Os Cinco Discos de 2024
O ano foi das mulheres. Elas nos emocionaram, desafiaram, abriram nossas cabeças para novos horizontes e novas sonoridades. Salvo uma excepcional exceção: um disco como nenhum outro este ano.
Feita a compilação final, após um ano que rendeu preciosidades a granel, vindas de todos os lados e de diferentes épocas – do amadurecimento espetacular de Beth Gibbons ao peso eletrônico de St. Vincent, da despedida póstuma de Ryuichi Sakamoto aos shows da histórica turnê empreendida por Bob Dylan e The Band em 1974 – , a conclusão a ser tirada é clara: 2024 foi das mulheres.
Muito do melhor ouvido nos últimos 12 meses veio de artistas como Adrianne Lenker, Meshel Ndgeocello, Joni Mitchell, Kim Deal, Arooj Aftab, Jane Weaver e Kim Gordon, todas páreos duríssimos. São delas alguns dos discos que mais nos emocionaram, desafiaram, abriram nossas cabeças para novos horizontes e novas sonoridades.
Não é surpresa, portanto, que as mulheres – sozinhas ou mesmo acompanhadas –predominem na seleção dos cinco álbuns que para o FAROL marcaram o ano.
Embora haja uma exceção cintilante.
E você? Quais discos estão na sua lista?
Nick Cave & The Wild Seeds – Wild God – Você não ouviu disco igual a este em 2024: um vórtex quase ininterrupto de sons e imagens faladas, por vezes fantásticas, habitado por personagens que vão desde Kris Kristofferson a sapos e o Deus Selvagem que dá título ao 18º álbum de Nick. Isto aqui é uma experiência sensorial, emocional, musical arrebatadora, que mistura rock antêmico e gospel triunfante para explorar os meandros da existência, passando por dor, prazer e alegria, com arranjos que em muitos momentos evocam cerimônias religiosas, com corais femininos fervorosos. Surpreende partir de alguém que passou pela tragédia inimaginável de perder não um, mas dois filhos, uma obra tão esperançosa de redenção, amor e celebração da vida.
Gillian Welch/ David Rawlings – Woodland – A dupla de veteranos do folk e do alt-country assinou em 2024 Woodland, uma homenagem ao antigo estúdio dos dois, em Nashville, devastado por um tornado (junto com todas as gravações prontas que continha). É um álbum denso, profundo, equilibrado entre a perda e o amor, recheado com arranjos que evocam elegante folk de câmara, músicas que num momento podem soar grandiosas para no seguinte soar íntimas, feitas-em-casa. Uma master class de folk do século 21.
Alice Coltrane – The Carnegie Hall Concert – É simplesmente sublime o álbum gravado ao vivo no Carnegie Hall, em Nova York, em meio ao inverno de 1971. Cercada de um verdadeiro Butantã do jazz – como os saxofonistas Pharaoh Sanders e Archie Shepp –, Alice mergulha fundo em sua espiritualidade, criando pinturas sonoras inebriantes com a harpa ou, ocasionalmente, o piano, como numa versão de “Africa”, do falecido marido, o legendário John Coltrane.
Linda Thompson – Proxy Music – Metade de uma dupla icônica do folk-rock britânico – formada com o então marido Richard Thompson – , Linda cantou clássicos como “Dimming of the Day” e “I Want To See The Bright Lights Tonight”. Mesmo divorciados, os dois ainda gravaram juntos alguns de seus melhores trabalhos, como o sanguíneo Shoot Out The Lights, de 1982. Hoje, no entanto, aos 77 anos, Linda não consegue mais cantar, por conta de uma disfonia espasmódica, distúrbio vocal que compromete a comunicação. Mesmo assim, lançou um dos mais arrebatadores álbuns do ano, Proxy Music, onde convidados cantam músicas compostas por ela, servindo de veículo para suas canções e emoções.
Laura Marling – Patterns In Repeat – A recente maternidade deu o mote do oitavo álbum da artista britânica, que nele explora os altos e baixos na vida de quem recebe o presente e o ônus da entrada de um bebê na vida. Mas não se deixe enganar pelos arrulhos da filhota de Laura abrindo os trabalhos. Não é um trabalho sobre a domesticidade. No decorrer dos disco, Marling mergulha nas profundezas das relações e do viver, com letras, melodias, dedilhados e harmonias de dar nó na garganta – e no coração.
Esse disco da Laura Marling é devastador!