O mundo do Dr. Fantástico é o mesmo que o nosso?
Sessenta anos atrás, em plena Guerra Fria, Stanley Kubrick criou uma genial sátira ao perigo da guerra nuclear. A crítica amou. CIA e Pentágono reclamaram. Hoje, o assunto permanece atual
Com Oppenheimer, pule de dez na corrida pelo Oscar, a discussão sobre a Guerra Fria e a ameaça de aniquilação da humanidade pelo uso da bomba atômica voltaram à tona. Mas em 1964 o assunto mobilizou ainda mais a imprensa, os políticos, os militares e a opinião pública – graças a outro filme.
Sessenta anos atrás, o diretor Stanley Kubrick lançou uma sátira à imensa tensão nuclear entre Estados Unidos e União Soviética que envolvia, com humor absurdista, uma questão profundamente séria daqueles tempos: a possibilidade de uma guerra nuclear dizimar a raça humana, algo palpável e presente na lembrança imediata de todos desde que a Crise dos Mísseis em Cuba, evento então recente, mostrou como era fácil, até, se chegar a um confronto entre as duas superpotências de consequências apocalípticas.
Estrelado pelo genial Peter Sellers, que fazia três papéis no filme – o presidente americano, Merkin Muffley; o capitão Lionel Mandrake; e o personagem-título, um cientista alemão com apetite por guerra e cujo braço volta e meia teimava em fazer a saudação nazista – , Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb (ou, como ficou conhecido no Brasil, apenas Dr. Fantástico), rodado em preto e branco (como era a norma dos filmes sérios de suspense e espionagem antes da televisão transmitir programas em cores), criava situações e diálogos hilariantes, enquanto enfocava o que Dorian Lynskey, autor do recém-editado livro Everything Must Go: The Stories We Tell About the End of the World , definiu no site da BBC como “a personificação demoníaca de uma maneira de se pensar a respeito de guerras – muitíssimo inteligente, mas abstraída do derramamento de sangue e da realidade do sofrimento humano – que contagiou muitos cientistas, estrategistas e políticos durante a Guerra Fria”.
A obra de Kubrick estabelecia o duelo de poder, influência e determinação entre o presidente americano e seus conselheiros mais moderados e o lado bélico do governo, aliado ao Dr. Fantástico, especialista em armamentos que propõe, babando de excitação, que os Estados Unidos se preparem criando um oásis para a elite, “1% da população”, povoado com uma fartura de mulheres atraentes, para os homens se recuperarem depois que a guerra nuclear terminasse – para ele, um fato incontornável.
Desde que o filme chegou às telas especulou-se sobre a verdadeira inspiração para o Dr. Fantástico. Haveria uma personalidade no mundo real do início aos meados da década de 1960 que equivalesse à monstruosidade amoral e sinistra do cientista do filme de Kubrick?
As apostas giraram em torno de Edward Teller (físico mostrado recentemente em Oppenheimer, dotado de um forte sotaque húngaro); do cientista alemão Wernher von Braun (que trabalhou no programa espacial dos Estados Unidos depois de ter feito o mesmo para os nazistas); e de Henry Kissinger (especialista em política internacional, ex-Secretário de Estado americano, e, alemão de nascença, também dono de um sotaque carregado).
O mais forte candidato, no entanto, acabou sendo o analista militar americano Herman Khan, corpulento e irascível autor do livro On Thermonuclear War, considerado “obsceno” por seus pares e descrito numa resenha como “um tratado moral sobre assassinato em massa: como planejá-lo, como cometê-lo, como escapar impune, como justificá-lo”. Para Khan, falar sobre a guerra nuclear em termos do fim da humanidade era “perigoso”. E seria “imprudente” não considerar “um plano para a vitória e a sobrevivência”. Tanto a maneira de Herman pensar se parecia com a do Dr. Fantástico que dois jornais ingleses – o Daily Mail e o Times – apontaram para ele como o protótipo do personagem, quando o filme saiu.
Mas argumentos do próprio Peter Sellers puseram água na fervura. O ator disse numa entrevista que compôs o personagem a partir de elementos diversos, nenhum deles relacionados a Khan ou aos demais suspeitos. A luva preta viria do cientista louco Rotwang, personagem de Metropolis, clássico de Fritz Lang filmado em 1927; a voz, adornada com um sotaque alemão, foi emprestada de Weegee, fotógrafo famoso por seus cliques (sempre com flash) de cenas de crime e de personagens anônimos da grande cidade, contratado por Kubrick (seu fã) para registrar os seis meses da produção de Dr. Fantástico (com flash!).
De todo modo, embora possa ter inspiração em características de uma ou outra pessoa da vida real, o Dr. Fantástico nasceu mesmo da imaginação de Kubrick, ao escrever o roteiro. Apesar de ser baseado no livro Two Hours To Doom, do galês Peter George, que recebeu o nome de Red Alert quando saiu nos Estados Unidos, em 1958, o roteiro do longa ganhou um personagem novo, o Dr. Fantástico, criado por Kubrick.
Lançado no final de janeiro de 1964 (era para ter saído um mês antes, mas o assassinato do presidente Kennedy, em novembro, motivou uma mudança nos planos), Dr. Fantástico recebeu elogios quase unânimes da crítica. “Cada ideia sagrada em torno da Guerra Fria é metodicamente varrida por uma enxurrada de sátiras”, entusiasmou-se a revista Esquire. No entanto, houve quem se sentisse mal com piadas sobre assunto tão sério, ainda mais quando naquele tempo os americanos continuavam se preparando de verdade – inclusive, com treinamentos nas escolas – para a possibilidade de um ataque nuclear.
Por sua vez, as autoridades dos Estados Unidos que lidavam com os meandros da Guerra Fria e do arsenal nuclear do país consideraram o filme ultrajante e insultuoso, capaz de “causar danos tão grandes quanto um golpe ou uma revolução”, conforme confidenciou uma fonte do governo a Chalmers Roberts, jornalista do The Washington Post com livre trânsito no Pentágono e na CIA. “Nenhum comunista seria capaz de sonhar um filme anti-americano mais eficiente que esse”, escreveu Roberts.
Para Kubrick, a questão era bem outra, e muito mais grave. À medida em que ia fazendo sua pesquisa para escrever o roteiro do filme, ele percebia o quanto os especialistas no assunto – a guerra nuclear – exibiam um orgulho profissional que “parecia superar por completo qualquer envolvimento pessoal com a possível destruição de seu mundo”.
Sessenta anos depois, o mundo mudou? Como pensam e operam as pessoas encarregadas de guardar os códigos nucleares? Estaríamos mais distantes ou mais próximos do cenário perigoso mostrado no filme de Kubrick?
O escritor Dorian Linskey não é otimista. Porque a forma do Dr. Fantástico pensar, avalia, “não desapareceu. Não se trata de um homem, mas de uma atitude. E atitudes são imortais”.
O legado do paisagista Burle Marx – e os artistas que dialogam com seu trabalho. A Universal Music rompe com o TikTok. Vai fechar a loja que inspirou um clássico da animação. O maestro Isaac Karabtchevsky rumo aos 90 anos, cheio de projetos. O novo livro de Elton John. E o mega sucesso dos ‘ultrashorts’ ultrapassa as fronteiras da China.
– Carnaval chegando, mas quem quiser ficar longe dos festejos e estiver no Rio de Janeiro encontra no MAM uma nova exposição que enfoca o legado de Roberto Burle Marx e apresenta obras de artistas que, de uma forma ou de outra, dialogam com o trabalho do paisagista. Assinada por Pablo Lafuente e Beatriz Lemos – diretor artístico e curadora-chefe do MAM – junto com Isabela Ono – diretora-executiva do Instituto Burle Marx – a mostra apresenta uma fartura de material documental, mais 22 projetos, escolhidos dentre os dois mil criados por Burle (que completaria 115 anos este ano) e seus colaboradores, como o Parque do Flamengo, mais obras selecionadas ou comissionadas de nomes como Luiz Zerbini, Rosana Paulino, Yacunã Tuxá, João Modé e Maria Laet. Um dos projetos expostos é o do Parque Moça Bonita, que seria criado em Bangu mas jamais foi executado.
– A Universal Music – atual maior empresa fonográfica do mundo – retirou do TikTok todo seu catálogo, que vai de Taylor Swift e Drake a Beatles e U2. O motivo: não se chegou a um acordo “satisfatório” na renegociação do contrato de licenciamento das músicas para uso na plataforma. Ainda por cima, a Universal detectou nas postagens uma “enxurrada” de gravações feitas com o uso de Inteligência Artificial. Para a gravadora, o TikTok representa apenas 1% de seu faturamento, e aceitar os termos propostos pela empresa não compensaria.
– Vai fechar, após 86 anos de atividade, a loja de brinquedos em São Francisco, na Califórnia, que serviu de inspiração para o filme Toy Story-Um Mundo de Aventuras. O motivo: a crescente criminalidade na região onde está a loja, o centro da cidade, próximo à Union Square, outrora um ponto chique e charmoso. Um dos donos da Jeffrey’s Toys, Matthew Lund, trabalhava também como animador nos estúdios Pixar, que realizou o longa de animação pioneiro, e levava os colegas à loja para conversar com seu pai, há mais tempo que ele trabalhando lá, e para interagir com o farto estoque de brinquedos.
– O maestro Isaac Karabtchevsky chega a sua nona década de vida a todo vapor. Um dos idealizadores e principal regente do Projeto Aquarius, que desde 1972 leva concertos de música clássica a espaços populares, como a Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, ou o Monumento do Ipiranga, na capital paulista, hoje ele está à frente da Orquestra Petrobras Sinfônica (Opes) e é o diretor artístico do Instituto Baccarelli, de São Paulo. Seus planos para 2024 incluem levar a Opes para sua primeira turnê fora do Brasil (com apresentações na Argentina e no Uruguai) e disponibilizar nas plataformas de streaming três álbuns da orquestra.
– Sai em setembro Farewell Yellow Brick Road: Memories of My Life on Tour, livro onde Elton John compartilha a jornada de cinco anos empreendida em sua turnê de despedida. Além de histórias da estrada, narradas pelo próprio artista, o livro trará imagens de roupas, cenários, listas de convidados especiais, fotos exclusivas e memorabilia variada.
– Já ouviu falar dos ultrashorts? São seriados de ficção produzidos na China especificamente para consumo através de telefones celulares. Como diz o nome, têm duração de pouquíssimos minutos, às vezes apenas um minuto, e os episódios (de 50 a 70, por série) são filmados para serem vistos em telas verticais – e não horizontais, como são as TVs. Ao contrário do que aconteceria numa plataforma de streaming, os ultrashorts são adquiridos separadamente, a um custo que varia entre 25 e 35 dólares, cada série. Os primeiros episódios são gratuitos, mas a partir de um determinado momento são cobrados. O sucesso dos seriados ultra-curtos tem sido tão grande na China – o mercado local cresceu espetaculares 268% no ano passado – que o formato já está sendo exportado para outros países, como Indonésia, Tailândia e Estados Unidos. Só que, em vez de simplesmente legendarem ou dublagem episódios rodados na China, as produtoras preferiram contratar elencos ocidentais para trabalhar em séries criadas a partir de temas ocidentais.
PLAYLIST FAROL 68
O Mombojó revisita Alceu Valença. Gary Clark Jr. mistura África e blues. Americana de raiz de Sarah Shook. A doçura dolente de BAILEN. Kacey Musgraves regrava Bob Marley. O projeto glam rock de Marc Almond. A nova de The Jesus and Mary Chain. James celebra o amor. Assim como o Elbow. E Jim Capaldi + George Harrison
Mombojó – “Estação da Luz”– O sétimo álbum de estúdio do quinteto pernambucano é uma homenagem ao repertório do conterrâneo Alceu Valença, um disco solar e efervescente, onde o compositor e seus intérpretes dialogam em absoluta sintonia, numa combinação de rock e regionalismo que remonta ao inicio da carreira de Alceu.
Gary Clark Jr. – “Maktub”– O guitarrista texano combina África e blues americano numa faixa crua e primal, toda guitarras, percussão, vocais febris e até rap, parte de seu novo álbum, JPEG RAW, que sai em março.
Sarah Shook & The Disarmers – “Revelations”– Shook vem da Carolina do Norte e faz inspirada Americana de raiz, acompanhada por um quarteto afiado, fluente tanto em rock rasgado quanto em country clássico.
BAILEN – “These Bones”– O trio nova-iorquino convocou o cantor-compositor Amos Lee para adicionar sua voz blueseira, vivida, aos vocais doces de uma canção dolente, sobre resiliência, que parece combinar partes de Paul Simon com outras de Sufjan Stevens.
Kacey Musgraves – “Three Little Birds”– Versão para um dos maiores sucessos de Bob Marley, encomendada a uma das maiores estrelas do country moderno, produzida quase como uma cantiga de ninar, parte da trilha da cinebio do gigante do reggae.
The Loveless – “Elected'"– Marc Almond, voz, cérebro e coração do Soft Cell, cujo synth pop teve enorme sucesso na década de 1980, criou um novo projeto de glam rock – junto com Neal X, guitarrista do Sigue Sigue Sputnik – e saiu regravando alguns clássicos do rock dos anos 1970, como esse petardo do Alice Cooper.
The Jesus and Mary Chain – “Chemical Animal”– A dupla veterana escocesa do rock alternativo – formada pelos irmãos Jim e William Reid – continua disponibilizando partes de seu oitavo álbum, Glasgow Eyes, previsto para sair, na íntegra, em março.
James – “Is This Love”– Outro grupo veterano da década de 1980, o hoje noneto de Manchester, com mais de 40 anos de carreira, lança em março o álbum Yummy, seu 18º.
Elbow – “Lover’s Leap”– Também de Manchester, a banda liderada pelo vocalista Guy Garvey vem com uma faixa meditativa mas pulsante de seu décimo álbum, AUDIO VERTIGO, impulsionada por fraseados frenéticos de metais.
Jim Capaldi – “Love’s Got A Hold On Me" – Finalizando o vibe “amor” desse final de playlist, um novo caixote com versões remasterizadas dos dois últimos álbuns lançados por Capaldi – baterista, cantor e compositor, um dos fundadores do seminal Traffic – antes de morrer, em 2005, traz esta faixa com George Harrison solando num timbre praticamente idêntico ao usado pelo ex-Beatle em “Free As A Bird”.