O Oscar que você nunca vê
O que acontece antes, durante e depois da grande festa do cinema enquanto você acompanha tudo pela internet e pela TV? O FAROL mostra os preparativos, os bastidores – e as precauções
Quem assiste à entrega dos Oscars pela televisão não tem ideia do que é preciso para que a transmissão da cerimônia de premiação aconteça, os preparativos, a logística – e a movimentação nos bastidores.
São detalhes que envolvem desde o fechamento de diversos quarteirões de Hollywood, nas cercanias do Dolby Theatre, a planos de contingência caso chova no dia, à escalação de anônimos para garantir que as câmeras nunca mostrarão um assento vazio no auditório quando um vencedor subir ao palco para receber sua estatueta.
Isso sem mencionar a organização do público que pode assistir em arquibancadas a chegada dos astros, a distribuição (hierárquica) dos jornalistas que cobrem o evento – no tapete vermelho, na sala de imprensa e nos postos individuais para aqueles que comentam o prêmio – e as medidas de segurança adotadas para lidar com protestos e manifestações, de qualquer natureza que seja.
O Oscar pode ser uma premiação de alcance global, que atrai a atenção de pessoas planeta afora, mas nunca deixa de ser um evento local, que envolve e celebra profissionais que, em sua maioria, moram e trabalham em Los Angeles, e afeta (positivamente ou negativamente) a população da região de uma maneira equivalente ao que o Carnaval faz com o Rio de Janeiro.
Aliás, as emissoras de TV de L.A. se dedicam a um longo e animado “esquenta” para o Oscar, de semanas, com tudo que se possa imaginar sobre os preparativos para o evento, da mesma forma que aqui se mostra o que rola nos barracões e nos ensaios das escolas de samba. É cobertura do almoço que todo ano reúne os indicados a cada prêmio, dos planos dos produtores e apresentadores para a transmissão daquele ano, das delícias que serão servidas no Governors Ball – a festa anual pós-premiação, oferecida pela própria Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, cujo catering há 20 anos está a cargo do chef-celebridade austríaco Wolfgang Puck (spoiler: este ano, serão preparadas seis áreas diferentes de self-service e vários garçons circularão com bandejas repletas de quitutes, e o menu incluirá de steak tartare coreano e batata assada com caviar a pipoca trufada e coberta com poeira de ouro).
O Oscar é uma operação meticulosa, que envolve numerosos detalhes. Desde a segunda-feira, por exemplo, estão fechados ao trânsito algumas das ruas mais movimentadas de Hollywood, que passam temporariamente à “jurisdição” do Oscar, sob a rigorosa supervisão da polícia. Dias antes da premiação, foram erguidas barreiras para impedir o acesso de carros e cercas de arame para isolar possíveis manifestações políticas (o atual conflito no Oriente Médio é uma das preocupações dos organizadores).
Já foram preparados com antecedência também também os pontos de acesso dos convidados ao tapete vermelho (normalmente, dotados de detetores de metal) e definiu-se a logística de movimentação de todos que terão acesso ao evento. Os convidados caminharão para a entrada do Dolby Theatre pela parte mais próxima do prédio, enquanto os astros e indicados usarão a margem oposta do tapete, ao longo do qual estarão distribuídas equipes de TV do mundo inteiro, seguindo uma ordem predeterminada: primeiro, a imprensa americana; depois, os representantes estrangeiros, conforme seu ranking no mercado internacional de cinema. Todos posicionados para conseguir entrevistar os astros que estão chegando (que têm a opção de falar ou não com a imprensa). Mas há um outro contingente de imprensa de TV que fica atrás destes, e, portanto, consegue apenas mostrar que seu “âncora” está de fato ali e captar imagens e sons de apoio, distantes.
Todos os jornalistas e suas equipes chegam a seus postos pelo menos na manhã do Oscar (quando não enviam técnicos dias antes para já montar seu equipamento) e todos precisam estar vestindo roupa de gala, pois poderão aparecer na transmissão e circular na área onde os premiados posam para fotos e dão entrevistas, e o Oscar é um evento rigorosamente black tie.
A regra não se aplica aos comentaristas que ficam em instalações distantes do tapete vermelho – como caminhões ou containers. Estes acompanham a transmissão num monitor de TV, municiados de um grosso arquivo com o roteiro do programa e “colas" que podem ajudar no que for ser dito sobre este ou aquele artista, como “esta é a terceira indicação de fulano, que ganhou o prêmio de Melhor Ator no ano tal por tal filme”.
Um número seleto de fãs (escolhidos com antecedência, através de um sorteio organizado pela Academia) tem acesso às arquibancadas montadas ao longo do tapete vermelho. Todos precisam chegar bem cedo, alimentados e dispostos a ficar horas a fio sem poder ir ao banheiro, debaixo do sol de primavera (lembre que a entrega dos Oscars começa no final da tarde, em Los Angeles).
Durante 47 anos esses fãs tiveram o privilégio de ser entretidos pelo jornalista Army Archerd, um craque da cobertura de cinema que foi colunista da revista Variety por meio século. Muito simpático, ultra bem informado e sempre entusiasmado, Army anunciava para os fãs quem estava chegando ao tapete vermelho e fazia divertidas entrevistas com algumas das estrelas, envolvendo as arquibancadas num animado programa de auditório ao ar livre.
Os carros credenciados para circular – com convidados, apresentadores ou indicados – são recebidos por um exército de manobristas, sempre uniformizados com paletós vermelhos. Na saída, esses mesmos manobristas devolverão os veículos.
Quando a transmissão começa, já existe um grupo de pessoas numa sala do Dolby Theatre a postos para entrar no auditório quando for necessário. São os “tapa-buracos”, anônimos que ocuparão o assento de um premiado quando este for receber sua estatueta (e daí ser entrevistado). A medida garante que as câmeras nunca mostrarão um assento vazio na plateia, para enfatizar a imagem de um evento disputado e superlotado. Naturalmente, quando o premiado retornar a seu assento, os anônimos voltam para sua sala fechada.
Ao final de tudo, depois que todos os prêmios foram entregues e todas as confirmações e surpresas aconteceram, quem sai do Dolby Theatre encontra uma espécie de cidade deserta – ou parte de uma. Bloqueada, a Hollywood Boulevard – normalmente um formigueiro de turistas – está vazia, com apenas alguns técnicos desmontando seus equipamentos e policiais de guarda.
E não se surpreenda se mais adiante encontrar em alguma lanchonete um homem de smoking ou uma mulher de longo devorando um hamburger, enquanto segura ou aprecia com carinho uma estatueta dourada. É bem comum um premiado ou uma premiada, ainda tontos de felicidade, fazer um pit stop para matar a fome envolvidos pelo mundo real, celebrando sua conquista em meio a nós, meros mortais. E se o catchup ou a mostarda manchar a fatiota, paciência. O Oscar já passou. Agora, só no ano que vem.
Quem são os ‘adultos Disney'? A linhagem de Nelson Rodrigues, traçada desde o berço em novo (e enorme) livro. Turismo mórbido nos Andes. Viva o choro! E a saga dos irmãos Van Halen, escrita por Alex.
– Ainda que a marca Disney seja automaticamente associada a crianças, a verdade é que, ao longo dos 100 anos de sua existência, a companhia semeou um relacionamento com seu público tão enraizado que ultrapassa infância, adolescência, e atinge a idade adulta. Daí falar-se de um tal “adulto Disney”, como define a revista britânica New Statesman. São aqueles conquistados quando eram crianças e que, ao longo dos anos, são estimulados através de uma série de ações que podem ou não ter ligação com personagens de desenhos animados ou quadrinhos, mas que reforçam a marca. O objetivo da Disney seria adquirir consumidores vitalícios. Alguns exemplos: em 2011, a Disney visitou quase 600 maternidades nos Estados Unidos, distribuiu roupas de bebê com seus personagens e sugeriu às novas mães que se cadastrassem na DisneyBaby.com, onde poderiam comprar ainda mais roupas e brinquedos com estampas trazendo personagens do estúdio. No outro extremo, a Disney abriu as vendas para casas em condomínios (também nos EUA) para adultos com idade superior a 55 anos, chamados Storyliving. São mini-cidades elaboradas “com aquele toque Disney”, uma na Califórnia e outra na Carolina do Norte.
– “Eu não seria o que sou, não teria escrito uma frase, uma linha, uma peça, se não fosse filho de Mário Rodrigues”, declarou categoricamente Nelson Rodrigues, numa crônica sua, publicada em 1967, admitindo para o mundo inteiro sua forte ligação com o pai, também jornalista, fundador de inúmeras publicações, como o diário A Crítica. Agora, o pesquisador e dramaturgo Caco Coelho mergulha mais fundo ainda na dinastia Rodrigues para demonstrar, num livro com mais de 1.100 páginas, Dossiê Rodrigues: a genealogia (1900-1934), uma linha direta de Mário até Nelson, passando pelo trabalho de seus irmãos: Roberto, Mario Filho e Joffre.
– O interesse por uma espécie de turismo mórbido disparou desde o sucesso do filme A Sociedade da Neve, que dramatiza a batalha pela sobrevivência travada pelos passageiros de um avião Fairchild 227 acidentado nos Andes, durante 72 dias longos e dramáticos, em 1972. Nos últimos meses, simplesmente duplicou o número de reservas em excursões para visitar os destroços da aeronave uruguaia, no Vale das Lágrimas, a mais de quatro mil metros de altitude. São visitantes que chegam de países tão distantes quanto o Vietnã e a Austrália. Cada excursão dura de três a quatro dias e pode ser realizada a pé ou a cavalo.
– O choro agora é Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, assim como outros estilos musicais – o samba, o frevo e o forró – já haviam sido designados. A decisão foi tomada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a partir de uma proposta feita pelo Clube de Choro de Brasília. O choro teria origem em torno de 1870, na época em que Joaquim Callado lançou a música “Flor Amorosa”, no Rio de Janeiro. Conforme definição do Iphan, patrimônio imaterial diz respeito não a lugares ou coisas, mas a saberes culturais importantes para a identidade cultural de uma sociedade.
– Chama-se simplesmente Irmãos o livro que o baterista Alex Van Halen escreveu, sobre seu relacionamento e sua parceria artística e profissional com o irmão Eddie Van Halen, morto em 2020, em consequência de um câncer. “Estivemos juntos desde o início”, descreve Alex, “desde a mudança (para os Estados Unidos, uma vez que ambos nasceram na Holanda), até compartilhar um toca-discos, um ônibus de excursão, uma ética de trabalho, o alcoolismo, o sucesso, nos tornarmos pais e tios, as horas passadas no estúdio. Compartilhamos uma profundidade de compreensão com a qual as pessoas podem apenas sonhar”. Irmãos será lançado em outubro, nos Estados Unidos, pela HarperCollins.
PLAYLIST FAROL 73
Keith Richards revisita Lou Reed. St. Vincent cheia de marra. Modern English de volta à labuta. Richard Thompson dolente. A orquestra de vozes de Ana Lua Caiano. Al Di Meola solo. O alt rock progressivo de Meril Wubslin. A nova do Blitzen Trapper. Circles Around The Sun regrava Sérgio Mendes. E Emicida quer que você belisque o braço.
Keith Richards – “I’m Waiting For The Man” – Harmonização perfeita, a de Keith com este clássico do Velvet Underground, regravado com dois integrantes do X-Pensive Winos (o baterista Steve Jordan, agora também parte dos Stones, e o tecladista Ivan Neville) para um álbum em tributo a Lou Reed, The Power of the Heart, do qual participam também artistas como Lucinda Williams, Joan Jett e Rosanne Cash.
St. Vincent – “Broken Man”– Annie Clark apresenta seu novo álbum, All Born Screaming, que sai em abril, com uma faixa pesadíssima, de sonoridade quase industrial, movida a um riff pegajoso, cheio de marra, e com Dave Grohl arrebentando na bateria.
Modern English – “Long In The Tooth”– Tornado famoso nos anos 1980 com o superhit “Melt With You”, o quarteto britânico retoma a carreira com um divertido single, faixa de seu nono álbum, 1 2 3 4, onde brinca com sua própria idade provecta.
Richard Thompson – “Singapore Sadie”– O cantor, compositor e guitarrista extraordinaire, nome legendário do folk britânico, dá uma amostra do album Ship To Shore, com lançamento previsto para maio. Nesta balada dolente, ele vem acompanhado de David Mansfield, na rabeca, e Zara Phillips, nos vocais de apoio.
Ana Lua Caiano – “Vou Ficar Neste Quadrado”– Cantora portuguesa, Ana faz uma mistura de tradições de seu país com música eletrônica, multiplicando sua voz até construir uma orquestra de samples.
Al Di Meola – “Fandango”– Violonista e guitarrista, Al conquistou o jazz-rock como parte do Return to Forever, integrou o espetacular trio acústico formado com Paco De Lucia e John McLaughlin, e, solo, explora caminhos predominantemente latinos, como nesta amostra de seu novo álbum, Twentyfour.
Meril Wubslin – “Un calme” – O trio belga esmerilha seu alt rock progressivo e psicodélico nesta faixa de seu quarto álbum, Faire Ça.
Blitzen Trapper – “Cheap Fantastical Takedown”– A primeira música nova do quarteto de alt folk do Oregon em quatro anos é um diálogo entre um homem e uma mulher em meio a um complicado impasse amoroso, com Anna Tivel encarregada da voz feminina.
Circles Around The Sun – “After Sunrise”– Uma versão moderna, progressiva, de uma faixa do Brazil '77 de Sérgio Mendes, gravada originalmente em 1972, com Mikaela Davis nos vocais e pontuando na harpa para o quarteto angeleno, que normalmente faz apenas música instrumental.
Emicida – “Acabou, mas tem …” – “Belisque o seu próprio braço e pergunte-se: você ainda é capaz de sentir algo?”. Em seu primeiro novo single em três anos, Emicida mergulha fundo no que batizou de neo samba, pespontado por fraseados de clarinete e flauta, num libelo malemolente contra a falta de sensibilidade que grassa. Num contraponto, uma voz de criança costura a faixa inteira com exclamações de “legal”, “bacana”, “da hora”.