O rock morreu?
O fundador da revista que narrou e nutriu a revolução e a evolução do rock por 50 anos enxerga o fim. Mas os sinais apontam para um caminho diferente.
“Lamento vê-lo ir embora”, disse Jann Wenner, numa entrevista dada dias atrás ao The New York Times para divulgar seu recém-lançado livro de memórias. “(Mas) não vai voltar. Vai acabar ficando como o jazz”.
Jann falava do rock ’n’ roll, motivo de existência e combustível para a revista que fundou em 1967 e que durante dezenas de anos foi porta-voz do rock e ponto de referência na imprensa musical: a Rolling Stone.
Logo Wenner, um dos patronos-fundadores do Rock And Roll Hall of Fame, instituição criada justamente para celebrar os grandes nomes do rock e suas influências e cercanias.
Vai das tantas na entrevista, Jann torceu a faca, enquanto afundava a lâmina na trilha musical da rebeldia jovem durante décadas, que deu ao mundo artistas – provocativos, geniais, criativos, revolucionários, poéticos, filosóficos, divertidos – que mudaram o curso da cultura, não apenas da música.
“Se você for ouvir hoje Bob Dylan e outras coisas, soam quase como uma antiguidade. Tudo agora tem um som moderno, (com) sintetizadores e (efeitos de) auto-tuning. Um dos motivos pelos quais o rock clássico jamais voltará é porque os jovens de hoje estão sendo acostumados a esse novo nível”.
Em meio a esse cenário, acredita Jann, o que foi feito antigamente hoje “soa inofensivo, como aquilo que eu costumava achar de Frank Sinatra”.
Wenner não deixa de acertar ao apontar diferenças entre o rock clássico, chamemos assim, e o do século 21. Soam diferentes. A passagem do tempo transformou o pop e o rock: esteticamente, emocionalmente, politicamente, espiritualmente. Como é para ser.
O rock, como idioma, não é necessariamente o mesmo praticado pelos artistas que criaram o vernáculo e estabeleceram os parâmetros originais. Passou por segmentações e misturas, adaptações e desdobramentos. E o arsenal hoje à disposição de artistas e produtores – estúdios caseiros mais acessíveis, novas tecnologias surgindo todo dia, a internet, as referências, incontáveis miscigenações – é bem outro.
O rock feito por Calexico, IDLES ou Bon Iver não é o mesmo dos Stones, do Deep Purple ou do Grateful Dead. Assim como o pop de Harry Styles, BLACKPINK e Doja Cat é anos distante do que fizeram o Jackson Five, Donna Summer e os Bee Gees.
Mas uma coisa veio da outra, faz parte de uma linhagem, de uma mesma conversa, de uma mesma história.
Assim como o jazz, ao contrário do que Jann dá a entender, não é língua morta – que o digam Kamasi Washington, The Comet is Coming, Rich Ruth e The Bad Plus.
O que talvez assuste ou incomode Wenner é o fato da revista atualmente se dedicar a artistas e assuntos totalmente fora do radar da maioria dos homens brancos e mais velhos – como ele, atualmente com 76 anos. A Rolling Stone de hoje não é a mesma de seu tempo à frente dela (adquirida pelo mesmo grupo ao qual pertence a revista Variety, a revista é pilotada por Gus Wenner, filho mais velho de Jann, que afastou o pai das decisões editorais quando resolveu reformular a RS).
E o rock, na verdade, mantém sua popularidade.
Uma pesquisa feita em março pela CBS News/YouGov aponta para uma posição razoavelmente sólida do rock nos Estados Unidos. Mas, curiosamente, não entre os jovens. Embora 32% dos americanos prefiram o rock – perante o pop (15%), o hip hop ou o rap (14%), o country/western (12%), o R&B e soul (7%) e o jazz (4%) –, aqueles com menos de 30 anos elegem o pop, em primeiro lugar, e o hip hop, em segundo. O rock, dentre esse público, fica em terceiro lugar.
Segundo a pesquisa, apenas 17% dos respondentes com idades entre 18 e 29 anos selecionaram o rock como seu estilo predileto de música. Sua preferência recai sobre o hip hop.
Mas daí ao rock morrer existe uma distância. O rock, ao contrário do que aposta Jann (e apesar dessa mesma sentença vir sendo decretada periodicamente), vive e evolui, mesmo em meio aos mais jovens.
A cada dia surgem novos praticantes, mundo afora, de plumagens diferentes (indie rock, alternativo, art rock, progressivo, jazz-rock) – e novas gerações vivem descobrindo os clássicos do gênero e o rico catálogo legado pelos desbravadores.
Enquanto houver garagens, guitarras, rebeldia e inconformismo, haverá espaço para o rock.
E mais…
- Nos últimos três anos, a atriz Vera Holtz deu um banho de criatividade nas redes sociais com posts super expressivos que angariaram mais de 1,2 milhões de seguidores apenas no Instagram. Voltando ao mundo presencial, a atriz estreia dia 28, no CCBB do Rio, o monólogo Ficções, inspirado no best-seller Sapiens, do filósofo israelense Yuval Noah Harari. Leia mais na Veja Rio.
- A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) fará turnê aos Estados Unidos em outubro com apresentações no Carnegie Hall, em Nova York. A orquestra, segundo a revista Concerto, estará sob a batuta de sua regente de honra, Marin Alsop. No programa, que conta com o Coro da Osesp, várias peças de Villa-Lobos e Sheherazade, de Rimsky-Korsakov.
- No momento em que a comunicação se torna quase toda imaterial, a exposição A Magia do Manuscrito, baseada na coleção do escritor, historiador e curador Pedro Corrêa do Lago, evoca a força intrínseca ao ato de escrever à mão. A mostra será inaugurada no dia 28 no Sesc Avenida Paulista e inclui originais de Isaac Newton, Darwin, Einstein, Van Gogh, Michelangelo, Tiradentes, Machado de Assis, Santos Dumont e Villa-Lobos.
- Após duas edições virtuais por conta da pandemia, a FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty) volta a ser presencial, em 2022, e terá como grande homenageada, a maranhense Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira romancista negra do país, e que está comemorando o seu bicentenário de nascimento. O mote da curadoria desta edição é dar voz aos que estão às margens e dar visibilidade ao que ainda está invisível no cenário cultural e social do país. Neste cenário, a FLIP, que acontecerá entre os dias 23 e 27 de novembro, já tem 25 autoras confirmadas e 9 autores. A romancista Maria Firmina dos Reis derrubou barreiras tanto na literatura feminina quanto abolicionista, com destaque para seu romance Úrsula (1859), obra em que retrata a escravidão a partir do ponto de vista dos escravos.
Entre os convidados internacionais, destaque para a francesa Annie Ernaux, autora de O Acontecimento e O Lugar. Cotada para o Prêmio Nobel de 2021, ela é uma das principais referências da literatura contemporânea mundial e é o maior nome divulgado até agora para esta edição.
- A série Encontro com Autores, que começa nesta sexta-feira (23) no Salão Nobre do Theatro Municipal de São Paulo, vai levar escritores vencedores do Prêmio Jabuti para conversar com o público sobre seu trabalho e a literatura contemporânea. Os encontros vão até novembro e inclui nomes como Sueli Carneiro, Ignácio de Loyola Brandão, Felipe Castilho e Dráuzio Varella, entre outros. A programação completa está aqui.
Lado Z – Nas trincheiras do jornalismo musical, mundo afora, com José Emilio Rondeau
Ciceroneando dois Sex Pistols no Rio de Janeiro
A missão era simples e direta: naquela manhã abafada de final de janeiro de 1978, ir ao aeroporto do Galeão, bem cedinho, para abordar os Sex Pistols, que estariam chegando para passar alguns dias no Brasil, e tentar extrair daquele encontro material suficiente para um texto que seria publicado no Jornal de Música de fevereiro. O grupo estaria vindo ao Brasil para fazer um show na New York CityDiscotheque, em Ipanema.
Nada rolou exatamente conforme o plano.
Johnny Rotten e Sid Vicious, os atrativos maiores da missão jornalística, dada sua capacidade de gerar impublicáveis memórias, não desembarcaram do avião da Pan Am.
Também, pudera. Eu ainda não sabia, mas os Sex Pistols, como os conhecíamos, já nem existiam mais.
A banda havia encerrado sua única turnê americana dias antes, em São Francisco, e só viria a tocar junto de novo, com Glen Matlock substituindo Sid, em 1996. Mais sobre isso depois.
Portanto, nenhum show aconteceu no Rio de Janeiro.
Mas a decepção inicial no Galeão acabou virando o início de uma série de dias de aventura como cicerone informal dos dois quartos restantes da banda – o guitarrista Steve Jones e o baterista Paul Cook – durante sua passagem pelo Rio de Janeiro, enquanto, aos poucos foi-se descobrindo, eles se preparavam para gravar duas faixas e rodar um videoclipe com Ronnie Biggs (o falecido integrante do bando que realizou um grande assalto a um trem na Inglaterra, em 1963), dirigido por Julien Temple.
Foram semanas divertidas – para todos envolvidos –, com direito a piscina e batida na Barra da Tijuca, ida ao teatro Tereza Rachel para ver Raul Seixas (onde tiveram o privilégio de conhecer Ezequiel Neves), quebra de protocolo num prédio governamental e estrepolias num salão de reuniões de um hotel chique em Copacabana.
O contato inicial no Galeão não foi dos mais promissores. Steve e Paul desembarcaram sonados, de mau humor e lacônicos. E azedaram mais ainda com a primeira (e decididamente imbecil) pergunta que saiu da minha boca:
“Cadê Johnny e Sid?”. O que fazia dos dois um prêmio de consolação.
Mas a resistência foi sendo vencida aos poucos, nos dias seguintes, com vários encontros informais que, mais que uma matéria, renderam boas memórias. Quer dizer, algumas memórias: lembre-se, estamos falando da década de 1970.
Tanto que não consigo lembrar, exatamente, como e por quê acabei virando cicerone informal de Steve e Paul, exceto que houve decerto intervenção de Ana Lúcia Novaes, divulgadora da Polygram (gravadora que representava os Pistols no Brasil).
Tampouco sou capaz de reproduzir conversas que tivemos, enquanto cruzávamos as ruas do Rio de Janeiro no Passat branco de meu pai. Mas algumas lembranças permaneceram intactas. Ou quase.
A primeira é de uma ida ao Teatro Tereza Rachel, em Copacabana, para um show de Raul Seixas, também artista da Polygram. Teatro lotado, Steve e Paul meio assustados com o assédio dos poucos fãs que os reconheciam (mais por conta de suas camisetas punk e pelo fotógrafo da revista POP que registrava sua movimentação pelo saguão de entrada) e atordoados com a chegada espetacular de Ezequiel Neves, que já soltou um caloroso “never mind the bollocks, garotinhos!” quando os avistou.
Mais tarde, Zeca relatou na POP o encontro.: “Foi gênio, dei de cara com dois garotos maneiríssimos, iguais aos milhares de moleques que andam nas pobres ruas desses brasis. Lógico que fiquei de quatro”. Título da matéria: “Os reis do punk são apenas bons meninos”. E lá apareci eu na matéria, numa foto com Steve e Paul, na revista onde viria a trabalhar meses depois.
A fama de maus dos dois punks levou novo baque num almoço de domingo na imensa casa onde morava meu brother Maurício Valladares, em um condomínio na Barra da Tijuca. De sunga e camiseta, Steve e Paul curtiram piscina, feijão, suco de maracujá, batidas e caipirinhas num dia de calor esturricante. A curiosidade da boxer Chica por Jones, registrada em foto por Maurício (assim como toda a tarde), rendeu no Jornal do Brasil a legenda marota: “Sua primeira companhia feminina no Rio”. E os dois ingleses, bons moços, educados e polidos a tarde inteira, entraram na cozinha para lavar seus pratos e copos depois da refeição.
Dias mais tarde, o rigor do protocolo do governo estadual foi testado quando levei Steve e Paul para serem entrevistados na Rádio Roquette Pinto, no Centro da cidade, pelo radialista Guerra, um dos primeiros a tocar Sex Pistols no Brasil (se não o primeiro!).
Sem me dar conta de que a rádio ficava num prédio do governo, não me ocorreu que não deixariam os dois entrar de sunga (tendo saído, minutos antes, da praia de Copacabana, onde ficava o hotel em que estavam hospedados). Não deu outra: os dois foram barrados.
Guerra precisou fazer um acordo de paz com a direção da rádio, argumentando a favor do momento histórico que estava para acontecer ali, e Jones e Cook subiram para o estúdio de sunga, para o espanto de todos ao seu redor. Em algum lugar deve existir uma cópia da entrevista.
Meu último encontro com os dois ocorreu no hotel Rio Palace (hoje Fairmont), no posto seis de Copacabana, onde houve uma “coletiva” de araque que estava sendo filmada pela equipe de Julien Temple para o documentário The Great Rock and Roll Swindle. Menos de 10 anos depois Temple voltaria à cidade para rodar um média metragem com outro artista de rock, Mick Jagger.
Ali, Steve e Paul – acompanhados do empresário Malcolm McLaren e de Biggs – já não eram mais os caras simpáticos e engraçados que caíram na gargalhada quando expliquei o que era um “flanelinha” (aquele ofício não fazia o menor sentido para eles) e que me presentearam com uma camiseta dada por um repórter da Rolling Stone, com a reprodução de uma capa da revista com Paul e Linda McCartney.
Naquela “coletiva” eles estavam fazendo papel de punks para a plateia e para a equipe de filmagem.
Coda: Los Angeles, 1996.
Em 1996, os Pistols voltaram à ativa para fazer quase 80 shows dentro da turnê Filthy Lucre, que rendeu um álbum ao vivo. Um deles, em Los Angeles, onde eu morava. E lá fui eu ao encontro deles, novamente, numa suíte do hotel Chateau Marmont, em West Hollywood, para entrevistá-los para a Bizz.
Como num déjà vu, todos os Pistols presentes (menos John Lydon, que não compareceu) se comportavam como … punks. Steve Jones chegou a soltar um pum sonoro para tentar me chocar. Sem me abalar, me identifiquei como o cicerone carioca de 1978. Steve mudou da água para o vinho. “Era você!”.
E a entrevista decorreu normalmente, tranquila, como uma entrevista qualquer, sem encenações ou truques de efeito. E sem mais puns.
PLAYLIST FAROL 5
Pink Floyd remixado (45 anos depois) – A volta do Planet Hemp – Father John Misty regrava Stevie Wonder – Son Little celebra o poder curativo do ritmo – E o jazz-rock progressivo que vem de Londres.
Pink Floyd – “Dogs" (2018 remix) – Quarenta e cinco anos depois de seu lançamento, o décimo álbum do Pink Floyd, Animals, ganha reedição especial, com todas as faixas remixadas e tornadas ainda mais … animais, graças ao trabalho de James Guthrie (feito em 2018, mas só utilizado agora), que deu novo lustro aos sons gravados em 1976, e com a capa icônica (o porco flutuando sobre a Battersea Station, em Londres) atualizada pela mesma Hipgnosis que fez o trabalho original.
Planet Hemp – “Distopia”– Vinte e dois anos fora de combate, o grupo carioca retoma as atividades com a faixa-título de seu novo álbum. É rock e também rap, como sempre combativo, potente, de resistência, com a mordida intacta.
The Unthanks – “The Old News” – A banda britânica de folk progressivo celebra com júbilo a despedida a longos períodos de lockdown.
Father John Misty – “I Believe (When I Fall In Love)” – Essa cover de um clássico de Stevie Wonder é destaque do EP que Joshua Michael Tillman gravou ao vivo no estúdio que Jimi Hendrix construiu, pouco usou e deixou como legado.
Iron & Wine – “Like Patsy Would” – Por sua vez, Sam Beam cercou-se de Sima Cunningham e Macie Stuart, do grupo de indie art-pop Finom, e reuniu em um EP suas versões de músicas de Lori Mckenna, craque de country e Americana cujo talento para contar histórias em canção rendeu-lhe prêmios três prêmios Grammy.
Son Little – “drummer”– Agogô, palmas, congas, baixo, guitarras e vozes para celebrar o poder curativo do ritmo, numa levada que lembra muito Marvin Gaye, impulsionam a faixa de abertura do quarto álbum do americano Aaron Earl Livingston, Like Neptune.
Abraham Alexander – “Stay” – Convocando o conterrâneo Gary Clark Jr. para se encarregar da guitarra, o texano Abraham teceu uma balada soul sobre as saudades de casa que sentiu quando morava em Londres.
The Comet Is Coming – “TECHNICOLOR”– A nova do trio londrino de jazz-rock progressivo formada pelo saxofonista Shabaka Hutchings, o artista de musica eletrônica Danalogue e o baterista Betamax faz parte do álbum Hyper-Dimensional Expansion Beam, que sai mês que vem.
Santigold – “Shake”– Funk vintage que soa transmitido através do tempo via rádio amador, batidas eletrônicas que lembram o batucar frenético dos telégrafos e coros com tons religiosos são alguns dos elementos misturados no caldeirão da artista americana em seu quarto álbum, o recém-lançado Spirituals.
Mama’s Broke – “How It Ends” – A dupla canadense feminina de folk, formada pelas multi-instrumentistas Amy Lou e Lisa Maria, emociona com uma canção sobre os males do amor e as dores que causa – ainda que, em alguns casos, as partes boas prevaleçam sobre as ruins.
Ouça a playlist clicando aqui.
O rock clássico pode definhar, mas um texto bem escrito, jamais! Hey ho!
Lendo sobre Paulo Freire: "cultura é terreno movediço das significações. Quando cessa sua importância, transforma-se em item histórico, para sempre lembrado e apreciado à distância". Por mim, prefiro o rock vivo e solto por aí.