Profissionais humanos se rebelam contra audiolivros lidos por Inteligência Artificial
Depois que a Apple usou seu próprio trabalho para treinar e moldar narradores digitais, narradores de carne e osso acionaram o sindicato para se proteger. A Inteligência Artificial concorda com eles!
A Inteligência Artificial tem estado na berlinda pela forma como seu uso vem penetrando de maneira rápida – e, aparentemente, inexorável – na produção de conteúdo. Com IA, hoje, se produz música, textos, imagens paradas e em movimento. E, agora, audiolivros.
A Apple lançou em janeiro uma série de audiolivros toda composta por títulos narrados por vozes digitais, criadas através do uso de IA. São vozes identificadas, por exemplo, como Madison (uma soprano usada para romances) e Mitchell (um barítono "especializado” em livros de auto-ajuda), que ajudam o gigante de tech a disputar uma fatia do atraente mercado mundial de audiolivros, que até 2030, estima-se, deve valer 35 bilhões de dólares.
Basta pesquisar no aplicativo Livros dos dispositivos Apple por “narração em IA” que logo aparece uma lista de títulos “narrados por uma voz digital baseada em um narrador humano”.
Essa última frase resume a batalha legal travada por narradores de carne e osso contra sua obsolescência, diante das ascensão das vozes geradas por algoritmos. Sem eles, os narradores, essas entidades digitais jamais existiriam. Suas vozes estão sendo usadas para treinar a Inteligência Artificial a criar narrações sintéticas. Mas a proliferação do uso e a sofisticação das vozes digitais podem tirar o sustento desses mesmos profissionais.
Narradores representados nos Estados Unidos pelo sindicato SAG-Aftra acionaram a Apple depois de saberem que suas vozes e seu trabalho vinham sendo utilizados para treinar ferramentas de IA para a geração das vozes digitais que iriam dar origem aos audiolivros comercializados pela empresa californiana. Isso porque a Apple havia obtido da Findaway Voices – uma das principais distribuidoras americanas de audiolivros, adquirida, em junho passado, pelo Spotify – permissão para utilizar seus lançamentos para treinar e modelar vozes sintéticas.
A Apple, a Findaway e o sindicato entraram em acordo, na semana passada, e daqui por diante as duas companhias se comprometem a não usar seus arquivos para "o aprendizado de máquinas”. Além disso, o SAG-Aftra disse estar trabalhando junto com a Findaway para encontrar soluções para uma série de preocupações do sindicato, quanto ao armazenamento seguro desses arquivos e as limitações de seu uso, bem como o pagamento dos narradores humanos por este uso.
O uso de vozes digitais não é novidade. Elas já fazem parte do nosso dia-a-dia há tempos. Os assistentes virtuais de aplicativos como Siri e Waze são alguns exemplos óbvios e corriqueiros. Mas a utilização de vozes humanas para criar similares digitais abre uma outra discussão: a Findaway e a Apple tinham o direito contratual de utilizar as vozes de seus contratados para treinar uma IA?
Na verdade, até mesmo sem saber, vários dos narradores contratados “concordaram" em ceder suas vozes para esse propósito, na hora em que, sem dar muita atenção, aprovaram mudanças nos termos de seu contrato com a Findaway, apresentadas sem aviso prévio na hora em que fizeram login para entrar em suas contas particulares, cadastradas com o fornecedor. Bastou um clique rápido, quase automático, e fim de história.
A Apple argumenta que sua proposta de lançar audiolivros narrados por vozes sintéticas beneficia autores iniciantes ou independentes, que não conseguiriam contratar um narrador humano para disponibilizar sua obra neste formato.
Por outro lado, há narradores profissionais – ou melhor, voice actors, pois podem ter uma carreira que combina dublagem, locução e narração de audiolivros – que, ao descobrirem o ocorrido, preferem simplesmente se desligar da Findaway e trabalhar somente para outros fornecedores.
Como Lillian Rachel. Entrevistada pela revista Wired, a veterana Rachel – cujo currículo inclui narrações com sotaques diversos, das variações do inglês britânico ao inglês falado por russos, franceses e americanos – afirma ter fé nos benefícios e na necessidade da conexão entre humanos por meio dos livros narrados.
"Um bom voice actor faz mais do que apenas ler a história”, disse Lillian à revista. "Eles a imbuem de emoções profundas e trazem à tona o subtexto, elevando as palavras escritas com empatia e nuances. Trazemos a experiência humana vivida para cada história de uma forma que não pode ser replicada”.
Acredite se quiser, a Inteligência Artificial concorda, de certa forma, com Lillian. Ativamos aqui o ChatGPT para ver o que diria sobre o assunto e a resposta foi pronta – e surpreendente.
“Vale notar que, embora a IA possa ser usada para gerar audiolivros”, respondeu, em menos de três segundos, "o resultado pode variar bastante, conforme a tecnologia específica usada e a qualidade do texto de origem”.
Além disso, concluiu, “existem questões éticas sobre o uso de IA para substituir narradores humanos e voice actors na criação de audiolivros”.
Projeto desencava 50 músicas inéditas de Pixinguinha. Aulas de ioga em meio a obras de Miró? O resgate da obra de Adalgisa Nery. A mais longa e informativa entrevista feita com Clarice Lispector. E Warren Beatty não abre mão de Dick Tracy.
E mais …
– O cinquentenário da morte de Pixinguinha está sendo marcado com o lançamento, pela gravadora Deck, do projeto Pixinguinha como Nunca: 50 músicas inéditas do genial músico carioca – compositor, arranjador, flautista, saxofonista e um ícone do choro –, distribuídas em quatro álbuns digitais – Pixinguinha virtuose, Pixinguinha na roda, Pixinguinha canção e Pixinguinha internacional – gravados pelo Sexteto do Nunca, conforme a curadoria de Marcelo Viana, pesquisador e neto do artista, e direção musical do cavaquinista e também pesquisador Henrique Cazes.
– Que tal praticar ioga cercado por obras de Miró? Se você estiver em Barcelona, é só passar na Fundación Joan Miró e participar de uma das aulas organizadas por Laura Rodríguez. A ideia é proporcionar uma experiência diferente de museu, permitindo ao público apreciar os quadros do pintor durante exercícios. É uma proposta atraente, mas não chega a ser uma novidade mundial. Instituições como o Museum of Modern Art (MoMA) e o Metropolitan Museum of Art (MET), ambos em Nova York, também oferecem algo parecido.
– Os sete livros de poesia de Adalgisa Nery – modernista de imensa popularidade dentre seus pares e no mundo das letras, "o acontecimento poético mais notável”, segundo Manuel Bandeira, mas entregue ao esquecimento desde sua morte, em 1980 –, todos fora de catálogo há meio século, são reunidos na nova antologia Do Fim ao Princípio-Poesia Completa, livro de 560 páginas organizado por Ramon Nunes Mello para a editora José Olímpio.
– Outro grande nome das letras brasileiras, a escritora Clarice Lispector, autora de livros como A Hora da Estrela e O Lustre, ganhou matéria de destaque na revista The New Yorker, com a publicação da íntegra do áudio restaurado de um depoimento dado por ela ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 1976, quando foi entrevistada por Affonso Romano de Sant'Anna, Marina Colasanti e o o diretor do MIS, João Salgueiro. É uma conversa entre amigos e, portanto, de guarda baixa e pródiga em informação, configurando a mais longa e informativa entrevista com Clarice de que se tem notícia.
– Warren Beatty não quer perder os direitos sobre Dick Tracy, personagem que viveu no cinema em 1990, num filme pitoresco e altamente estilizado sobre um detetive de histórias em quadrinhos criado em 1931. Por isso, de tempos em tempos precisa criar algo em torno do personagem e tornar aquilo público, nem que seja uma conversa por Zoom, envolvendo o apresentador Ben Mankiewicz, da emissora Turner Classic Movies, e o crítico veterano Leonard Maltin. Beatty comparece como “pessoa física” e também encarnando Tracy , aproveita para fazer a crítica das melhores representações que teve no cinema (Warren não é seu favorito) e apela para que um novo filme seu seja mais realista. Agora, quando sairá um novo filme com o personagem? Ninguém sabe. Mas Beatty não larga o osso.
PLAYLIST FAROL 24
O pop punk do Paramore. Os veteranos do Long Ryders com sangue nos olhos. O quinteto britânico de art-rock queridinho da crítica. Dream pop + grunge rock de raízes indígenas. Jazz-rock, música eletrônica e psicodelismo, juntos e misturados, vindo da Austrália. O pop britânico elegante e bombástico do escocês Hamish Hawk. O liquidificador rock dos Dangereens. E a despedida de um pioneiro do hip hop.
Paramore – “You First”– O trio americano de pop punk liderado pela vocalista Hayley Williams comemora duas décadas de carreira lançando um sexto álbum enxuto que não deixa de dar uma barretada à new wave de precursores como o Motels.
The Long Ryders – “Elmer Gantry Is Alive and Well”– Nascido em meio a uma ressurgência de country-rock na virada dos anos 1970 para 1980, o (hoje) trio veterano só agora chega a seu quinto álbum, produzido pelo mesmo Ed Stasium que trabalhou com Talking Heads e Ramones. E vem com sangue nos olhos, baixando o sarrafo na sombria era Trump, que culminou com a invasão do Capitólio.
Squid – “Swing (In A Dream)” – Queridinho da crítica e das rádios do Reino Unido, o quinteto britânico de art-rock lança em junho seu segundo álbum, O Monolith.
Black Belt Eagle Scout – “My Blood Runs Through This Land” – Dream-pop com doses generosas de grunge rock, servido pelo projeto da americana Katherine Paul, de origem indígena, resultante de uma volta a suas origens, junto à comunidade Swinomish, no estado de Washington.
MF Tomlison – “We Are Still Wild Horses Part III ” – O segundo álbum deste australiano baseado em Londres é de textura e sonoridade ricas, combinando elementos de jazz-rock, música eletrônica e psicodelismo numa faixa-título em três pedaços, onde, a maior parte do tempo, Tomlison fica de boca fechada.
Hamish Hawk – “Think of Us Kissing” – Com uma potente e bem treinada voz de crooner, o escocês Hawk navega por águas de pop britânico elegante e bombástico em seu segundo álbum, Angel Numbers.
Andy Shauf – “Norm”– Canadense, Andy negocia os meandros do amor em seu agridoce e cintilante segundo álbum, já a partir da faixa-título.
Siv Jakobsen – “Sun, Moon, Stars” – A norueguesa Siv convocou a conterrânea Ane Brun para auxiliá-la nas harmonias desta faixa meditativa e viçosa de seu terceiro álbum, Gardening.
Dangereens – “Thieves”– O quinteto canadense, de Montreal, mistura no liquidificador rock de seu álbum de estreia – Tough Luck – pitadas de Stones, Chuck Berry, The Clash e glam.
De La Soul – “The Magic Number”– A música perdeu na semana passada David Jude Jolicoeur – ou Trugoy The Dove – um dos fundadores do trio De La Soul, cujo uso inventivo de samples – como aqui, da bateria de John Bonham tocando "The Crunge” – e músicas divertidas tornaram-se marca influente do hip hop dos anos 1980 e 1990.