dançante, parte do EP Not As I, que sai em junho, para a qual recebe uma pequena ajuda de SYML (que trabalhou recentemente com Lana Del Rey) nos vocais.
Baju Bhatt & Red Sun– “Nataraj”– Um quê de Return to Forever, uma pitada de Weather Report e muita miscigenação musical (surge até uma guitarra à Eddie Van Halen) tornam a audição do novo álbum do violinista suíço Baju uma montanha russa estimulante e surpreendente, que trafega entre o jazz-rock e a música indiana.
St. Paul & The Broken Bones – “City Federal Building”– Vocalista deste octeto do Alabama, Paul Janeway lembra Mick Hucknall (do Simply Red), Stevie Winwood e Michael Kiwanuka na potente faixa do sexto álbum de soul retrô do grupo, Angels in Science Fiction.