Quanta gente ainda se interessa por programas de entrega de prêmios?
Edição 95 da principal festa do cinema vai aferir a saúde de shows como o Oscar num momento positivo para a indústria – e no centenário de um de seus maiores símbolos
Este fim-de-semana é dos Oscars. E quem ganhará qual prêmio é o que menos importa.
A 95ª edição do evento vai servir para avaliar, em diversos aspectos, a saúde do cinema americano num pós-pandemia onde todos têm precisado entender, digerir e assimilar as mudanças por que passou o planeta. Inclusive a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que distribui o principal prêmio da indústria mundial de filmes.
De um lado, a safra atual de indicações espelha um bom momento para o cinema feito nos Estados Unidos, em casa e no exterior. Boa parte dos títulos indicados para o prêmio de Melhor Filme teve um desempenho extraordinário nas bilheterias, o que indica que, apesar da grande força das plataformas de streaming, o público está voltando a frequentar os cinemas. Ao comporem a lista de indicações, esses filmes já servem de celebração.
A começar por Avatar: O Caminho das Águas, dirigido por James Cameron, que até agora devorou 2.27 bilhões de dólares nas bilheterias do mundo inteiro. Cifras ótimas são também as de Top Gun:Maverick , a quem Steven Spielberg creditou a “salvação" das salas de exibição de cinema – 1.50 bilhão de dólares. E mesmo sucessos em escala bem menor que esses dois arrasa-quarteirões tiveram resultados espetaculares. Elvis levou para casa 287 milhões de dólares. E Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo – o franco favorito na disputa do prêmio mais cobiçado da noite, o de Melhor Filme – tornou-se simplesmente o maior hit da história de sua produtora, a A24, grupo independente por trás de outros importantes destaques de 2023, como A Baleia – que concorre a três estatuetas, inclusive a de Melhor Ator, pela indicação de Brendan Fraser, pule de 10 no páreo – e Aftersun – cujo astro, Paul Mescal, concorre ao mesmo prêmio.
Por outro lado, a audiência da entrega dos troféus aferirá o interesse do público por programas do gênero, questão de enorme importância para a Academia – e para todos que licenciam a transmissão de suas cerimônias de premiação, como o Screen Actors Guild e a Hollywood Foreign Press Association. Quanto mais gente assiste a esses programas, mais valiosas são as cotas de patrocínio.
De acordo com a plataforma Statista, 2023 precisa ser um ano de virada para a Academia. Se em 2014 o show de entrega dos prêmios atraiu mais de 40 milhões de espectadores, no ano passado esse número caiu para pouco mais de 15 milhões. Isso depois de em 2021 os Oscars terem registrado sua pior audiência de todos os tempos, inferior a 10 milhões de espectadores, o equivalente a menos da metade do que havia tido no ano anterior.
Grandes sucessos de bilheteria chamam público para assistir à entrega dos Oscars. Mas muito dificilmente se chegará a cifras como em 1998, ano em que James Cameron se coroou Rei do Mundo pelos prêmios de Titanic, quando o Oscar conquistou sua maior audiência de todos os tempos: 55.3 milhões de espectadores. O programa precisa, e muito, demonstrar ainda conseguir atrair público e, consequentemente, anunciantes – ele costuma render, ainda, centenas de milhões de dólares pelos direitos de transmissão licenciados mundo afora – e continuar funcionando como grande alavanca de divulgação do cinema americano.
É interessante notar que tudo isso acontece no mesmo ano em que é comemorado o centenário do letreiro mais famoso do mundo, a imensa palavra HOLLYWOOD, que desde 1923 enfeita o Mount Lee, uma colina na região de Los Angeles, que virou símbolo de show-business, muito embora sua origem tenha a ver com outro tipo de atividade comercial.
Erguido ao custo de 21 mil dólares pelo empresário Harry Chandler – dono de um império jornalístico que incluía o diário The Los Angeles Times – para divulgar um empreendimento imobiliário – batizado Hollywoodland – , o letreiro tornou-se sensação logo ao ser inaugurado, próximo ao final do ano, em particular pelas luzes coordenadas que acendiam à noite, selecionando, separadamente, HOLLY, depois WOOD e, por fim, LAND, com um ponto final deixando claro que nada apareceria depois dali.
Com o passar das décadas, a palavra perdeu sua ultima sílaba – e o ponto final – e veio a simbolizar não a venda de lotes caros numa área valorizada da cidade, mas tudo ligado ao glamur do mundo do cinema.
Chegou a viver momentos de decadência, nos anos 1970, quando ficou em ruínas (um movimento liderado, acredite, se quiser, por gente como Hugh Hefner, Gene Autry, Andy Williams e Alice Cooper angariou 250 mil dólares, equivalente a quatro vezes mais, em dinheiro de hoje, para reformar o letreiro) e até virou objeto de gozações, quando engraçadinhos adulteraram o letreiro, por uma razão ou outra. Numa das mais famosas dessas travessuras, alguém trocou WOOD por WEED (erva).
Agora, aos 100 anos, as letras, medindo 13.5 m de altura, cada, receberam uma nova camada de tinta, e o Hollywood Sign, como é conhecido, ganhará um Centro de Visitas (a ser construído com doações a serem recolhidas em eventos de gala recheados de estrelas do cinema), o Egyptian Theatre, em Hollywood Boulevard, exibirá uma série de filmes onde o letreiro aparece, e uma miniatura dele viajará por Los Angeles, para ser usado como imã de turistas sequiosos por locais instagramáveis.
O que nos traz a uma ironia: o símbolo da “tela prateada” que adornava os “palácios do cinema”, e onde brilharam grandes astros e estrelas, acaba sendo usado também como fundo para selfies em celulares de meros mortais.
Deveria haver um Oscar para os cartazes dos filmes? A outra autobiografia de Rita Lee. Meio século sem Picasso. Os segredos contidos nas sequências de abertura das séries. Pintores e ilustradores combatem plágios cometidos por Inteligência Artificial.
E mais …
– Ainda em clima de Oscars: a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas deveria premiar também os melhores cartazes de filmes? A revista Fast Company fez essa pergunta e ela mesma respondeu que “sim”. "Além de servirem como ferramenta de branding e divulgação", escreveu, os cartazes “tornam-se o legado visual do filme (por bem, ou, em alguns casos, por mal)”. Por isso, a publicação montou um grupo de jurados, composto de designers e ilustradores, para avaliar 60 candidaturas. E o cartaz considerado pela banca o melhor do ano foi o trabalho psicodélico, caleidoscopial, criado por James Jean para Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo.
– Rita Lee é tamanha – e por isso lançará, em 22 de maio, dia de Santa Rita de Cássia, Outra Autobiografia. É a segunda vez que a cantora-compositora utiliza o formato, agora para falar de um período mais recente de sua vida, que inclui o diagnóstico e o tratamento de um câncer de pulmão. "O (primeiro) livro marcava, de certo modo, uma despedida da persona ritallee”, escreve a artista num trecho do novo volume. "Achei que nada mais tão digno de nota pudesse acontecer em minha vidinha besta. Mas é aquela velha história: enquanto a gente faz planos, Deus dá uma risadinha sarcástica”.
– Meio século sem Picasso. Esse é o ponto de partida da mostra aberta esta semana no Museu Nacional Picasso-Paris. Com acervo de mais de cinco mil obras e 200 mil itens do estúdio e da coleção pessoal de um dos mais influentes e importantes artistas do século XX – morto em 1973, aos 91 anos – , o museu pretende atrair o público jovem para debater questões como machismo e colonialismo. Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, a obra de Picasso poderá ser apreciada de forma imersiva na nova mostra montada no MorumbiShopping, em São Paulo. Duzentas e dezenove pinturas do mestre do cubismo, selecionadas conforme a curadoria do fotógrafo francês Albert Pléc, são projetadas em multissuperfícies, numa disposição que remonta a origamis medindo até oito metros de altura. Haverá, ainda, atividades lúdicas para crianças e adultos, que poderão, por exemplo, conhecer a técnica de light painting (pintura com luz) usada pelo artista espanhol. A exposição Imagine Picasso passou por França, Canadá, Estados Unidos e Espanha antes de chegar ao Brasil e fica na capital paulista até 9 de maio.
– Quem curte séries sabe da importância das sequências de abertura, quando aparecem títulos, créditos – e até pistas para segredos da trama que só serão revelados semanas, meses depois. A BBC debruçou sobre o assunto, estes preciosos segundos de audiovisual prenhes de "camadas ocultas, com motivos e mensagens fugazes que se revelam após várias visualizações”.
– Pintores e ilustradores estão auxiliando cientistas no desenvolvimento de ferramentas que impeçam o plágio de suas obras exibidas online – não por outros artistas, mas pelo uso de Inteligência Artificial. O projeto pioneiro está sendo desenvolvido na Universidade de Chicago. Embora admitam a impossibilidade de seu trabalho garantir proteção total, os pesquisadores explicam que esta ferramenta preenche uma função importante antes que o uso de IA seja regulamentado e ganhe legislação própria.
PLAYLIST FAROL 27
Robert Smith remixa Noel Gallagher. O Hold Steady compõe um bilhete de amor para os músicos que sonham ser astros de rock. ANOHNI lidera coletivo de drag queens, artistas variados e punks. Os Zombies ressurgem com um jeito de Steely Dan. Os Sparks derramam lágrimas sobre o café com leite. E se os Beach Boys tomassem ecstasy e gravassem um disco de rave? Rodrigo y Gabriela abrem o leque. E a despedida de Sueli Costa, Gary Rossington e David Lindley.
Noel Gallagher’s High Flying Birds – "Pretty Boy”– Rock britânico 80’s/90’s puro-sangue, resultado da remixagem que Robert Smith fez para a faixa que estará no novo álbum de Noel e sua banda, Council Skies, com lançamento programado para junho.
The Hold Steady – “Sideways Skull”– O primeiro gostinho do novo álbum do veterano sexteto do Brooklyn, The Price of Progress, comemorando duas décadas de carreira, é um barulhento e divertido bilhete de amor aos músicos que sonham um dia ser astros de rock. Mesmo que não se pareçam nem um pouco com alguém como Robert Plant …
ANOHNI– “Rapture” – Em 1992, um coletivo integrado em Nova York por ANOHNI (na época conhecido como Antony Hegarty, e de quem falamos aqui dias atrás), Johanna Constantine e Psychotic Eve formou um grupo de teatro musicado avant-garde, chamado Blacklips Performance Cult, povoado por um pot-pourri de drag queens, artistas variados e punks declarados. Agora, o trabalho dos Blacklips ganhou livro comemorativo, acompanhado de trilha-sonora.
The Zombies – “Dropped Reeling & Stupid” – Na ativa desde 1961, com diversos hiatos aqui e ali, o grupo que deu ao mundo clássicos de safras vintage do rock, como “Time of the Season” e “She's Not There” , gravou seu novo álbum, Different Games, praticamente ao vivo, todos juntos no estúdio, com uma sonoridade que por vezes lembra a do Steely Dan.
Sparks – “The Girl Is Crying In Her Latte” – A faixa-título do 26º álbum da dupla formada pelos irmãos Ron e Russell Mael equaciona lágrimas e café com leite de uma forma mais sagaz do que o clássico par de uísque e dor de cotovelo de tantas canções.
Clark – “Town Crank” – O novo álbum do projeto comandado pelo produtor britânico Chris Clark, Sus Dog, foi produzido por Thom Yorke, do Radiohead, e a proposta para essa primeira amostra era bem simples: o que aconteceria se os Beach Boys tomassem ecstasy e resolvessem fazer um disco de rave?
Rodrigo y Gabriela – “Descending to Nowhere”– A premiada dupla mexicana de violonistas abre o leque para adicionar cordas de aço eletrificadas às de nylon numa faixa para lá de grooveada e cativante, que precede o lançamento de seu novo e arrojado álbum, In Between Thoughts...A New World, que sai em abril.
Nara Leão – “Por Exemplo: Você”– A música brasileira perdeu essa semana Sueli Costa, com 79 anos, uma das principais compositoras do país, dona de um repertório imortalizado por registros feitos por artistas como Elis Regina, Simone, Fagner, Nana Caymmi, Angela Ro Ro e Maria Bethânia. Ela foi apresentada ao público brasileiro, em 1967, por meio desta gravação, feita por Nara Leão, de uma parceria com João Medeiros Filho.
Lynyrd Skynyrd – “Sweet Home Alabama” – Morreu esta semana, aos 71 anos, o guitarrista Gary Rossington, o último remanescente da formação original do Lynyrd Skynyrd – e um de seus fundadores. Gary fazia parte de um verdadeiro pelotão de guitarristas na banda, cujo som sulista tinha suas origens nos de predecessores como The Allman Brothers Band. O LS sofreu uma imensa tragédia em 1977, quando, no auge do sucesso, impulsionado por músicas como “Sweet Home Alabama” e “Free Bird", três de seus integrantes – inclusive, o co-fundador e vocalista Ronnie Van Zant – morreram num desastre de avião. Ainda assim, mesmo com várias mudanças em sua escalação, o grupo prosseguiu gravando – lançou mais de 60 álbuns – e fazendo shows – tinha uma turnê marcada para este ano, com o ZZ Top.
Jackson Browne – “Running on Empty”– David Lindley, morto no inicio do mês, aos 78 anos, deixou sua assinatura como um dos músicos mais importantes do soft rock dos anos 1970 e 1980. Multi-instrumentista, era exímio tanto no bandolim quanto na rabeca, na guitarra e no pedal steel. Ele gravou e tocou no palco com uma lista enorme de artistas que inclui de Linda Rondstadt, David Crosby e Graham Nash a Ry Cooder, Warren Zevon e James Taylor. Sua colaboração de maior duração e notabilidade, no entanto, foi com Jackson Browne, uma parceria que durou grande parte de sua carreira e resultou em participações clássicas, que definiam as canções, como seu trabalho de pedal steel na faixa-título do meta-álbum de Browne, de 1977 – um disco ao vivo, todo de músicas inéditas, todas sobre a vida na estrada.
Bora perguntar?
Sabe aquela pergunta candente que você sempre quis fazer a José Emilio Rondeau sobre uma entrevista que ele tenha realizado com um de seus artistas favoritos, sobre um textão marcante que ele assinou, ou mesmo a respeito de uma resenha – de disco, de filme, de série – com a qual você discordou, de cabo a rabo?
Ou quer saber algum pormenor das gravações dos discos de Legião Urbana, Camisa de Vênus e Picassos Falsos que ele produziu? Ou sobre os bastidores dos videoclipes que ele dirigiu para Kid Abelha, Lobão e Paralamas do Sucesso? Ou algo a respeito das filmagens do longa ‘1972'?
Pois chegou sua chance.
O FAROL terá uma nova seção, chamada precisamente “Pergunte ao JER”.
Mande seu email para jer.farol@gmail.com.
E, uma vez selecionada sua pergunta, a resposta será publicada numa edição futura do FAROL.
Bora perguntar?