Peter Wolf conheceu um montão de gente (Dylan, Marilyn, Muddy, Nicholson, Van, Lynch, Jagger). Agora, conta como foi
Ex-vocalista da J. Geils Band, o veterano artista lança um livro de memórias onde também cede a voz a “artistas, poetas, vagabundos, vigaristas e deusas”, nomes legendários que cruzaram seu caminho
DJ de rádio em Boston durante a juventude, vocalista de uma das forças-motrizes do blues-rock americano mesclado com rhythm and blues, quando esteve à frente da ferocíssima J. Geils Band – que nos anos 1970 e 1980 eletrizou multidões e compartilhou palcos em turnês com gigantes como os Rolling Stones –, casado, ainda que por pouco tempo, com uma lenda do cinema – a mercurial Faye Dunaway – , e, sobretudo, fã incondicional de música, Peter Wolf conviveu com um sem-número de personagens legendários.
Agora, em seu recém-lançado livro de memórias, Waiting on the Moon, o quase oitentão prefere ser econômico quanto a suas experiências pessoais para ceder a voz a “artistas, poetas, vagabundos, vigaristas e deusas” que cruzaram seu caminho.
Lá estão acontecimentos de todas as épocas de sua vida, envolvendo um rol de figuras notáveis que inclui de Aretha Franklin (que só falava com ele usando um sotaque inglês, para imitar a atriz britânica Joan Collins, naquele tempo em cartaz na TV em Dinastia) e Howlin’ Wolf a Fred Astaire (que declarou-se fã dos dançarinos de outro programa de TV, o musical Soul Train), Tennessee Williams, Alfred Hitchcock, Charlie Watts (de quem levou um soco em meio a uma discussão sobre quem era o melhor baterista do jazz) e Bob Dylan. Tudo escrito com uma acuidade e uma verve de contador de “causos” que a Roling Stone descreveu como “olhar de pintor, sagacidade de poeta e coração rock ’n' roll”.
“Não queria escrever um livro sobre mim mesmo", explicou ele à revista. Na verdade, era a última coisa que pretendia fazer, depois de ter passado boa parte da pandemia lendo autobiografias de outros músicos, todas sem detalhes exatamente interessantes ou notáveis. “Queria que fosse um livro sobre essas pessoas que eu tive o enorme privilégio de conhecer”. Pois, vamos a elas.
Quando apresentava um programa na WBCN, por exemplo, Peter recebia bilhetinhos pedindo que tocasse mais as músicas do irlandês Van Morrison, à época cultivando sua carreira solo após ter saído do grupo Them. Todos os bilhetes eram assinados por um tal Mongo Bongo. Não demorou muito até o DJ desmascarar o ouvinte: era a namorada de Van, e, algumas vezes, o próprio Morrison divulgando seu trabalho. E Van teria seu momento de revelação, também, ao conhecer Wolf e descobrir que ele era branco e não negro, como sua voz radiofônica dava a entender. Os dois viriam a se tornar amigos de vida inteira, com Morrison, inclusive, usando o telefone de Peter para fazer ligações com as quais não conseguia arcar. E foi Wolf quem apresentou Van a John Lee Hooker, monstro do blues – a quem credita uma imitação perfeita do artista irlandês.
Ainda no mundo blues, Peter ouviu de outro gigante do gênero, Muddy Waters, que quando era rapazinho costumava cantar as músicas de Gene Autry, conhecido como o Caubói Cantor e ícone da música country americana. Wolf estava ao lado de Muddy no dia em que a festa de aniversário do mestre Waters coincidiu com o do assassinato de Martin Luther King Jr.
Estudante no Museu de Belas Artes de Boston, Peter repartiu um apartamento com outro aluno, o recém-falecido diretor de cinema David Lynch, quando este só se interessava por pintura. No livro, ele lembra de David escovar os dentes sem se dar conta de que tinha levado à boca mais que a escova e a pasta. Antes de perceber o que estava fazendo, Lynch acabou esmigalhando nos dentes uma barata.
De Bob Dylan, Peter recebeu uma lição. Wolf já conhecia o ex-Sr. Zimmerman desde que o cantor-compositor começara a se apresentar no Greenwich Village, em Nova York, no início dos anos 1960. Os dois se encontraram pela primeira vez no café Kettle of Fish, quando discutiram pintura, já que ambos eram bons daquilo. Convencido de que estava diante de um sábio, Wolf perguntou a Bob, certo dia: “o que é a verdade?”. A resposta – uma “arenga inflamada”– ocupa duas páginas do livro, descrito por Dylan como “a grande pintura de Pete” no carinhoso texto de capa que Bob assina. "Você lê como se estivesse vendo um trem passar rápido, tendo um vislumbre de cada pessoa que vê nas janelas", define o ganhador do Nobel de Literatura.
Por pouco Faye Dunaway – com quem Peter foi casado de 1974 a 1979 – não entrou no livro. Porque Wolf não queria expor sua vida pessoal. Mas os editores da Little, Brown and Company o convenceram a mudar de posição, sob o argumento de que se deixasse aquele período de fora chamaria ainda mais atenção para ele. E está tudo lá: o encontro dos dois, num show da J. Geils Band em 1972, quando ela já era uma super estrela do cinema, apresentados por um amigo em comum (“uma época em que os astros de rock queriam ser roqueiros e os roqueiros queriam ser astros de rock”); a maneira como ela era capaz de beber mais do que qualquer colega de banda de Peter; e suas mudanças bruscas de humor (num documentário recente, Faye se declararia bipolar, uma característica praticamente desconhecida naquela época).
Peter também lembra de uma reunião de Faye com Jack Nicholson durante as filmagens de Chinatown, na presença de Wolf. Vai das tantas, Jack e Faye pediram licença para conversarem a sós num quarto. Ele logo percebeu que o teor da “reunião a sós” era bem distante dos problemas de um set de cinema. E rompeu com Dunaway, ainda que temporariamente.
Outro assunto que quase ficou de fora: a saída de Peter da banda que o tornou famoso. Após quase 18 anos de serviços prestados como seu frontman , Peter foi defenestrado da J. Geils Band.
Durante muito tempo o grupo vinha ralando duro por um sucesso – e só obteve um quando abraçou uma identidade mais pop/ New Wave, em 1981. Seus hits “Freeze Frame” e “Centerfold” escancararam as portas para as rádios e para a MTV. E Peter encontrou ali uma oportunidade para expor o público maior recém-conquistado às verdadeiras raízes do grupo – que discordou da ideia e o demitiu sem cerimônia.
“Muita gente pensa que saí da banda para construir uma carreira solo, mas não foi esse o caso, de forma alguma”, Peter explica. “Preferi esclarecer a questão, da forma mais digna possível”.
Mick Jagger era um desses que imaginavam haver razões secretas para o desligamento de Peter. "Qual namorada de um de seus colegas de banda você pegou?", quis saber o stone. A resposta: “Isso pode ter sido seu problema, mas não aconteceu comigo".
Vale lembrar, ainda, que essa é a mesma banda que não muito depois daria cartão vermelho ao guitarrista com cujo nome fora batizada – por uma briga na justiça pelo direito do uso da marca “J. Geils”.
O capítulo dedicado à J. Geils Band tem um título mais que apropriado: “Fratricídio”.
Esses relatos no livro são reflexos do “trabalho de toda essa gente que admirei tanto e que definiu muito da minha vida”, disse Peter ao diário britânico The Guardian. “E porque tive a sorte de passar tantos momentos íntimos com eles, minha missão era a de um observador, para depois compartilhar tudo que estava vendo”.
E ao se sentar para escrevê-lo, ia descobrindo que seus personagens, velhos conhecidos com quem se reencontrava depois de anos, décadas, vidas inteiras, “se revelavam através de pequenos detalhes. É ali que você descobre quem eles realmente são”.
Gil dá partida em sua última grande turnê. Rede de hotéis fatura alto como cenário de série de TV. Paul Gauguin, o homem, reavaliado. Documentário celebra os 130 anos do cinema. E o Metallica como você nunca viu (ou ouviu) antes.
– Com um show em Salvador para mais de 40 mil pessoas na semana passada Gilberto Gil deu a partida naquela que é sua última turnê em grande escala. Serão apresentações da excursão Tempo Rei no decorrer de um ano que incluem paradas em 10 cidades brasileiras – também estão na agenda Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre, Belém, Fortaleza e Recife – e em capitais ao redor do mundo (a serem anunciadas) para culminar com um show de duas horas e 30 músicas mais de quatro décadas de estrada em 83 anos de vida. Antes de pisar no palco da Arena Fonte Nova, Gil bateu um longo papo com Maria Fortuna para o Globo. Ele passou em revista assuntos como idade, religiosidade, diferentes linguagens artísticas (ele está preparando sua segunda ópera), novas composições, vida longa e morte.
– A terceira temporada de The White Lotus está chegando perto do fim, mas o relacionamento da série com a rede de hotéis Four Seasons, onde são filmados os episódios, está apenas começando a ficar verdadeiramente sério. Faz sentido. As visitas aos sites dos hotéis onde foram rodadas as duas primeiras temporadas – no Havaí e na Sicília – aumentaram quase 200%. E a ocupação dos quartos mais caros cresceu 7%. Agora, a rede Four Seasons é parceira oficial da série, oferece sessões dos episódios em seus hotéis e criou até bares temáticos. Para os de bolsos mais fundos há, ainda, excursões de 20 dias, a bordo de um jatinho particular, para se conhecer cada um dos hotéis mostrados na série.
– Demonizado como um colonialista devasso que espalhava sífilis ao se relacionar com meninas menores de idade, o pintor francês Paul Gauguin é reavaliado – e reabilitado – no recém-lançado novo livro de Sue Prideaux, Wild Thing. De origem norueguesa, a autora afirma que, ao longo de sua pesquisa, concluiu que o relacionamento do artista com a comunidade polinésia onde viveu durante seus últimos anos era bem diferente do que se imaginava. Ele teria lutado para que os costumes locais fossem respeitados pela França, inclusive encontrando uma lei que possibilitava às crianças evitar o ensino religioso imposto pelo colonizador, e seu relacionamento com meninas adolescentes, embora hoje cause repugnância, não fugia do que acontecia na época. A idade de consentimento na França e em suas colônias, naquele tempo, era 13 anos. Nos Estados Unidos, variava entre 10 e 12. Além disso, Gauguin não teria sofrido de sífilis, mas, sim, de eczema e erisipela.
– Thierry Frémaux, diretor do Festival de Cinema de Cannes, acaba de lançar um documentário celebrando os 130 anos de invenção do cinema, a partir do trabalho dos irmãos franceses Louis e Auguste Lumière. O longa Lumière! A aventura continua! cumpre "um dever de restituição" ao reunir pequenas joias filmadas em Lyon, Argel, Lisboa e Nova York ao longo das décadas, agora em versões cuidadosamente restauradas. "O cinema protegeu nossa história, nosso passado”, disse o realizador à agência AFP. “Somos a geração, a civilização, o século XX, que foi ao cinema, e essa experiência nos mostrou o mundo de uma maneira diferente. Temos que preservar isso. O cinema limpa nossos olhos, que estão contaminados pela manipulação de imagens”. Este é o segundo documentário de Thierry dedicado ao tema e aos personagens. O primeiro, Lumière! A aventura começa, saiu em 2016.
– O Metallica protagoniza o novo filme feito exclusivamente para a plataforma Apple Vision Pro – aqueles óculos de realidade mista lançados dois anos atrás. São 25 minutos de show e bastidores registrados por 14 câmeras na Cidade do México, diante de 65 mil fãs. O resultado é uma experiência verdadeiramente imersiva, onde a pessoa de óculos se vê cercada de banda e público, enquanto o Metallica toca três músicas: “Whiplash”, “One” e “Enter Sandman”. Tudo com qualidade de som equivalente ao Spatial Audio oferecido pelos fones de ouvido Air Pods mais modernos do fabricante. Outros filmes disponibilizados aos usuários dos óculos da Apple incluem The Weeknd: Open Hearts e Submerged, um curta de ação passado num submarino, durante a Segunda Guerra Mundial.
PLAYLIST FAROL 113
Tagua Tagua + White Denim. Justin Vernon + Danielle Haim. Willie Nelson + Rodney Crowell. O tic-tac dolente de Joy Oladokun. O pop experimental de Thanya Iyer. Matt Berninger solo. The Doobie Brothers + Mavis Staples. Anoushka Shankar fecha sua trilogia. O flamenco revolucionário de Camarón De La Isla. E o Genesis de volta a Nova York.
Tagua Tagua / White Denim – “Lado a Lado”– Parceria contagiante entre o projeto do produtor e compositor gaúcho Felipe Puperi e o grupo texano, o single é parte do terceiro álbum do brasileiro, Raio, que sai em maio.
Bon Iver – “If Only I Could Wait”– Outra colaboração, desta vez entre o projeto de Justin Vernon mais Danielle Haim, voz e guitarra do trio californiano que leva seu nome de família. É uma amostra de sABLE, fABLE, álbum do Bon Iver com lançamento marcado para o mês que vem.
Willie Nelson – “Oh, What a Beautiful World”– O velho homem do country celebra 92 anos bem curtidos dando de presente ao mundo um disco todo centrado nas composições e nas co-autorias de outro veterano do gênero, Rodney Crowell, como a que integra o primeiro single, parceria com Nelson na qual o homenageado dueta com Willie.
Joy Oladokun – “All My Time”– O tic-tac do relógio é algoz e metrônomo na nova faixa da cantora/compositora americana, filha de imigrantes nigerianos, uma canção dolente e cativante sobre a força do amor, mesmo quando confrontado com a distância.
Thanya Iyer – “I am here now” – O terceiro álbum da cantora/compositora/violonista canadense, TIDE/TIED, é um espaço irresistível de pop experimental que nos carrega para uma viagem por imagens sonoras cativantes.
Matt Berninger –“Bonnet of Pins”– Frontman do The National, quinteto americano de indie rock, Matt apresenta um pouco de seu segundo álbum solo, Get Sun, investindo no sarcasmo e no senso de humor afinado.
The Doobie Brothers – “Walk This Road”– O veterano grupo californiano escalou a grande dama do soul e do gospel, Mavis Staples, para compartilhar a faixa-título de seu primeiro álbum desde 1980 a contar com a voz inconfundível e os teclados de Michael McDonald.
Anoushka Shankar – “Hiraeth”– A citarista de profundo pedigree – filha de Ravi e indicada mais de uma dezena de vezes ao prêmio Grammy – encerra uma trilogia de três álbuns experimentais, cada um gravado com colaboradores diferentes. Aqui, ela toca junto com o multi-instrumentista Sarathy Korwar e Alam Khan, encarregado do sarod – como a cítara, também um instrumento de cordas – , e filho de Ali Akbar Khan – que tocava com seu pai.
Camarón De La Isla – “La Leyenda Del Tiempo”– O diário El País compilou a lista dos 50 melhores discos espanhóis do último meio século. A baliza temporal faz a lista começar em 1975, ano em que morreu o ditador Francisco Franco, e o corpo de 41 jurados – composto de críticos e jornalistas – foi em busca de obras musicais que representassem um país rumo à plena liberdade de expressão artística, inclusive para saber se a partida do generalísimo teve alguma influência sobre esse novo período de criação musical. Lidera o ranking o décimo disco de um artista cigano – um dos grupos perseguidos pela ditadura – que, pela primeira vez, abria mão do violão de Paco de Lucia, como único acompanhamento, e da produção do pai do músico, após nove álbuns feitos com eles. Aqui, Camarón se cerca de uma banda porreta (tem até sintetizador!) para dar uma guinada no gênero flamenco que, na época do lançamento do disco, foi ignorada ou criticada, mas que, com os anos, provou-se um marco histórico, revolucionário, na música do país.
Genesis – “Back in N.Y.C.”– Começam a surgir as faixas remasterizadas da edição ampliada de The Lamb Lies Down On Broadway, o último álbum do Genesis antes da saída do vocalista original, Peter Gabriel, e um dos marcos do rock progressivo da década de 1970.
Mais uma newsletter deliciosa de ler e ouvir! Obrigada, JER :)