Os três filmes que você verá neste fim de ano
O inicio do verão – e das férias – coincide com a chegada dos lançamentos mais esperados (e mais badalados), a tempo de encantar os que decidirão a temporada de premiações
É hora de se alternar entre o ar livre e o escurinho de salas com ar condicionado, saco de pipocas e bebida gelada na mão – os olhos fixos na telona e o coração na boca. Chegou a temporada das principais atrações do ano cinematográfico.
Os grandes competidores pelos principais prêmios do cinema saem nessa época por um bom motivo: é um espaço de tempo nobre, onde os lançamentos da temporada já vem carimbados como “filmes para o Oscar”, mesmo porque a memória dos votantes tende a ser curta.
Nenhum dos lançamentos de fim de ano chega com expectativa maior que a de Avatar:O Caminho da Água.
Demorou 13 anos para chegar ao público a continuação do filme pioneiro e revolucionário que James Cameron apresentou em 2009, utilizando tecnologia inédita para criar um mundo digital imersivo e crível naquele que tornou-se a maior bilheteria da história do cinema – quase 3 bilhões de dólares coletados mundo afora.
Na continuação, voltaremos ao universo de Jake Sully (Sam Worthington) e Neytiri (Zoe Saldaña), hoje formando uma família com cinco filhos (uma das crianças é vivida por Sigourney Weaver), mas logo seremos inundados por "uma avalanche de coisas novas”, segundo Cameron. Em especial, um ambiente aquático e submarino que abre espaços para visuais novos e deslumbrantes (obtidos através de 3.350 tomadas de efeitos especiais), enquanto os habitantes de Pandora enfrentam um velho inimigo: exploradores dispostos a rapinar os recursos do país. Dessa vez, de seus oceanos.
E Cameron não pretende parar por aqui. O terceiro filme da série – que sai em 2024 – já foi rodado simultaneamente ao segundo, o primeiro ato do quarto – com lançamento previsto para 2026 – está em andamento e o roteiro do quinto ficou pronto – para chegar aos cinemas em 2028. Orçamento para tudo isso existe: já estão carimbados 1 bilhão de dólares para os quatro filmes, segundo a revista inglesa Total Film.
Tudo dependerá, no entanto, do desempenho de Avatar:O Caminho da Água, que consumiu sozinho um orçamento superior a 350 milhões de dólares. Há gente bastante ainda interessada por Pandora, seus habitantes e seus conflitos, a ponto de justificar essa continuação tão cara? Mesmo assim, é enorme a expectativa em relação ao poder de fogo do novo filme nas bilheterias. Ele chega às telas com a responsabilidade adicional de ser visto como um potencial salvador do mercado de cinemas, profundamente atingido pela pandemia e pela popularidade das plataformas de streaming.
Grande expectativa também precede Babylon, o novo longa de Damien Chazelle, premiado com o Oscar de Melhor Direção por La La Land-Cantando Estações, de 2017. Mas por motivos bem diversos dos que cercam o filme de James Cameron.
Damien é conhecido por criar verdadeiros tours-de-force cinematográficos, filmes que tiram o fôlego pelo arrojo nas tomadas, na edição e nas escolhas artísticas que faz – vide o ritmo vertiginoso de Whiplash-Em Busca da Perfeição e a opção por ressuscitar o cinema musical em seu filme mais premiado. Agora, ele dirige o foco à própria Hollywood da década de 1920, quando o cinema mudo cedia espaço para o cinema falado.
Com pouco mais de três horas de duração (uma redução considerável do corte original, de quatro horas) e estrelado por Margot Robbie, Brad Pitt, Diego Calva e Tobey Maguire, Babylon dá um visual espetacular a cenas bombásticas de ação e drama transbordando sexo e drogas.
A crítica americana já viu o filme e o acertado é que as resenhas só serão publicadas quando o filme for lançado, em meados de dezembro. O que não impediu que alguns comentários alcançassem as redes sociais. E as opiniões são conflitantes.
Houve quem enxergasse em Babylon "uma celebração sensacional do cinema como arte … com cinematografia, guarda-roupa e design lindíssimos e cheio de interpretações matadoras” e apontasse a presença inconfundível “da musicalidade e da movimentação (de câmera)" do diretor. Por outro lado, surgiram reações bem negativas, também. "Uma carta de amor ao cinema … que me fez odiar o cinema”, comentou um crítico. “Verdadeiramente monstruoso”, decretou outro.
E a trinca de filmes oscarizáveis deste final de ano não poderia deixar de fora The Whale, o novo longa de Darren Aronofsky, diretor celebrado desde Pi, de 1998, e o brilhante Requiem, de 2000. Aplaudido de pé durante seis minutos após sua estreia em Veneza, um dos festivais onde deixou um rastilho de elogios e prêmios, o filme é centrado em Charlie (Brendan Fraser), professor de inglês que leva uma vida de reclusão até que tenta reatar com a filha adolescente, Ellie (Sadie Sink, a Maxine de Stranger Things). E desde a projeção naquele festival europeu é tida como certa pelo menos a indicação de seu astro principal para os prêmios de Melhor Ator de 2022.
Adaptada de uma peça de teatro por seu próprio dramaturgo, Samuel D. Hunter, a versão para o cinema ganhou imensa visibilidade em boa parte por marcar a volta de Brendan Fraser ao posto de estrela máxima de um filme. Ator versátil que estrelou uma enormidade de filmes românticos, de ação e comédias, Brendan fez uma pausa para se dedicar à família e da própria saúde, após ter sofrido lesões durante filmagens que necessitaram cirurgia – e depois de um jornalista da Hollywood Foreign Press Association tê-lo assediado sexualmente, uma experiência humilhante e traumatizante.
Também chamou a atenção do público, da imprensa e da indústria cinematográfica ver Brandon, um ex-galã, caracterizado para viver um personagem com obesidade mórbida, pesando 300 quilos.
A resenha de Owen Gleiberman publicada pela revista Variety depois da exibição do filme em Veneza chamou de “astuto, sutil e comovente” o trabalho de Fraser no longa, ainda que os artifícios utilizados por Aranofsky “prejudiquem” The Whale. "A maior parte do filme simplesmente não é tão boa quanto a interpretação de Brendan”, Owen conclui, "mas pelo que ele traz a (The Whale) merece ser visto”.
E mais …
A cantora que criou um 'deepfake’ de sua própria voz. São Paulo é tomada pelo CCXP 22. Cinemateca do MAM recebe Festival de Fotografia Analógica. Como a música provoca a emoção? Inhotim exibe o trabalho de artistas negros contemporâneos. E Hollywood ganha uma história oral de peso.
– O mundo está cheio de deepfakes, vídeos onde pessoas (geralmente, personalidades famosas) aparecem dizendo ou fazendo coisas que nunca disseram ou nunca fizeram, graças às atuais tecnologias de manipulação de som e imagem. Geralmente, as pessoas que aparecem em deepfakes não participaram do processo nem permitiram o uso de sua imagem. Ou seja, são vídeos pautados pela falsidade não autorizada. Mas existe um outro grupo que está usando o deepfake voluntariamente e de forma artística. É o caso de Holly Herndon, que se descreve como uma “musicista de computador”. Americana baseada em Berlim, ela acaba de lançar um single gravado por um deepfake de sua voz, criado através de Inteligência Artificial, cantando “Jolene”, sucesso da diva da música country Dolly Parton na década de 1970. A essa voz digital deu o nome de Holly +. E quais são as vantagens? Holly + pode, por exemplo, cantar em qualquer língua, se quiser. Aliás, Herndon convida quem quiser a colaborar com sua gêmea digital. Quem se habilita?
– Os pavilhões da São Paulo Expo, na capital paulista, recebem até domingo a Comic Con Experience 22 (ou CCXP 22), um dos maiores eventos de cultura geek do mundo. É a primeira edição presencial do encontro desde uma pausa imposta pela pandemia, e são esperadas 300 mil pessoas para atividades relativas a games, HQs, eSports e audiovisual, em geral, que envolverão a presença de astros como Keanu Reeves, Zoe Saldaña, Paul Rudd, Evangeline Lilly e Jenna Ortega.
– Acontece na Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, de 3 a 4 de dezembro, o 1º Festival Carioca de Fotografia Analógica. São mostras de longas e curtas, oficinas, exposição e debates com participantes que vão de Walter Carvalho (diretor de fotografia) a Milton Guran (antropólogo e fotógrafo) e Ivana Bentes (pesquisadora). "Além de uma estética diferente, (a fotografia analógica) representa um processo de desaceleração”, diz Thais Monteiro, fundadora do coletivo Analógico do Rio de Janeiro, um dos organizadores do evento. “Como há poses limitadas, você é obrigado a parar, observar, respirar. Uma valorização do clique”.
– Lembra que falamos aqui do efeito que frequências de som imperceptíveis pelo ouvido humano exercem sobre nós quando dançamos? Pois a BBC levantou outra bola essa semana, ao investigar a reação psicológica e fisiológica que a música pode causar em nós, a emoção que chega a causar arrepios, ou frisson, como se diz em francês. Ou, ainda, orgasmos da pele. “Você recebe uma carga repentina de dopamina”, disse a psicóloga Dr Rebecca Johnson-Osei. "É um mecanismo similar ao que é ativado por sexo, drogas e outras coisas que são recompensadoras para nosso cérebro”.
– Em Inhotim, no município de Brumadinho, em Minas Gerais, duas exposições partem do legado de Abdias Nascimento – diretor do jornal Quilombo, lançado em 1948, e idealizador, não muito depois, do Museu de Arte Negra – para mostrar o trabalho de artistas negros contemporâneos: Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro, e O Mundo é o Teatro do Homem. Ambas estão abertas ao público até julho de 2023.
– O recém-lançado livro Hollywood: The Oral History , escrito a quatro mãos por Jeanine Basinger e Sam Wasson, mira num alvo esquivo: examinar com transparência o processo de feitura dos filmes, do cinema mudo aos dias de hoje. Os autores – uma renomada historiadora e arquivista de cinema e seu ex-aluno, também responsável por livros best-sellers sobre Chinatown e Bonequinha de Luxo – fuçaram os arquivos de entrevistas históricas do American Film Institute, em Los Angeles, e cravejaram as páginas com mais de 400 depoimentos de artistas e realizadores de diferentes eras, de Frank Capra a Steven Spielberg, de Harold Lloyd a Katharine Hepburn e Meryl Streep.
Lado Z – Nas trincheiras do jornalismo musical, mundo afora, com José Emilio Rondeau
Uma tarde no deserto com Michael Jackson e Naomi Campbell
O telefone tocou na minha casa em Beverly Glen Canyon e era Barry, divulgador da Sony Music. “Você se interessaria em ver a filmagem do novo videoclipe de Michael Jackson?”, perguntou.
Naquele março primaveril de 1992 Michael ia gravar em algum lugar da região desértica da Califórnia um vídeo para divulgar "In The Closet”, o novo single de Dangerous, seu oitavo álbum, lançado no ano anterior – e o primeiro sem a produção de Quincy Jones, responsável pela supervisão dos maiores sucessos de Jackson.
Tudo conspirava para ser uma filmagem memorável: Herb Ritts – badaladíssimo fotógrafo, cujo trabalho ia da moda à música pop – era o diretor e Michael contracenaria no clipe com a supermodelo Naomi Campbell.
E fomos lá – eu e um punhado de correspondentes estrangeiros –, de ônibus, ao encontro do Rei do Pop, como a gravadora gostava de chamá-lo, título prontamente adotado pela MTV, então ainda com força e prestígio.
A viagem durou menos de três horas e logo chegamos a uma espécie de acampamento formado por algo como quatro tendas brancas de tamanho médio e uma quinta bem maior que as demais. Nos encaminharam a um ponto onde conseguíamos enxergar, de longe, a filmagem propriamente dita: Michael e Naomi contracenando e dançando para a câmera de Ritts ao som de um playback que mal se podia ouvir.
Durou pouco – talvez 15 minutos – até que fossemos levados à tenda maior. Lá dentro, várias mesas com cadeiras haviam sido preparadas para uma recepção com comida e bebida. E a maior parte delas já estava ocupada por grupos (barulhentos) de crianças e adolescentes. Na parte mais distante da tenda havia sido armada uma mesa maior sobre um tablado semelhante a um palco.
O “repasto" consistia de sanduíches, sucos e água. E precisamos nos contentar com aquilo durante longos minutos antes de saber o que aconteceria naquela tenda e o porquê de estarmos nela.
Foi quando vimos Michael, Naomi e Herb, alegres, como se se chegassem para uma festa, entrarem pelos fundos da tenda e assumirem seus assentos na mesa maior, onde prontamente foram servidos com flutes de champanhe.
Meu olho cresceu naquele champanhe aparentemente geladíssimo e levantei o braço para chamar a atenção de um dos funcionários responsáveis por nos orientar e pedi champanhe para minha mesa. “É só para eles, I’m sorry”, o rapaz respondeu, constrangido e, ao mesmo tempo, irritado com minha impertinência.
Mas o que mais faríamos ali, além de ficar olhando os três fazerem sua festinha particular? Éramos meros coadjuvantes de uma badalação? “Vocês vão cumprimentar Michael”, sussurrou o mesmo rapaz, indicando que deveríamos levantar – naquele instante – e caminhar até a mesa principal.
E só esse momento valeu as horas de ônibus, o calor abafado do deserto, a barulheira da criançada, e a sub-festinha de playground sem direito, no mínimo, a uma cerveja. De óculos escuros e chapéu, sentado em seu lugar, sem jamais se levantar, Michael ia apertando a mão de cada correspondente estrangeiro, sorridente, mas sem falar. Até chegar a minha vez.
E o que constatei me surpreendeu: o tom de pele dele era mais claro que o meu. Michael Jackson era mais branco que eu!
PLAYLIST FAROL 15
David Bowie se encontra. Odetta regrava Macca. Lucy Dacus vai de Carole King. Blues e soul no encontro de Buddy Guy e Mavis Staples. Tom Petty ocupa o Fillmore West por 10 noites. Metallica a toda velocidade. E o Fleetwood Mac perde Christine McVie.
David Bowie – “Changes (demo)” – O álbum Hunky Dory, de 1971, abriu as portas para o respeito e o estrelato que Bowie tanto almejava – e, àquela altura, já merecia. Foi o disco em que se encontrou, artisticamente. Agora, o álbum ganha versão super deluxe em que é investigado e dissecado em toda sua feitura, a começar por essa demo do clássico “Changes”, uma das faixas-assinatura de David, numa versão tirada de um acetato arranhado, o que acrescenta todo um charme vintage.
Odetta – “Every Night” – Gigante do spiritual, do blues e do folk americanos, Odetta gravou em 1970 – cercada dos craques da Muscle Shoals Rhythm Section, mais Carole King e Merry Clayton – um álbum repleto de versões de alguns dos sucessos pop da época – tirados dos repertórios de Elton John, Randy Newman e Three Dog Night, por exemplo – e mesmo de algumas deep cuts de artistas como The Rolling Stones. Aqui ela dá sua leitura de uma das músicas do primeiro álbum solo de Paul McCartney. Simplesmente divino.
Lucy Dacus – “It's Too Late” – E por falar em Carole King, a cantora de folk pop indie, super ligada em covers (vá lá ver tudo que ela já fez), regravou esse megahit da cantora, compositora e pianista que passou a reinar a partir do álbum Tapestry, de 1971, do qual fez parte esta faixa.
Buddy Guy – “We Go Back”– Dois gigantes se encontram no novo álbum de Buddy, The Blues Don’t Lie. Ele, com sua guitarra cristalina e sua voz doce, e Mavis Staples, um dos alicerces do gospel e do soul dos Staples Singers, um vulcão de emoção.
Ron Carter – “Sweet Lorraine” – E um gigante do jazz, o veteranérrimo contrabaixista Ron Carter, hoje com 85 anos, é objeto de um documentário, Finding The Right Notes, onde aparece tocando com gente como Stanley Clarke, Bill Frisell e Jon Batiste, seu convidado aqui.
Tom Petty and the Heartbreakers – “(I Can’t Get No) Satisfaction” – Em 1997, Tom e seus Heartbreakers fizeram uma residência de 20 noites no legendário palco do Fillmore West, em São Francisco. Só agora estão saindo as gravações de seis daquelas noites, com bastante coisa do próprio repertório da banda (algumas em versões acústicas), mas também muitas homenagens a influências e contemporâneos, de Bob Dylan, Bill Withers, Booker T. & The M.G.’s e The Byrds a Chuck Berry, Little Richard, Everly Brothers e The Rolling Stones.
Willie J Healey – “Dreams”– O cantor e compositor britânico soa formado na escola de funk e soul de Sly Stone, circa There’s A Riot Goin’ On, todo falsete, clavinete, wah-wah, backing vocals femininos e bateria comprimida.
Pharaoh Sanders – “Kazuko” – Lenda do jazz, o saxofonista Sanders – falecido em setembro passado, aos 81 anos – abriu para o Grateful Dead num show em Sacramento, capital da Califórnia, e sua apresentação, transcendental, foi ao ar, ao vivo, pela rádio KFRD. Agora, saiu em EP.
Metallica – “Lux Æterna”– De surpresa, o quarteto disponibilizou essa semana uma nova música, parte de seu 12º álbum de estúdio, 72 Seasons, que sai em abril do ano que vem. É pau puro do início ao fim, fazendo jus ao juramento da letra: “velocidade máxima ou nada!”.
Fleetwood Mac – “You Make Loving Fun”– Perdemos essa semana Christine McVie, vocalista e tecladista do Fleetwood Mac e autora de alguns dos maiores sucessos da super platinada banda anglo-americana (como "Say You Love Me”, “Think About Me" e "Over My Head”). Uma de suas faixas-assinatura, “You Make Loving Fun” ajudou a impulsionar o álbum Rumours à estratosfera pop, em 1977, e a tornar o Mac uma das maiores atrações do circuito de shows.