O futuro, segundo Francis Ford Coppola
O diretor (e empresário) americano ofereceu a uma plateia espanhola sua visão de como precisamos nos preparar para mudanças nos próximos 50 anos que nem conseguimos antever. E tem IA no meio
Abraçar o futuro é não se preocupar em ter que vestir meias de um mesmo par, disse o homem de 84 anos para a plateia reunida no auditório da IE University, escola de negócios em Madri, na Espanha, semana passada.
O homem era o cineasta Francis Ford Coppola. E ele estava ali para participar de um encontro em torno do tema "Tendências para os próximos 50 anos”, onde foram discutidos os possíveis caminhos na educação, nas humanidades, na Inteligência Artificial e na sustentabilidade. Vestindo uma meia azul e outra verde.
“Sempre misturei minhas meias”, admitiu ao público espanhol. “Faço isso há décadas. Mas agora é moda. Nunca se sabe”.
A IE University havia realizado uma pesquisa junto a oito mil cidadãos dos países do G20 para saber o que anteviam para daqui a meio século, e 80% disseram que a Inteligência Artificial teria participação essencial na sociedade quando 2073 chegar. Mais de um terço dos respondentes acredita que a IA dominará todos os aspectos da nossa vida – saúde, trabalho, educação, por exemplo. E Coppola foi convidado para elaborar em cima das descobertas dessa pesquisa, justo quando a universidade espanhola estava anunciando a criação de uma Escola de Humanas. Como artista e empresário – possui também hotéis e vinhedos –, com sua habitual verve e sua versatilidade, tinha muito a dizer.
Coppola também vislumbra um futuro com forte predominância da Inteligência Artificial, mas garante que sempre haverá um arbitragem por parte das ciências humanas. “Há uma tendência em se concentrar nas habilidades práticas e técnicas”, disse Coppola, “mas creio que as artes e as humanas também são essenciais para o desenvolvimento humano e para a formação de cidadãos informados e reflexivos”.
As novas ferramentas tecnológicas que já existem e que surgirão daqui para a frente entusiasmam Coppola, cujo trabalho no cinema sempre buscou expandir as possibilidades de sua arte. Foi ele, por exemplo, um dos primeiros a usar a edição não-linear em filmes, como fez em O Fundo do Coração, de 1981. E foi ele que, 30 anos atrás, numa entrevista, predisse que a internet seria o futuro. “Contar histórias é algo que se reinventa constantemente. Diria que os filmes que meus bisnetos verão estão muito distantes do que (hoje) sou capaz de imaginar”, admitiu para a plateia.
No entanto, “há que haver regulamentação”, e o uso da IA, se não pudermos deixá-la "guardada numa caixa”, não deve deixar de lado o elemento humano, jamais. “Precisamos educar a IA como se fosse mais um filho nosso”, exemplificou.
“Se pudéssemos construir uma IA com consciência, teríamos que tratá-la como se fosse um descendente nosso”, argumentou Coppola. “Precisamos entender que nossos descendentes não serão apenas de sangue”. No entanto, para ele é preciso manter esse novo tipo de familiar na rédea curta. “Se não controlarmos a IA, ela se tornará muito mais inteligente que nós e pode vir a desenvolver um software que não nos inclua!”.
“Já temos computadores que aprendem com sua própria experiência e são capazes de escrever código”, alertou. "Isso é aterrador”.
Francis aproveitou a ocasião para falar um pouco também sobre um de seus projetos mais ambiciosos, o longa Megalopolis, orçado em mais de 120 milhões de dólares e com Adam Driver, Aubrey Plaza, Forest Whitaker, Jon Voight e Shia LaBeouf no elenco. No novo filme ele deseja mostrar uma “história moderna dos Estados Unidos” com toques clássicos. "A América de hoje está sofrendo as mesmas dificuldades por que Roma passou, 2.500 anos atrás. Então, pensei em fazer uma epopeia romana”.
E Coppola propõe algo em especial para todos nos prepararmos para o futuro? "Viver e desfrutar a vida, ser feliz, aprender, criar, aperfeiçoar”, aconselhou, antes de adicionar outro elemento. “Ler Dom Quixote. Em espanhol”.
Johnny Marr apresenta suas armas. O que Milei fará com o audiovisual argentino? A carioca negra e filha de uma empregada doméstica que foi a primeira brasileira a cantar na Ópera de Paris. Dados da Cinemateca Negra demonstram a pequena representatividade negra e parda no audiovisual brasileiro. E Stephen King abre sua biblioteca pessoal a visitas.
– Não é surpresa que Johnny Marr ame as guitarras. Afinal, o ex-fundador dos Smiths e hoje artista solo consagrado é um dos mais importantes guitarristas de sua geração. Nada mais justo, portanto, que o músico britânico escreva um livro onde se debruça sobre seus 132 instrumentos, Marr's Guitars. São as ferramentas que “transformaram meus devaneios em sons”, diz Johnny. Na verdade, ele garante que algumas de suas guitarras já traziam dentro delas músicas inteiras dos Smiths. Foi assim, por exemplo, com sua Epiphone Casino 1963. Bastou começar a tocá-la que logo saiu “How Soon Is Now”.
– A eleição de Javier Milei para a presidência da Argentina levanta indagações sobre o futuro do tão estimado cinema feito naquele país. E justo quando começa em Buenos Aires o Ventana Sur, evento anual que é o maior mercado de audiovisual da América Latina. Afinal, durante a campanha Milei prometeu aniquilar o Ministério da Cultura argentino e a INCAA, a agência nacional de cinema e TV – que vem a ser uma das co-organizadoras do Ventana Sur. A agência, por um lado, teria certa autonomia para funcionar, e seria bem difícil dar fim a ela. Mas como ela viria a funcionar sob o governo Milei ainda é uma incógnita.
– Muito pouca gente sabe que a primeira brasileira a cantar na Ópera de Paris, a mais tradicional da França, foi uma carioca negra e filha de uma empregada doméstica. Felizmente, pessoas atentas – como a dramaturga Dione Carlos, também carioca, e a jornalista sul-mato-grossense Mazé Torquato Chotil, residente há quatro décadas na capital francesa – conseguiram resgatar a história de Maria D’Apparecida e refrescar a memória dos mais velhos e apresentá-la às novas gerações. Dione e Mazé escreveram livros sobre a personagem, que ganhou agora um enorme perfil feito por Daniel Salomão Roque para a BBC News. Com 20 discos gravados – inclusive, de MPB, ao lado de Baden Powell – , agraciada com o título de Oficial da Legião de Honra, uma das mais altas condecorações do governo francês, homenageada por Carlos Drummond de Andrade com um poema (“Tua voz … vem das entranhas do vento e dos coqueirais, do sigilo dos minérios e das formações vulcânicas do amor”), Maria conviveu com alguns dos principais nomes da cultura europeia do século 20. Criança, ela caiu nas graças da família para onde a mãe trabalhava, na Tijuca, bairro do Rio de Janeiro, e, graças a isso, mergulhou no mundo das artes, até se decidir pelo canto operístico. "Acho que todo brasileiro tem vocação (para cantar)”, ela disse, numa entrevista. "Você vê, chofer de táxi, empregada doméstica, todos cantam. Só que eu, mulata pernóstica, queria fazer ópera.”. Ela chegou a Paris após um período estudando na Alemanha, graças a uma bolsa.
– Enquanto isso, levantamento feito pela Cinemateca Negra apurou que apenas 10% dos filmes brasileiros lançados entre os anos 2010 e 2020 foram dirigidos por pessoas negras. Entre 1949 e 2022, a maior parte das obras com diretores negros foi produzida num mesmo e breve período, justo as décadas de 2010 e 2020, que representam 83% do total de filmes feitos no decorrer de 73 anos. O recorde de produção acontece na década de 2010, com 586 películas comandadas por pretos e pardos.
– Que tal uma visita à biblioteca de Stephen King, o legendário escritor de livros de terror? Melhor ainda, acompanhada por ele mesmo? Pois isso tornou-se possível graças a uma nova coluna do diário americano The Washington Post. O jornalista John Williams passou um final de tarde conversando sobre os livros que King abriga na casa em Bangor, Maine, onde viveu muitos anos, a partir de 1976, hoje transformada numa fundação dedicada a questões ambientais e sociais da região. Ou seja, o acervo de King (ou grande parte dele) é hoje aberto ao público. Entre os livros destacados na visita, Williams pode folhear A Thousand Years A Minute, de Carl H Claudy – lançado em 1933 e descrito por Stephen como o Jurassic Park do seu tempo – e as cartas publicadas de H. P. Lovecraft, mestre do terror, da fantasia e da ficção-científica que tanto inspirou King.
PLAYLIST FAROL 62
Iggy Pop e Trevor Horn dão sua versão ao Jesus do Depeche Mode. Sam Bean celebra, ao vivo, duas décadas de Iron & Wine. Andre 3000 cai de boca na New Age. O jazz quase abstrato de Thandi Ntuli. Vashti Bunyan + Devendra Banhart. Björk + Rosalia. Dolly Parton canta Led Zeppelin. Juliana Hatfield revisita ELO. Midland regrava Jimmy Webb. E Abuso Khoza mistura tradições Zulu e jazz.
Iggy Pop/Trevor Horn – “Personal Jesus”– O Sr. Iguana usa sua voz mais gutural para invocar o antigo hit do Depeche Mode para uma das faixas do novo álbum do ex-Yes e ex-Bugles, Echoes – Ancient & Modern, todo só de covers.
The Trapeze Swinger – “Iron & Wine”– Sam Bean reuniu novas gravações de seus quase 20 anos de discografia à frente do Iron & Wine num filme sobre sua trajetória, Who Can See Forever. A trilha-sonora é espalhada generosamente por um álbum duplo.
Andre 3000 – “Dreams Once Buried Beneath The Dungeon Floor Slowly Sprout Into Undying Gardens“ – Metade do Outkast, ator e artista hip-hop à frente do seu tempo, André surpreende com New Blue Sun, novo álbum solo onde opta por uma sonoridade New Age, ambient. Ele não canta no disco e praticamente só utiliza instrumentos de sopro, como se ouve nesta faixa de 17 minutos – de título super comprido –, que fecha o álbum.
Thandi Ntuli – “Sunset (In California)”– A pianista e vocalista sul-africana Ntuli acaba de lançar seu terceiro álbum, Rainbow Revisited, onde faz um jazz arrojado e, aqui, quase abstrato, com sua voz criando fraseados sem palavras para dialogar com o piano de Abdullah Ibrahim.
Vashti Bunyan/Devendra Banhart – “How Could You Let Me Go”– Uma das artistas mais cultuadas do folk britânico, a veteranérrima Vashti une sua voz à do incansável Banhart para regravar uma versão dream-folk de uma faixa eighties de Madelynn Von Ritz, ou Lynn Castle, como é mais conhecida.
Björk/Rosalia – "Oral”– Outra dobradinha interessante, aqui combinando a sofisticação e o experimentalismo da islandesa com a ginga da espanhola. Curiosamente, essa música, composta por Björk 25 anos atrás, foi inspirada no dancehall – parente mais velho do reaggaeton –, mas ficou na gaveta porque a cantora achava ser demasiadamente pop para aquele momento de sua carreira.
Dolly Parton – “Stairway To Heaven”– A veterana diva do country abre uma trinca de covers em nossa playlist com sua versão para um dos maiores clássicos do Led Zeppelin, gravada para o primeiro álbum de rock feito por Dolly, apropriadamente batizado Rockstar.
Juliana Hatfield – “Telephone Line” – Um dos nomes mais conhecidos do indie pop-rock dos anos 1990, Juliana gravou todo um álbum dedicado ao repertório da Electric Light Orchestra, de Jeff Lynne, a ELO, registrado no próprio quarto de dormir da artista.
Midland – “Wichita Lineman”– E o quinteto texano de country contemporâneo revisitou a canção de Jimmy Webb imortalizada por Glen Campbell em sua gravação clássica, de 1968.
Abuso Khoza – “Sibisiwe”– Vocalista sul-africano (mais um na playlist da semana!), Khoza mistura as tradições Zulu ao jazz em seu novo álbum, o estimulante Ifa Lomkono.