Os 100 anos de inovação dos estúdios Disney moldaram a animação, o cinema – e a maneira de se fazer e vender entretenimento
Visão empresarial, o uso de novas tecnologias e a semeadura de talentos fizeram de um pequeno (mas atrevido) estúdio de animação uma das maiores e mais influentes forças criativas do século 20
Inovação.
Este sempre foi o mote – e o motor propulsor – de Walt Disney, a partir do momento em que fundou, junto com o irmão Roy, o Disney Brothers Cartoon Studio, em 1923. Inovação na arte, na tecnologia e nos negócios.
E o espírito de descoberta e invenção com que Walt guiou sua equipe desde o início moldou todo o trabalho da Disney em seus 100 anos de operação, comemorados no último dia 16, e reflete-se tanto em seus primeiros desenhos animados de longa metragem – um espanto para uma indústria e um público que nunca tinha sequer imaginado algo parecido – quanto nos lançamentos mais recentes da Pixar, nascida justamente dos esforços de Walt pra criar e nutrir novas gerações de animadores.
Mais que isso, o tino empresarial de Walt o levou a traçar o escopo de uma companhia de mídia moderna, que viria a incorporar diversos aspectos de entretenimento, comunicação e merchandising, e que tornou-se uma das principais forças criativas do século 20.
Em seu livro de 2006, a biografia Walt Disney: The Triumph of the American Imagination, o autor Neal Gabler ressalta que a principal qualidade do cineasta-empresário era justamente a inquietude que o movia. “Walt sempre dizia: ‘não posso ficar parado, nunca. Preciso explorar e experimentar. Nunca estou satisfeito com meu trabalho. E me ressinto dos limites da minha imaginação’”.
“Ele sempre buscava uma maneira nova de usar a tecnologia de seu tempo”, diz Gabler. “E era assim em tudo que fazia”.
Por isso, seu Vapor Willie, de 1928 , estrelado por Mickey Mouse, foi a primeira animação a usar som sincronizado, para fazer o protagonista assobiar. Também pelo mesmo motivo, Walt desafiou o senso comum de seu tempo e insistiu em produzir um longa-metragem de animação – o hoje clássico Branca de Neve e Os Sete Anões – quando naquele distante 1937 todos eram contra (“os olhos das pessoas vão começar a sangrar!”, alertaram os mais alarmistas) –, feito com uma câmera especial, multiplano, capaz de registrar quatro imagens diferentes ao mesmo tempo, que ele encomendou a sua equipe para obter a profundidade de campo que tanto desejava para seu filme. Conseguiu não apenas uma obra-prima feita em um novo formato de filme de animação, como também quebrou todos os recordes de bilheteria até então nos Estados Unidos.
A sabedoria e o arrojo na busca e no uso de novas tecnologias, entretanto, são apenas uma parte da equação. Como poucos de sua geração, Walt conseguia enxergar maneiras de compensar os altos custos de sua busca incessante pela inovação – chegou a adquirir os direitos exclusivos da Technicolor para só ele poder usar o processo de imagens coloridas do laboratório em sua série Silly Symphonies. Por exemplo, quando saiu Branca de Neve, ele lançou uma série de lencinhos ligados à personagem – e embolsou respeitáveis dois milhões de dólares com isso, o que somou-se a quantia igual quando computadas as vendas de brinquedos inspirados no desenho. Dez anos mais tarde, o departamento de merchandising da Disney já faturava mais de um bilhão de dólares, anualmente.
A mesma visão desbravadora levou Walt a se expandir para a televisão, já em 1950, enquanto seus contemporâneos na indústria cinematográfica execravam a novidade, temerosos de que engoliria valiosos nacos de seu negócio. Disney era capaz de compreender que esse tipo de formato (como especiais de TV) poderia servir de plataforma nacional (ou, mais tarde, internacional) de divulgação de seus filmes. E a própria televisão alavancou outro desdobramento da visão artístico-empresarial de Walt: a Disneylândia, um parque temático construído, em parte, com dinheiro da rede de TV ABC, que recebeu em troca o direito exclusivo de exibir uma nova série … sobre a Disneylândia.
Quando o parque abriu para o público, em julho de 1955, 29 câmeras da ABC estavam lá para registrar o momento, ao vivo. Como resultado da divulgação, 20 pessoas passaram a visitar o parque diariamente, em seu primeiro mês de funcionamento.
Ainda que a morte de Walt, em 1966, tenha deixado a Disney sem a visão de seu criador e líder, o espírito do fundador reacendeu, de certa forma, a partir de meados dos anos 1980 – durante a gestão moderna e agressiva de Michael Eisner, responsável pelo período conhecido com o “renascimento” do estúdio, do qual saíram A Pequena Sereia, A Bela e a Fera e Aladdin.
E sementes plantadas pelo próprio Walt no passado deram fruto à revolução seguinte no mundo da animação, quando artistas formados pelo programa de animação da escola CalArts, em Los Angeles, custeada pelo próprio Disney para trazer mão de obra qualificada para seu estúdio, fundaram, eles mesmo, sua própria companhia, a Pixar Studios – e iniciaram uma nova revolução ao criar longas de animação em 3D de imenso sucesso – como Toy Story – que misturavam as mais novas tecnologias com a qualidade e o rigor da Disney para contar bem e com emoção uma história.
O centenário da Disney – e seu apetite insaciável pela inovação – serão celebrados agora, em novembro, quando sair nos Estados Unidos o novo longa Wish-O Poder dos Desejos, que combina os elementos de animação tradicional, em 2D, com finalização em 3D, fechando, assim, um ciclo de busca, descoberta e inovação iniciado por um visionário que ignorou todos os limites e obstáculos de sua trajetória para moldar o mundo da animação à sua imagem.
O bom e velho Graça
Kika, nossa intrépida colaboradora, revisita e destrincha o Brasil complexo de Graciliano Ramos
Hoje é dia de festa nesse pedaço da internet, pois meu autor preferido faz aniversário: Graciliano Ramos; ou, para os íntimos, o velho Graça.
Em 2023 ele completaria 131 anos e, para você que ainda não é íntimo, eu vou lhe dar 3 livros para se aprochegar um pouco mais do universo desse alagoano que nos deu algumas das maiores obras-primas da literatura brasileira (mundial, eu diria!).
Nossa relação vem desde 2007, quando li Vidas Secas, obrigada, para passar no vestibular… de Letras. Ali eu pude entender a relevância dele que nos apresentou Baleia, Luís da Silva, Paulo Honório. Personagens que nos contam um Brasil miserável e abundante, na mesma medida. É aí que vive parte da genialidade de Graça, mostrar um Brasil complexo, dialético.
Para que você conheça Graciliano, aqui eu indico livros biográficos.Portanto, se você está em busca de ficção para seu primeiro contato com ele, pode ir fundo em seus clássicos, pois todos proporcionarão horas de muita angústia e prazer literário.
Às indicações:
Memórias do Cárcere:
Livro autobiográfico sobre o tempo em que Graciliano esteve preso, sob a alegação de ser comunista, em 1936. Uma alegação, nada mais que isso. Mas Vargas não parecia se importar com provas…
O tom é o clássico de Graciliano: seco e direto, unindo magistralmente em uma só linha a História do Brasil à sua percepção dos eventos. Conheça aqui seus famosos companheiros de cela, sua rotina de estudos no cárcere, sua análise crua sobre o momento político do país.
Falta, infelizmente, o último capítulo, nunca escrito pois Graça morreu antes de concluí-lo. Não faz mal. As quase 700 páginas dirão tudo que você precisa saber sobre esse período da vida dele.
Viagem:
Aqui a acusação de comunista ganha força… Graciliano narra sua viagem à União Soviética, a convite do Partido Comunista Brasileiro, para conhecer o polêmico regime, em 1952.
O espírito livre do velho Graça aqui se mostra: um livro provocativo, questionador, que não se esquiva de salientar as qualidades e desvios, na mesma proporção, do regime comunista. Não se mostra rendido a seu partido, que esperava que o escritor finalmente passasse a escrever pró-revolução, e não se amedronta com a reação do governo brasileiro com seu alinhamento explícito ao PCB. Corajoso, brilhante, imperdível.
O Velho Graça, de Dênis de Moraes:
A biografia definitiva. Dênis de Moraes vasculha a trajetória de Graciliano, do nascimento, em Quebrangulho, à morte, no Rio de Janeiro. Um relato detalhista sobre um homem absolutamente recluso, calado, discreto. Graciliano não se dava com entrevistas e, apesar de usar muito de si em seus livros, sempre se mantinha reservado sobre sua vida privada.
Dênis acessa tudo e, com delicadeza e respeito, nos traz um retrato à altura do tamanho de Graciliano Ramos. Genial.
Boa leitura!
Kika
O MASP reúne arte indígena do mundo. Cinco novos livros radiografam a música brasileira. Um templo do cinema reabre em Hollywood (mas agora pertence à Netflix). Manet reclama do Rio de Janeiro. Sai em novembro “a última música dos Beatles". E Mortadelo e Salaminho controlam a travessia de pedestres em Barcelona.
– Com obras de artistas de países tão díspares quanto Brasil e Finlândia, o MASP abriu mostra dedicada à arte indígena. São oito núcleos organizados para enfatizar o quanto hoje os artistas contemporâneos indígenas não querem ser exotizados. “Às vezes, quando pensamos nos povos indígenas, os associamos ao passado”, argumenta Abraham Cruzvillegas, um dos curadores da mostra. “Mas na realidade é algo vivo, devemos inclusive falar dos indígenas no futuro”. Exemplo disso é a seção maori, do povo originário da Nova Zelândia, onde podem ser vistas obras da geração conhecida como “modernismo maori”, onde os artistas se apropriam de conceitos das vanguardas europeias para criar uma estética própria. A mostra Histórias Indígenas está aberta no MASP até 25 de fevereiro.
– Mês pródigo para os livros de música brasileira. Nada menos que cinco novos títulos chegaram há pouco nas livrarias, enfocando uma gama vasta de artistas do país, dos Novos Baianos ao repentista Otacilio Batista. Escrito a quatro mãos pelo historiador Allan da Rosa e o sociólogo Deivison Faustino – o Nkosi –, Balanço afiado – Estética e política em Jorge Ben analisa a obra e o legado social do cantor-compositor através da reprodução de conversas entre os autores. Em Quando eu vim de Minas, Nilton Ribeiro compila suas experiências trabalhando nas gravadoras do Rio de Janeiro – como a EMI-Odeon –, geralmente no departamento de divulgação. Já Otacílio Batista –Uma história do repente brasileiro, de Sandino Patriota, parte da trajetória do personagem-título, cantador e violeiro pernambucano, para traçar a história do repente. A música no Brasil que você toca, de Edson Natale, reúne causos da música brasileira, mas recorrendo a personagens e situações fora do mainstream. Enquanto em Acabou chorare – O rock’ n’r oll encontra a batida de João Gilberto Márcio Gaspar revisita a criação do disco que transformou a carreira – e o som – dos Novos Baianos, tendo como ponto de partida entrevistas com os próprios músicos.
– Reabre em novembro, após três anos de reforma, o Egyptian Theatre, um dos cinemas icônicos da era de ouro do cinema americano, no coração de Hollywood, e onde foi realizada a primeira premiere de um filme em todo o mundo, 101 anos atrás. Sinal dos tempos, agora pertence à Netflix, e sua reinauguração será marcada pela exibição do novo filme do diretor David Fincher, O Assassino, seguida de uma entrevista com o próprio realizador.
– “Tudo custa terrivelmente caro nesta cidade”, reclamou o visitante ao Rio de Janeiro … nos anos 1840. O comentário, feito numa das muitas cartas escritas por Edouard Manet durante sua passagem pela cidade, antes de tornar-se um dos mais importantes pintores do século 19, autor de obras como “Olympia", de 1863, faz parte do livro Manet no Rio, que documenta a temporada carioca do francês, quando tinha apenas 17 anos. Manet desembarcou na cidade, trazido por um navio-escola da marinha francesa, na esperança de ingressar na força. Ficou no Rio de 1848 a 1849 e mandou uma série de observações para parentes e amigos. Achou a cidade “bastante feia”, reclamou das igrejas (“não se comparam às nossas”), mas elogiou as brasileiras, seus "olhos magnificamente negros; os cabelos idem”, “muito distintas e não merecem a reputação de levianas que se atribui a elas na França”.
– Sai na quinta-feira, 2 de novembro, "a última música dos Beatles”, como vem sendo chamada “Now And Then”, a gravação feita por Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr em cima de uma demo gravada por John Lennon. Paul, George e Ringo chegaram a trabalhar em cima da demo na época em que preparavam a Antologia que deu ao mundo as então inéditas “Free As A Bird” e “Real Love”, igualmente criadas a partir de demos de John. Mas George não gostou do resultado e só agora, três décadas mais tarde, a gravação foi retomada e finalizado pelos dois últimos Beatles sobreviventes. O novo disco sairá sob a forma de single, junto a uma reedição de “Love Me Do”, a música com a qual os Beatles se apresentaram ao mundo, em 1962. Ambas as músicas terão versões mixadas em estéreo e em Dolby Atmos. Um dia antes será exibido um documentário sobre a feitura de “Now And Then”. Um videoclipe com a nova música estreará um dia depois do lançamento do single.
– Mortadelo e Salaminho – famosos personagens de histórias em quadrinhos – controlarão a travessia de pedestres em quatro semáforos de Barcelona, numa homenagem a seu criador, Francisco Ibáñez. O primeiro dos quatro foi inaugurado na semana passada, no distrito de Sant Martí, onde morou Ibáñez, bem defronte à premiada biblioteca Gabriel García Márquez. Criada originalmente como uma paródia de Sherlock Holmes e Dr. Watson, a dupla apareceu pela primeira vez em 1958, na revista Pulgarcito, da Editorial Bruguera. No Brasil, a dupla foi publicada pela RGE (atual Editora Globo) e também pela Editora Cedibra, em belíssimos álbuns, que hoje são objeto de acirradas disputas comerciais de colecionadores em sebos e sites de leilões virtuais.
PLAYLIST FAROL 58
Os Paralamas tocam Cream no Ronca Ronca. Brittany Howard funkeada. O Libertines volta mais pop. Lenny Kravitz celebra a parte favorita de seu próprio corpo. As canadenses do NOBRO querem mais drogas. O guri de Chico Buarque, ao vivo. IDLES + LCD Soundsystem. . O folk suave e meditativo de Helena Deland. Paul + Ringo. E a despedida de Celso Vecchione.
Os Paralamas do Sucesso – “Sunshine Of Your Love”– Antes disponível apenas em vinil (e prensado em vermelho!), chegou às plataformas de streaming a apresentação que os Paralamas fizeram em 1999, no Ronca Ronca, legendário e longevo programa de rádio de Mauricio Valladares (um parceiro de primeira hora do grupo, desde 1982), que este ano celebrou 40 anos. Eles tocaram clássicos (“The Tears of A Clown”, de Smokey Robinson & The Miracles, e “Sweet Sixteen”, de B. B. King) e surpresas (“Caleidoscópio”, sucesso de Dulce Quental, e "Eu Quero Ver o Oco", dos Raimundos). Detalhe: foi tudo gravado numa fita cassete! Em mono! Aqui, o encerramento do programa histórico, com uma das músicas-assinaturas do Cream.
Brittany Howard – “What Now“ – Mais uma vez sem a participação de sua banda original, Alabama Shakes, Brittany gravou um novo single – faixa-título de um álbum ainda sem data de lançamento – que a distancia ainda mais do blues-rock tradicional pelo que tornou-se conhecida, e agora bem mais funkeada.
The Libertines – “Run Run Run”– O celebrado grupo britânico de indie rock quebra um hiato de quase uma década com um single vibrante, pop, parte de seu esperado quarto álbum, All Quiet On The Eastern Esplanade, que sai em março.
Lenny Kravitz – “TK421”– O título do novo single de Kravitz refere-se a um dos malvados stormtroopers da saga Guerra nas Estrelas. É também o apelido do órgão sexual de Lenny. E é a este apêndice que ele dedica a nova música.
NOBRO – “Let’s Do Drugs”– “Vamos tomar drogas!”, clama o quarteto punk feminino de Montreal, no Canadá, numa engraçadíssima homenagem ao som glam rock anos 1970 onde as tentativas de ressuscitar o barato da juventude fracassam de maneira hilariante. É menos sobre drogas do que sobre envelhecer e não conseguir mais virar a noite na farra.
Chico Buarque – “O Meu Guri”– Gravada em 1981 pela irmã Cristina e, em seguida, pelo próprio Chico e por Elza Soares, esta canção ganha agora novo registro, feito ao vivo no Rio de Janeiro, em fevereiro passado, durante a turnê Que Tal Um Samba?.
IDLES, LCD Soundsystem – “Dancer” – James Murphy e Nancy Whang, do grupo nova-iorquino LCD Soundsystem, adicionam suas vozes ao novo single do quinteto britânico, uma pulsante e sanguínea ode aos efeitos inebriantes da dança. É a primeira amostra do quinto álbum do grupo, Tangk, que sai em fevereiro.
Helena Deland – “Drawbridge”– Mais uma artista de Montreal na playlist da semana. Dessa vez, uma cantora-compositora que faz um folk suave e meditativo, e, aqui, numa faixa de seu novo álbum, Goodnight Summerland, com ecos de “Midnight Cowboy”.
Ringo Starr – “Feeling The Sunlight”– Paul McCartney compôs, produziu e tocou ele mesmo todos os instrumentos (exceto a bateria) nesta nova faixa de Ringo – com cara e sonoridade de Beatles circa 1967. Faz parte do recém-lançado EP Rewind Forward.
Made In Brazil – “Jack, O Estripador”– Em 1967, junto com seu irmão – o baixista Oswaldo –, o guitarrista Celso “Kim” Vecchione fundou no bairro paulistano da Pompéia (berço também dos Mutantes) o grupo que seria uma referência no rock brasileiro, o Made In Brazil. Apesar de inúmeras mudanças na escalação, o grupo manteve-se na ativa até este ano, Mas seu auge deu-se na década de 1970, quando saiu seu álbum produzido pelo jornalista e connoisseur Ezequiel Neves, Jack, O Estripador. Celso morreu na semana passada, aos 74, de causa não revelada.