'O melhor filme que já fiz', 30 anos depois
Uma revisita à gênese e à realização de 'A Lista de Schindler', redenção artística e espiritual de Steven Spielberg que deu ao diretor seu primeiro Oscar, em 1994
O longa em preto-e-branco sobre o empresário alemão que salvou 1.200 judeus dos horrores do Holocausto rendeu a Steven Spielberg seu primeiro Oscar de Melhor Direção – e recebeu a estatueta de Melhor Filme de 1994 na mesma premiação.
No entanto, a trajetória de A Lista de Schindler poderia ter sido totalmente diferente no cinema, caso permanecesse com o diretor inicialmente escalado para o projeto – Martin Scorsese – e fosse estrelado não por Liam Neeson, mas por Harrison Ford ou Mel Gibson, algumas das primeiras opções cogitadas. Ou, então, não ficaria pronto a tempo, caso George Lucas não tivesse se prontificado a ajudar na finalização de outro filme, um arrasa-quarteirão de visual revolucionário. E não seria a redenção artística e espiritual de Spielberg, campeão do cinema pop determinado a fazer um filme de peso, “de gente grande”, que o aproximasse de suas raízes judaicas.
Os caminhos tomados pelo filme – considerado por Spielberg seu melhor trabalho – foram revisitados recentemente numa conversa a muitas vozes com Steven, Neeson e atores, agentes e produtores envolvidos na realização de A Lista de Schindler, compilada pela revista The Hollywood Reporter.
A ideia para se filmar a história de Oskar Schindler chegou a Spielberg logo assim que estreou E.T.-O Extraterrestre, em 1982. O presidente da Universal Pictures, que havia lançado o filme, ligou para Steven para cumprimentá-lo pelo bom resultado na bilheteria e sugeriu que ele lesse um livro que descobrira através de uma resenha no The New York Times: A Arca de Schindler, escrito pelo australiano Thomas Keneally após ter conhecido em Beverly Hills, na Califórnia, Leopold Page, um dos judeus resgatados por Oskar.
Curiosamente, bem antes, em 1963, esse mesmo Page havia tentado convencer Hollywood a filmar a vida de Schindler. Howard Koch, um dos roteiristas do clássico Casablanca, chegou a escrever um script e o ofereceu à MGM. Sean Connery – sensação naquele momento como James Bond – faria Oskar na tela. Só que o projeto desandou.
Spielberg se encantou com o livro, mas não conseguia enxergar a forma de contar aquela história num filme da maneira adequada. Escalou diversos roteiristas, mas nenhum script o satisfazia. Até que conversou com o colega Martin Scorsese e praticamente deu a ele o projeto. A primeira providência de Scorsese foi contratar um novo roteirista – Steve Zaillan – e este, sim, fez a melhor adaptação do livro de Keneally. A vida de Schindler estava pronta para ser filmada.
Entra em cena o agente de Martin – o então todo-poderoso Mike Ovitz, da CAA. Mike queria ser representante também de Spielberg e enxergou uma oportunidade. Sabia que Steven estava desenvolvendo uma nova versão de O Cabo do Medo e acreditava que Scorsese seria a melhor opção para a refeitura do filme de 1962. Também tinha a informação de que Spielberg talvez tivesse se arrependido de abandonar o projeto sobre Schindler. Ovitz propôs, então, uma troca: e se Martin ficasse com a refeitura, trazendo seu ator-assinatura Robert De Niro para estrelar, e Spielberg recebesse de volta a história de Schindler? Afinal, Scorsese não era judeu, e Steven tinha uma paixão singular pelo projeto.
Embora Martin e Steven neguem hoje que tenha havido uma troca entre eles, os projetos mudaram de mãos. E Ovitz tornou-se agente de Spielberg.
O obstáculo seguinte era convencer a Universal a concordar que Spielberg filmasse A Lista de Schindler na Europa enquanto ainda precisava finalizar em Los Angeles a pós-produção de Jurassic Park-O Parque dos Dinossauros – essa, sim, a maior prioridade do estúdio. A solução de Steven veio sob a forma de um grande amigo e parceiro: George Lucas se comprometeu a mixar o som de Jurassic Park para que Spielberg pudesse fazer o filme que era tão importante para ele.
Mas muitos outros problemas surgiriam. O estúdio não queria um filme em preto-e-branco. Propôs até um meio termo: pode sair em PB para as salas de exibição. Mas deveria existir também uma versão em cores – para os videocassetes. Prevaleceu o desejo do diretor, depois de Ovitz ter jogado pesado nas tratativas. Ainda assim, a Universal insistia em um grande astro para ser Oskar Schindler nas telas: Kevin Costner, por exemplo. Ou Mel Gibson. Que tal Harrison Ford, com quem Spielberg já havia trabalhado antes? Novamente, Steven triunfou e escalou para o papel principal do filme um ator não tão conhecido, estimulado, em boa parte, por sua esposa, a também atriz Kate Capshaw.
Filmar no interior dos alojamentos do campo de concentração de Auschwitz, como o diretor desejava, mostrou-se impossível. Os administradores permitiam apenas documentários lá dentro, e não filmes dramáticos. Spielberg tirou da cartola uma saída brilhante: filmaria do lado de fora, construindo réplicas das instalações verdadeiras, aproveitando-se apenas da guarita original. O que foi aceito.
As filmagens, propriamente ditas, ocorreram ao longo de 72 dias, durante os quais Spielberg trabalhou rápido e sem o uso de storyboards – os desenhos que ajudam na pré-visualização de cada sequência. E no final de cada semana ele recebia um telefonema de um amigo, em especial, para animá-lo após mais uma jornada de trabalho duríssima, em termos físicos e emocionais. Toda sexta-feira Robin Williams ligava para fazer Steven relaxar com até 20 minutos de piadas.
Quando A Lista de Schindler estreou, em dezembro de 1993, a Universal estava preparada para um resultado conservador nas bilheterias. Algo em torno de 25 milhões de dólares. E só. Errou feio: computados todos os países onde foi exibido, o filme angariou 322 milhões de dólares.
Spielberg, entretanto, surpreendeu-se quando, em março de 1994, recebeu o Oscar pela direção do filme. “Sempre disse a meus amigos, em particular, que eu seria como Sidney Lumet ou Alfred Hitchcock”, explicou Steven à The Hollywood Reporter, comparando-se a grandes diretores que nunca receberam uma estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. E quando seu nome foi lido no Dorothy Chandler Pavilion, em Los Angeles, por Clint Eastwood, “foi como se tivesse passado um longo tempo no deserto e de repente chovesse maná do céu".
“É o melhor filme que já fiz”, Spielberg afirmou à revista. “Não é o melhor dentre os que ainda vou fazer, mas no momento é o filme do qual mais me orgulho”.
O WcDonald's invade o mundo real. Morar no apartamento de um autor renomado de livros traz inspiração? Um museu coleciona equipamentos 'vintage’ de TV. Quem inventou a língua falada por Timothée Chalamet em 'Dune'? E começa a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo.
– Bem-vindos ao WcDonald’s – a versão anime da famosa rede de lanchonetes. Só que no mundo real. Por tempo limitado, numa ação promocional, lojas em 30 países incorporarão a estética anime e o nome diferente que já vinham sendo utilizados em mangas japoneses há décadas (como Cat’s Eye), oferecendo embalagens especiais e um molho novo, mais uma série de quatro curtas anime e mangas envolvendo a marca WcDonald’s. Os curtas – encomendados ao mesmo Studio Pierrot responsável por animações como Naruto, um clássico do gênero) estarão disponíveis online ou poderão ser acessados via códigos QR estampados nas embalagens da comida comprada nas lojas, que, por sua vez, serão envelopadas internamente com projeções imersivas. Também foram produzidos quatro mangas digitais, ilustrados por Acky Bright, que já trabalhou com a DC Comics e o grupo musical The Gorillaz.
– Que tal morar por um tempo no mesmo apartamento onde um grande escritor criou alguns de seus trabalhos mais importantes? Pois é o que está sendo feito com a antiga moradia de Sérgio Sant'Anna, um dos grandes contistas brasileiros, no bairro de Laranjeiras, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Ali estão quase todos os móveis onde Sérgio trabalhou até sua morte, aos 78 anos, em 2020. Nasceram naquele imóvel contos ambientados nas cercanias do apartamento, como o restaurante Lamas e o Largo do Machado. Será que passar alguns dias ali serviria de inspiração para escritores criarem outros contos ou mesmo livros inteiros?
– O Brasil vivenciou inúmeros incêndios em estações de TV que destruíram equipamentos e acervos históricos, insubstituíveis. Do outro lado do Atlântico, um museu resolveu colecionar e exibir as máquinas “vintage”utilizadas para registrar em filme ou fitas de vídeo reportagens e programas de TV. Localizado na pequena cidade inglesa de Lincolnshire, o espaço mantido pelo Broadcast Engineering Group reúne 100 peças que formam a maior coleção do gênero em todo o mundo. A lista de equipamentos inclui a câmera usada pela BBC na cerimônia de coroação da Rainha Elizabeth II, em junho de 1953. E, ironicamente, algumas das peças da coleção aparecem em episódios da série The Crown, que dramatiza a vida da família real britânica.
– Quando Timotheé Chalamet – no papel do protagonista Paul Atreides – se dirige a suas tropas no deserto em Dune, ele está falando uma língua fictícia criada por David J. Peterson. Formado pela Universidade da Califórnia em San Diego, com um mestrado em linguística, ele é um conlanger: um especialista em criar línguas de mentirinha para uso em filmes ou séries. Foi ele quem inventou as línguas Dothraki e Alto Valiriano para Game of Thrones. No decorrer de sua carreira, David já estudou mais de 20 línguas.
– Acontece entre hoje e 10 de março a nona edição da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, com espetáculos trazidos da África, do Oriente Médio, da Ásia e da América do Sul, uma programação que busca diálogos entre diferentes culturas. Felipe Hirsch é um dos representantes brasileiros, com a estreia de sua peça Agora É Tudo Tão Velho-Fantasmagoria IV, encenada pelo coletivo Ultralíricos.
PLAYLIST FAROL 72
Paul Weller, reflexivo. O country com histórias negras de Rhiannon Giddens. O jazz do pernambucano Amaro Freitas. Laura Cannell e seu lamento do século 14. Richard Hawley homenageia Sheffield. Sean Ono Lennon mergulha no jazz-rock. Adrianne Lenker, descontraída. Nathalie Joachim combina música clássica e hip hop. Bill Fay, depois da revolução. E Caetano grava uma favorita de Guilherme.
Paul Weller – “Soul Wandering”– Um dos ícones do rock britânico, Paul dá uma amostra do seu mais recente álbum, o reflexivo 66, inspirado na inexorável passagem do tempo.
Rhiannon Giddens – “The Ballad of Sally Anne”– Parte de um álbum em homenagem ao trabalho de Alice Randall, compositora que incorporava a sua música country histórias do universo do negro americano, gravada por uma artista que é uma das principais forças do folk e do country blues americanos.
Amaro Freitas – “Mar de Cirandeira”– Em seu excelente novo álbum, o recém-lançado Y’Y, o pianista pernambucano combina os sons das águas da floresta amazônica e dos povos originários e o jazz que ouviu de gigantes como John Coltrane e Charlie Parker.
Laura Cannell – “Lyke Wake Dirge”– A violinista britânica utiliza um instrumento medieval – o hurdy-gurdy, misto de violino e gaita-de-fole – num lamento composto no século 14, criando um efeito fantasmagórico.
Richard Hawley – “Two for His Heels”– Em seu décimo álbum, In This City They Call You Love, o cantor-compositor escocês combina suas elegantes baladas com um lado mais sombrio, num disco que fala de sua cidade-natal, Sheffield, ex-polo metalúrgico.
Sean Ono Lennon – “Asterisms”– O herdeiro musical mais jovem da linhagem Lennon mergulha de cabeça no jazz-rock em um álbum instrumental meditativo, parido em plena pandemia.
Adrianne Lenker– “Fool”– A vocalista do Big Thief tem um lado mais informal, descontraído e romântico, que ela explora em seu disco solo, o novo Bright Future.
Nathalie Joachim – “Ki moun ou ye”– Americana com raízes haitianas, Nathalie compõe, canta e toca flauta numa inebriante mistura de música clássica, hip hop e música eletrônica.
Bill Fay – “After The Revolution”– Do alto de seus 80 anos, o pianista, cantor e compositor britânico desenvolveu uma carreira singular: desconhecido pela maioria, venerado por gerações de músicos. Seu álbum Life Is People, de 2012, produzido por Jeff Tweedy, do Wilco (um de seus fãs incondicionais) e uma verdadeira obra-prima, foi uma surpresa para quem não o tinha ouvido ainda, um disco repleto de meditações e toques zen em celebração à força da vida, músicas sutis, mas de uma profundidade infinita. Agora, saiu Tomorrow Tomorrow and Tomorrow, coleção de gravações feitas pelo quarteto The Bill Fay Group entre 1978 e 1981, onde estão registrados momentos da evolução do folk tingido de jazz do artista.
Caetano Veloso – “La Mer" – Essa canção de 1945 era uma das músicas favoritas de Guilherme Araújo, empresário dos baianos nas décadas de 1960 e 1970. Embora já a tivesse cantado em show, só agora Caetano resolveu gravá-la, para a trilha sonora do documentário francês Une famille, apresentado na última edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim.