Os roteiristas americanos entraram em greve. E você com isso?
Em meio a uma disputa por compensação mais adequada ao mundo do streaming, os roteiristas provocam um apagão de conteúdo que pode durar meses e afetará o destino de suas séries prediletas
Onze mil e quinhentos roteiristas afiliados ao Writers Guild of America – o sindicato da classe – entraram em greve no dia 1º de maio nos Estados Unidos. É a primeira greve de roteiristas naquele país em 15 anos. O que isso isso tem a ver com você? Muito.
Para os roteiristas, o movimento é uma reação à incapacidade de se chegar a um novo acordo trabalhista que leve em conta um novo panorama, onde seu trabalho é reproduzido numa variedade cada vez maior de canais de streaming, muitas vezes trabalhando menos tempo em episódios consideravelmente mais curtos do que no passado (compare a hora e alguns quebrados de Boardwalk Empire à meia hora enxutinha de Barry), sem que sejam compensados apropriadamente por isso, uma vez que seus contratos foram negociados e assinados numa época em que o mercado de streaming ainda era um bebê, ou sequer existia.
Para o público, em geral, no entanto, a greve representa o risco de um apagão de conteúdo novo que pode deixar telinhas e telonas às escuras ou ocupadas por reprises.
A parada dos profissionais que bolam, estruturam, criam situações, dão nuances, emoção e diálogos para séries, programas de TV e filmes, que municiam apresentadores de talk shows com falas afiadas e hilariantes, que imaginam mundos extraordinários, parem heróis, vilões e mocinhas, recriam o passado, radiografam o presente e imaginam o futuro – com humor, sarcasmo, ou sentimento de tragédia –para tudo que assistimos em casa ou no cinema significa que o que estava em preparação para ser lançado daqui a alguns meses – ou mesmo o que deveria estar no ar hoje a noite, no caso dos Estados Unidos – entrou em compasso de espera.
Sabe a próxima temporada daquela série favorita? O novo filme da franquia em que você se amarra? O talk show que você curte diariamente via VPN? Muito disso foi congelado.
Não tudo, pois roteiros já feitos antes do início da greve podem ser filmados – é o caso das segundas temporadas de Andor e de A Casa do Dragão e da quarta temporada de The Mandalorian, por exemplo. Mas, por outro lado, sofrerão atraso a quinta temporada de Stranger Things e as terceiras temporadas de Yellowjackets e Hacks.
O novo Superman: Legacy – o primeiro da DC sob o comando de James Gunn, ex-enfant terrible do universo Marvel – estava agendado para entrar em produção no começo do ano que vem, mas está em banho-maria até o fim da greve, sem que seja escrita uma linha sequer de seu roteiro.
A julgar pelo ocorrido no passado, a greve pode durar muito tempo. Da última vez que aconteceu, em 2006/2007, paralisou Hollywood por 100 dias, cerca de três meses e meio. E causou um prejuízo à economia da Califórnia – o estado americano que abriga a maioria das produções de cinema e TV – superior a dois bilhões de dólares. Los Angeles foi a região mais afetada. Negócios como restaurantes, postos de gasolina e oficinas esvaziaram com tanta clientela em casa ou com dinheiro a menos para gastar, quando não havia perspectiva para o fim da greve.
Além disso, como resultado de atrasos na produção, pode ser que episódios ou filmes escritos depois da greve acabem sendo feitos às pressas, com menor qualidade do que normalmente teriam. Após a última greve, houve uma enxurrada de reality shows para compensar a safra magra de material de ficção para a TV.
Por ora, o que se sabe é que se a greve durar o mesmo tempo da última paralisação, lançamentos previstos para o ano que vem só verão a luz do dia – ou o escurinho do cinema – em algum momento de 2025.
Guerra nas Estrelas, segundo Wes Anderson. Legendário baterista Wilson das Neves ganha documentário e álbum póstumo. O “orgasmo de corpo inteiro” provocado por Tchaikovsky. Cento e trinta anos de tiras de quadrinhos ganham exposição. E o Museu do Fracasso celebra as ideias que não deram certo.
E mais …
– E se Wes Anderson dirigisse 'Guerra nas Estrelas'? Um YouTuber de posse de uma ferramenta de Inteligência Artificial e com muito tempo nas mãos criou um vídeo em que o clássico de George Lucas adquire as características dos filmes do diretor de A Crônica Francesa, O Grande Hotel Budapeste e Os Excêntricos Tenenbaums: planos caprichados na simetria, direção de arte que usa cores especiais, narração sarcástica e um senso de humor todo próprio. O resultado, The Galactic Menagerie – com um elenco rigorosamente deepfake que inclui de Scarlett Johansson e Bill Murray a Jeff Goldblum, Willem Dafoe e Owen Wilson (no papel de Darth Vader) – está postado aqui. E não é a única obra de mentirinha atribuída a Wes. Também já postaram versões do diretor para Harry Potter e Batman.
– O baterista, compositor e cantor Wilson das Neves, figura lendária da música brasileira, morto em 2017, aos 81 anos , é objeto de um novo documentário – O Samba é meu dom, já disponível na Globoplay – e de um álbum póstumo – Senzala e Favela, que traz participações de artistas como Chico Buarque (com quem Wilson trabalhou durante três décadas), Zeca Pagodinho (seu parceiro), Emicida, Maria Rita, Seu Jorge, Ney Matogrosso, Marcelo D2 e BNegão. O novo disco terá show de lançamento na terça-feira, 9 de maio, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
– Correu mundo a noticia e o som do "orgasmo de corpo inteiro” provocado em uma moça na plateia por uma passagem da "Quinta Sinfonia" de Tchaikovsky, interpretada pela Filarmônica de Los Angeles no Walt Disney Concert Hall. Entrevistada pelo The Los Angeles Times, Molly Grant, que estava perto da moça afetada tão profundamente pela música, relatou que assim que ouviu um “grito/gemido” vindo do balcão olhou para ver do que se tratava. Assim como fez todo mundo que estava ao redor. "Vi a moça depois do ocorrido e eu imagino que ela havia tido um orgasmo, porque estava com uma respiração pesada e o acompanhante dela estava sorrindo para ela, num esforço para que ela não se sentisse envergonhada”. No entanto, há controvérsias em relação ao que pode ter acontecido. Outros relatos garantem que, na verdade, a moça teria adormecido e o som ouvido seria dela acordando com um susto. Tire suas conclusões ouvindo o som que garantem ser do episódio.
– O Billy Ireland Cartoon Library & Museum, repositório da centenária arte dos quadrinhos e parte da Universidade Estadual de Ohio, em Columbus, está exibindo um pouco das 2.5 milhões de peças acumuladas ao longo de 30 anos pelo colecionador Bill Blackbeard, estudioso do assunto. São séries completas de clássicos das tiras de quadrinhos publicadas nos jornais americanos, remontando a 1893, incluindo títulos conhecidos – incluindo Blondie (Belinda, como era conhecida no Brasil) e Pequeno Nemo – e raridades – como o fortão Hugo Hércules, o precursor do Superhomem, de 1902 (ou seja, de 30 anos antes da aparição do Homem de Aço nos quadrinhos).
– Enquanto isso, O Museu do Fracasso, projeto itinerante que agora está montado no Brooklyn, em Nova York, reúne em seus quase 1.400 metros quadrados exemplos de ideias de produtos que não deram certo, mesmo tendo partido de empresas de renome que deveriam saber o que estavam fazendo quando apostaram em tiros pela culatra. São experimentos que cobrem um período de tempo iniciado no século 17 e que incluem o carro Ford Edsel, os cigarros Kent (detonados por usarem asbestos no filtro), a CNN+ ( filhote da CNN para o mundo do streaming que durou apenas três meses) e a Old Breed (bebida criada pela Seagram's que misturava uísque com cerveja). A mostra está aberta ao público até meados de maio.
PLAYLIST FAROL 35
Garbage homenageia Siouxsie and the Banshees. Cordas e uma música de resiliência para Brittany Howard cantar. A nova banda de Andy Partridge, ex-XTC. O OVNI caiu em Chavez Ravine. PJ Harvey de volta. A colaboração agridoce de The National com Taylor Swift. Joy Oladokun brinca com a finitude. Interpol remixado. O quinteto londrino que mistura música folclórica grega com jazz psicodélico. E os 50 anos de Living In The Material World.
Garbage – “Cities in Dust”– Para comemorar o Dia Internacional das Lojas de Discos, o quarteto de Wisconsin regravou um dos maiores sucessos de Siouxsie and the Banshees, lançado originalmente em 1986. Já quando estamos chegando ao finalzinho da faixa, a vocalista Shirley Manson manda um recado especial para a então líder dos Banshees (que, aliás, acaba de fazer seu primeiro show em 10 anos), meio sussurrado mas plenamente audível: "Eu amo você, Siouxsie!”.
Rob Moose – “I Bend But Never Break”– O violinista Rob construiu uma arranjo de cordas denso e emocionante para Brittany Howard – a vocalista do Alabama Shakes, com quem ele havia trabalhado anteriormente – cantar essa canção de resiliência e superação.
The 3 Clubmen – “Aviatrix”– O primeiro single da nova banda de Andy Partridge, voz, coração e cérebro de um dos grupos seminais dos anos 1980, o XTC, é de uma sonoridade igualmente pop, sofisticada e excêntrica, que ele descreve como tendo sido feita por um "Frankenstein de três cabeças dançando numa boate para solteiros neuro-divergentes”.
Ry Cooder – “El U.F.O. Cayo” – Os vocais femininos que apoiam a faixa acima, somados à trama da atual temporada da maravilhosa série Perry Mason (HBO Max), trouxeram à memória a divertidíssima (e inventadíssima) história do OVNI que caiu numa área de Los Angeles onde estavam sendo demolidas as moradias, o comércio, escolas e a igreja da comunidade México-Americana local para a construção de um estádio de beisebol, nos anos 1950: o atual Dodger Stadium. O disco voador e o diálogo (em espanhol) que o líder dos extraterrestres trava com os locais faz parte do brilhante álbum Chavez Ravine, que o mestre Ry Cooder lançou em 2005 sobre os acontecimentos reais que tanto afetaram aquele pedaço da cidade e as vidas dos que moravam ali.
PJ Harvey – “A Child’s Question, August” – Uma de nossas eternas musas, PJ apresenta o single inicial de seu primeiro álbum em sete anos, I Inside the Old Year Dying, ainda sem data de lançamento, É uma canção sombria que pede amor delicado citando outra música, “Love Me Tender”, sucesso de Elvis Presley.
Interpol – “Big Shot City"– O trio nova-iorquino começa a disponibilizar as versões remixadas e retrabalhadas de seu álbum de 2022, The Other Side of Make-Believe, parte de um projeto para o qual convocaram artistas como Daniel Avery – produtor britânico de música eletrônica – e, neste caso, o baterista e produtor americano Makaya McCraven, um dos destaques atuais do jazz contemporâneo e de quem já falamos aqui.
The National – “The Alcott” – A agridoce colaboração da mega estrela pop Taylor Swift com o quinteto de Ohio faz parte do novo álbum do grupo, o recém-lançado First Two Pages of Frankenstein.
Joy Oladokun – “We’re All Gonna Die” – A cantora/compositora, filha de imigrantes nigerianos, literalmente brinca com a finitude para valorizar o tempo que resta a cada um de nós nessa atual temporada na Terra, com uma mãozinha do cantor Noah Kahan e um solo de guitarra que ecoa Brian May. Faz parte do álbum Proof of Life, que acaba de sair.
Valia Calda – “Stalker”– O quinteto londrino mistura música folclórica grega com jazz psicodélico e pesado, propulsionado pela guitarra de Nikos Ziarkas e o saxofone de James Allsop. Seu novo álbum, Homeland, acaba de sair.
George Harrison – “Give Me Love (Give Me Peace On Earth”– Em 1973, George tinha uma missão hercúlea pela frente. Depois de ter lançado uma obra-prima – o triplo All Things Must Pass – , três anos antes, o que fazer? Ele optou por um caminho mais espiritual e humanista, ainda que deixando espaço para fustigadas em seus ex-companheiros nos Beatles (“Sue Me, Sue You Blues” e mesmo a faixa-título, (“Living In The Material World"), ele se dedica a preces pop e meditações cercado de craques como Ringo Starr, Nicky Hopkins (piano), Jim Keltner (bateria), Gary Wright (órgão) e Klaus Voorman (baixo).