O que acontecerá com a 'voz mais confiável' na imprensa musical americana?
O influente site Pitchfork acaba de ser incorporado ao ecossistema da revista masculina de moda GQ. O impacto para a cobertura jornalística de música nos Estados Unidos pode ser avassalador
“A voz mais confiável” na imprensa musical – como se anuncia o site americano Pitchfork, considerado por muitos o veículo mais influente do setor desde o surgimento da internet – acaba de ser abafada.
Numa manobra corporativa, a empresa-mãe do site – a gigantesca editora Condé Nast – achou por bem mover o P4K, como é conhecido internamente, para dentro da estrutura da GQ, uma revista mensal de moda e comportamento para homens publicada desde 1931.
O anúncio da mudança teve o efeito de uma bomba nos meios jornalísticos dos Estados Unidos – especialmente no mercado de revistas de música, hoje esquálido, quando comparado a épocas bem mais saudáveis, especialmente dos anos 1970 ao início dos anos 1990.
Apesar da solidez da marca e das métricas positivas do site – “em termos de volume, tinha o maior número de visitantes diários de qualquer um (de nossos) títulos, apesar dos recursos escassos, especialmente no que diz respeito à direção da empresa”, confidenciou no X/Twitter um editor de desenvolvimento de público da Condé Nast –, optou-se por incorporá-lo a uma revista "heritage", como se diz no jargão, tradicional. Com a medida, pelo menos 12 funcionários do Pitchfork já perderam o emprego, inclusive a editora-chefe, Puja Patel, que antes liderava a redação de outra publicação musical, a SPIN. E mais gente pode ser demitida.
O que a GQ tem a ver com música, além da ocasional matéria ou coluna sobre o assunto, para tornar-se o guarda-chuva sob o qual ficará o conteúdo do Pitchfork ? Will Welch, diretor de redação da GQ desde 2018, iniciou sua carreira escrevendo na The Fader, uma revista de música em circulação desde 1999. Mas isso basta?
Além disso, a GQ é um título masculino e o Pitchfork vinha, ao longo dos anos, buscando ser um espaço diverso, com muitas jornalistas e fartura de cobertura de artistas mulheres. Jill Mapes, editora de matérias especiais do Pitchfork, igualmente demitida, postou seu desabafo nas redes sociais: após oito anos “tentando fazer (o site) um lugar menos restrito ao público masculino, a GQ acaba assumindo o comando”.
A transformação do Pitchfork numa aba da GQ é vista com péssimos olhos por Ann Powers, crítica de música da NPR, a rede americana de rádios públicas. Porque a mudança faz de um espaço onde especialistas podiam ir fundo em suas matérias, “escrevendo textos inteligentes e apaixonados (dirigidos ao) fã de música”, um veículo onde serão favorecidos assuntos que interessem a um público genérico, como ela disse à agência Associated Press. “O Pitchfork era um espaço lindo de diversidade”, continuou Powers, “com mulheres incríveis e pessoas de cor cobrindo pop, R&B, música experimental e do mundo inteiro com a mesma paixão e dedicação com que se cobria o rock indie, quando o site nasceu”.
Para Ann, levar o site para o ecossistema da GQ traz lembrança de uma época – os anos 1990 – quando as revistas americanas de música – Rolling Stone, SPIN, Vibe e Blender – eram consideradas “de interesse masculino” pelo mercado publicitário. “Parece um retrocesso”, ela reclamou.
Outro aspecto crucial é o que a mutação do Pitchfork representa para a imprensa musical nos Estados Unidos. Embora em países como a Inglaterra, principalmente, ela prospere (as bancas estão sempre estocadas com as mensais Mojo, Uncut, Prog, Classic Rock, e até uma edição local, bimestral, da Rolling Stone, por exemplo), do outro lado do Atlântico a situação é bem menos saudável, com movimentação online (Consequence of Sound, Stereogum, Vibe) maior do que sob a forma de revistas de papel (Billboard e Rolling Stone, por exemplo). E o Pitchfork comparecia, até agora, com boa parte do combustível para movimentar o setor.
O Pitchfork nasceu em 1996, quando o funcionário de uma loja de discos, Ryan Schreiber, resolveu publicar um blog musical inspirado nos fanzines que costumava ler. Os CD’s eram o formato predominante, as rádios e a MTV mandavam em muito do gosto do público. De lá para cá o site veio cobrindo as mudanças no mercado e no cenário musical, até chegar aos dias atuais, quando as plataformas digitais reinam, CDs e lojas de discos são raridades, e a proliferação de estilos e artistas pulverizou o mercado de modo impensável quase 30 anos atrás.
Quando a Condé Nast comprou o Pitchfork, em 2015, via na operação uma oportunidade de trazer para seu catálogo “um público apaixonado (por música) de homens millenials”, conforme declarou à revista The Atlantic Fred Santarpia, então responsável pelo conteúdo digital da editora. A visão do que era o Pitchfork na época faz sentido: em 2012, o site realizou uma pesquisa entre os leitores sobre os melhores discos lançados nos 15 anos anteriores. Descobriu, no processo, que 88% de seu público eram homens. Assim como eram homens os artistas da maioria dos discos apontados na pesquisa. A Condé Nast estava de olho no Pitchfork especificamente por causa do público masculino – e jovem.
Apesar do espaço de quase 10 anos desde a aquisição, e das mudanças operadas no conteúdo e na equipe do site para torná-lo mais diverso, ainda é assim que a Condé Nast enxerga o Pitchfork? Como um veículo predominantemente masculino? Dentro dessa lógica, faria sentido a fusão com a GQ.
A diretoria da editora admitiu recentemente ver similaridades entre os dois títulos. “A marca Pitchfork não vai desaparecer”, garantiu uma vice-presidente da Condé Nast, Melissa Consorte, em mensagem para os funcionários da editora vazada pela Associated Press. “E (essa mudança) não é uma coisa terrível para nós. GQ e P4K estavam invadindo a pista, um do outro, e agora podemos usá-los de forma que um complemente o outro”.
“O Pitchfork não está sendo fechado para ser transformado na GQ”, continuou Melissa, em sua mensagem. “Do ponto de vista (do mercado) e do leitor, tudo vai ficar igual como está agora. No longo prazo, o P4K vai crescer e ficar mais reconhecível”.
Max Tani, do site Semafor, acredita que o verdadeiro futuro do Pitchfork, a médio e longo prazo, “ainda é incerto”. E em sua conta no X/Twitter ele indicou que um dos motivos para o que aconteceu com o site foi a força superior da GQ junto ao mercado publicitário. Esse ponto fraco do Pitchfork teria sido o fator determinante na decisão, que, para ele, foi simplesmente “de negócios".
Vale lembrar que em 2018 Paul McCartney preferiu dar justamente à GQ uma longa exclusiva (transformada em antológica matéria de capa e numa série de vídeos curtos) para divulgar seu álbum Egypt Station, atropelando as publicações de música que, se esperaria, seriam o espaço “normal” para ele falar. Ou seja, Paul viu na revista – que costuma trazer em suas capas artistas de cinema ou TV, raramente o pessoal da música (embora a capa da edição mais recente mostre o rapper Travis Scott) – o canal mais adequado para atingir um público maior.
Na medida em que muitos veículos de música – como a Rolling Stone e o próprio Pitchfork – miram num público cada vez mais jovem e garimpam novas gerações de artistas, grandes nomes como Paul optam, ainda que ocasionalmente, por migrar para territórios mais genéricos, menos segmentados. Como a GQ.
A assassina Villanelle está de volta – sob a forma de uma newsletter. O presídio onde Oscar Wilde passou dois anos vira centro cultural. Novo livro traz detalhes sobre a passagem de Darwin pelo Brasil no século 19. Profissionais do cinema contra Milei. Governo da Espanha fará "revisão” de seus museus para corrigir erros coloniais. E vem aí a cinebio de Anthony Kiedis, do Red Hot Chilli Peppers.
– Fãs da finada série Killing Eve gostarão de saber que ela foi ressuscitada. Só que agora sob a forma de uma newsletter Substack, não muito diferente desse FAROL. “Por acaso, um colega escritor meu perguntou se eu conhecia o Substack”, explica Luke Jennings, autor da trilogia de livros protagonizados pela assassina Villanelle que deu origem à série, “e após algumas horas de pesquisa concluí que seria o veículo correto para meu novo livro”. Luke explica que a nova história está sendo publicada em capítulos semanais e sairá de graça para o público.
– O presídio onde o escritor e dramaturgo britânico Oscar Wilde passou dois anos encarcerado, sob acusação de homossexualidade (crime na Inglaterra do século 19), será transformado em centro cultural. Localizado em Reading, na Inglaterra, o prédio foi adquirido pela Ziran, instituição de caridade que pagou ao Estado britânico o equivalente a 44 milhões de reais pela posse do im'pvel. A proposta tem o apoio de artistas como Judy Dench, Stephen Fry e Kate Winslet – e do neto e biógrafo de Wilde, Merlin Holland. “A ideia de transformar (a prisão) em centro educacional e museu é absolutamente maravilhosa”, declarou, “e algo que (Oscar) aprovaria”.
– A passagem do biólogo britânico Charles Darwin pelo Brasil, no século 19, é o foco de um novo livro ilustrado, recém-lançado. Em suas 272 páginas, A Viagem de Charles Darwin ao Brasil e Suas Contribuições para a Teoria da Evolução traz observações do estudioso a respeito da natureza do país, de sua cultura e de sua sociedade, tudo com mapas e uma fartura de ilustrações. Chamam atenção a reação de Darwin ao constatar a vigência da escravidão no território que visitava. “Espero nunca mais visitar um país escravocrata”, escreveu. “Até hoje, quando escuto um grito distante, lembro com dolorosa clareza o que senti ao passar por uma casa perto de Recife. Eu ouvi os mais terríveis gemidos”.
– Diretores ganhadores do Oscar – como Pedro Almodóvar e Alejandro González Iñárritu – , premiados em Cannes (Aki Kaurismäki), mais cerca de 300 atores, diretores e produtores de diferentes partes do mundo – dentre eles, os brasileiros Walter Salles e Kleber Mendonça Filho, Mira Nair, Gael García Bernal, Diego Luna, Isabelle Huppert e Roger Corman –, assinaram um manifesto contra a proposta do presidente da Argentina, Javier Milei, de extinguir o instituto de cinema daquele país, o INCAA, bem como suas escolas de cinema (ENERC), através de um projeto de lei. “O cinema argentino é uma indústria próspera que gera milhares de empregos, exporta conteúdo e traz investimentos estrangeiros para o país”, manifestou-se a coalizão Cine Argentino Unido. “A implementação deste projeto de lei terá um efeito devastador, incalculável e irreparável em toda a cultura e na soberania nacional, especialmente para os trabalhadores que dependem das indústrias culturais, resultando em milhares de novos desempregados”. Existe, por ora, a esperança do congresso argentino repelir a medida.
– Enquanto isso, na Espanha, o ministro da Cultura, Ernest Urtasun, anunciou que fará uma "revisão" dos museus pertencentes ao Estado para “superar um quadro colonial ou ancorado na inércia de género ou etnocêntrica que tem, em muitas ocasiões, dificultado” a visão de patrimônio, história e legado artístico. “Estamos trabalhando para tornar visível e reconhecer a perspectiva das comunidades e a memória das pessoas de onde provêm os bens expostos”, explicou. O governo criará, ainda, uma Direção de Direitos Culturais para apoiar artistas e autores “excluídos ou censurados”.
– Vem aí a cinebio de Anthony Kiedis, vocalista do Red Hot Chili Peppers. A Universal Pictures adquiriu os direitos da autobiografia de Anthony, Scar Tissue – e o filme será produzido pelo veterano Brian Grazer, o mesmo de Eight Days a Week, documentário sobre os anos dos Beatles na estrada.
PLAYLIST FAROL 67
Dandy Warhols + Black Francis. A alegria de fazer música do Yard Act. O hip hop desorientador de Kim Gordon. A volta dos irmãos brigões do Black Crowes. A inquietude de Norah Jones. Música clássica feita por um quarteto só de saxofones. Shed Seven + Pete Doherty. Os riffs sólidos de The Scratch. O irresistível Gossip. E o coletivo de super-estrelas Les Amazones D'Afrique.
The Dandy Warhols – “Danzig With Myself”– Ô trocadilho bem sacado (ainda que infame), em cima do título de um dos sucessos antigos de Billy Idol, mas aqui modificado com o nome do astro de metal gótico de enorme sucesso na década de 1980. Nesta faixa de seu novo álbum, ROCKMAKER, que sai em março, os veteranos do rock alternativo americano unem-se a seu contemporâneo e conterrâneo Black Francis, do Pixies.
Yard Act – “We Make Hits”– O quarteto de Leeds, na Inglaterra, celebra neste gostinho de seu segundo álbum, Where’s My Utopia?, a alegria de fazer música, usando samples variados, um fraseado de baixo predominante e o singspeak do vocalista James Smith.
Kim Gordon – “BYE BYE”– A primeira amostra do segundo álbum individual da ex-baixista e vocalista do Sonic Youth, The Collective, é ultra pesada, implacável, com elementos distorcidos de hip hop que tornam tudo ainda mais desorientador.
The Black Crowes – “Wanting and Waiting”– Dois dos irmãos mais brigões do rock – Chris e Rich Robinson – fizeram as pazes para gravar um novo álbum juntos, Happiness Bastards, dando continuidade à sonoridade de rock clássico que tornou os Crowes famosos.
Norah Jones – “Running”– A cantora, compositora e pianista americana precede seu nono álbum, Visions, com uma canção contagiante sobre a inquietude provocada pelo amor.
Kebyart – “Four Lieder for Piano, Op. 6: No. 3, Andante cantabile 'O Traum der Jugend, o goldner Stern'” – E que tal um quarteto só de … saxofones? Para tocar música clássica! Pois essa é a proposta do grupo catalão Kebyart.
Shed Seven – “Throwaways”– Colaboração do quinteto britânico com Pete Doherty, frontman do Libertines, esta balada com arranjo orquestral e sonoridade um tanto seventies é uma das muitas participações especiais que integram o novo álbum do grupo, Matter of Time.
The Scratch – “Cheeky Bastard”– O quarteto irlandês soa muito como os grupos dos anos 1970 que se apoiavam em riffs sólidos e vocais uníssonos – lembra do Wishbone Ash? É uma verdadeira saraivada implacável de guitarras. Mas aqui o grupo injeta uma boa e adequada dose de humor.
Gossip – “Real Power”– Ninguém menos que Rick Rubin produziu o novo álbum do trio indie americano, o primeiro em 11 anos. A irresistível faixa-título, inspirada nos protestos gerados a partir do movimento Black Lives Matter, combina elementos de disco, rock e hip hop.
Les Amazones D'Afrique – “Flaws” – Vozes de partes diferentes do continente africano – da Costa do Marfim a Mali – , juntas num coletivo de super-estrelas de seus respectivos países numa faixa que começa lembrando “Sign ‘o’ The Times”, de Prince, e embarca num estimulante mix de pop, Afropop e hip-hop, parte do terceiro álbum do quarteto, Musow Danse, produzido por Jacknife Lee, britânico que já trabalhou com bandas como R.E.M., U2 e Snow Patrol.