O destruidor de sonhos
Um impostor seduziu autônomos da indústria do cinema, fingindo ser executivas de Hollywood com propostas irrecusáveis de trabalho. Embolsou o dinheiro das vítimas – e as massacrou, psicologicamente
Você é um roteirista, um fotógrafo, um ator baseado em Hollywood. De repente, recebe a ligação de uma conhecidíssima e superpoderosa executiva de um dos maiores estúdios de cinema. Ela oferece uma oportunidade de trabalho num projeto que ainda está sendo delineado: um filme com Tom Cruise.
Seus talentos parecem ideais, você foi altamente recomendado. Mas para participar precisa cumprir uma série de testes e etapas.
Topa viajar até a Indonésia e ter aulas de artes marciais e de postura para se preparar para o papel? Ou voar para Bali e tirar uma série de fotos de templos para compor os storyboards que irão ajudar a atrair investidores para o filme?
Os custos da viagem e do treinamento vão correr por sua conta, mas fique tranquilo, você logo será reembolsado, garantido.
De 2010 a 2020, cerca de 500 pessoas caíram nesse conto do vigário, de dublês a chefs, de maquiadores a fotógrafos, de seguranças a lutadores de artes marciais. Juntas, perderam algo em torno de dois milhões de dólares.
Todo esse dano foi causado por uma única pessoa, baseada em Londres: o influencer gastronômico Hargobind Tahilramani, dono do perfil Purebytes, no Instagram. Ou Harvey, seu apelido adquirido durante a infância, em Jacarta.
Imitando no telefone figuras poderosas do cinema e utilizando seu poder de persuasão, Harvey enganou toda essa gente, com impressionante facilidade. Até ser desmascarado.
A rocambolesca história do mega-golpe engendrado por Harvey é objeto do documentário A Rainha da Trapaça de Hollywood, já disponível para streaming na Apple TV +, e mostra o quanto a busca por uma carreira bem-sucedida no cinema, pelo sonho de fama e glória, pode levar a armadilhas custosas.
Tendo como base as reportagens do jornalista Scott Johnson, que levantou a bola do assunto pela primeira vez nas páginas da revista The Hollywood Reporter e depois escreveu um livro sobre o tema, The Con Queen of Hollywood: The Hunt for an Evil Genius, o documentário traz depoimentos de vítimas e da investigadora Nicoletta Kotsianas, inicialmente contratada por Amy Pascal, chefona da Sony Pictures Entertainment e uma das altas executivas por quem Harvey se fez passar, usando voz de mulher. Através de um trabalho diligente e meticuloso, cruzando informações e postagens no Instagram, Nicoletta chegou ao principal suspeito de roubar a identidade de dezenas de produtores famosos – a maioria, mulheres, como Kathleen Kennedy, da Lucasfilm, e Sheryl Lansing, ex-diretora geral da Paramount – para oferecer oportunidades falsas e se aproveitar de autônomos da indústria de entretenimento que procuravam seu próximo trabalho.
O mais intrigante é que o ganho financeiro pareceu ter menor importância para Harvey. Seu objetivo principal seria manipular as pessoas, mexer com elas, torná-las obedientes a seus comandos. Até induzi-las a praticar sexo por telefone, fingindo ser alguém poderoso.
“Ele tem uma história na cabeça e não sabe definir o que é verdadeiro e o que é errado”, explicou a Scott Johnson a estilista Lia Ananta, conhecida de longa data de Harvey. “Ele está perdido em sua própria história. É capaz de ler os sentimentos das pessoas, é um ser maligno em forma semi-humanóide se apoderando das almas dos outros e vomitando nos sonhos delas”. Uma espécie de Gollum, da trilogia O Senhor dos Anéis, é como ela o resumiria.
“Ele é uma correnteza que envolve você e, quando você acha que vai conseguir nadar, se afoga”, diz Amisha, a própria irmã de Harvey.
Anteriormente à trapaça em Hollywood, Harvey já havia causado danos físicos a pessoas. Na juventude, empurrou uma moça escada abaixo, quando fazia faculdade nos Estados Unidos, e ameaçou pessoas com bombas e morte. Passou um período preso, acusado de terrorismo. E, agora preso em Londres, à espera de ser extraditado para Los Angeles, onde será julgado, Harvey não demonstra arrependimento algum, ou vergonha. Demonstra até vaidade pelos atos praticados.
Johnson tem sua própria teoria para explicar o comportamento de Harvey, conforme expôs à revista Time. Para ele, as ações do criminoso são enraizadas num “ressentimento por suas tentativas fracassadas de ter alguma importância em Hollywood numa época passada de sua vida”. De fato, houve uma época em que Harvey se apresentava como sendo um executivo da HBO, o que era mentira.
“Imagine se alguma coisa maravilhosa acontecer comigo depois de tudo isso?”, Harvey disse a Johnson, numa das muitas entrevistas que fez com ele depois de ser descoberto morando num apart-hotel em Manchester, na Inglaterra. “Já pensou?”.
Roger Corman
O “Orson Welles dos filmes Z”
Ao longo de sete décadas de carreira, Roger Corman dirigiu mais de 50 filmes e produziu mais de 350, a maioria de maneira independente. Todos eram realizados de maneira eficiente e barata, com pouquíssimo dinheiro e em tempo curto. Muitos tornaram-se clássicos – como A Pequena Loja de Horrores (1960) e Piranha (1978).
Mas, acima do título de “Orson Welles dos filmes Z”, como ele mesmo se descrevia, Roger precisa ser lembrado como o mentor de jovens interessados em trabalhar no cinema que treinaram duro – e com liberdade – nas produções de Corman antes de virar grandes nomes em seu ofício, gente como James Cameron, Ron Howard, Martin Scorsese, Gale Anne Hurd, Joe Dante, Jonathan Demme, Peter Bognadovich e Francis Ford Coppola. Atores que passaram por seus filmes incluem Jack Nicholson, Peter Fonda, Charles Bronson, Sylvester Stallone e Robert De Niro.
Roger Corman morreu na semana passada, aos 98 anos, quatro anos depois de garantir não ter interesse algum em se aposentar. “Para quê?”, indagou, “ainda sou tão jovem!”.
Paulo César Pereio
O rosto do cinema brasileiro
Um dos atores mais prolíficos (e mais reconhecíveis) de sua geração, com 60 filmes no currículo, o gaúcho Paulo César Pereio saltou do teatro – onde integrou elencos de peças variadas, de Pluft, O Fantasminha a Roda Viva – para as telas num momento de grande efervescência artística, e tornou-se um dos grandes nomes do cinema brasileiro dos anos 1960 a 1980, favorito de realizadores como Ruy Guerra, Gustavo Dahl, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Arnaldo Jabor e Glauber Rocha. Tornou-se, assim, o principal rosto do cinema brasileiro de seu tempo,
Trabalhou na TV, também – por exemplo, em novelas como Roque Santeiro e Gabriela – e beneficiou-se de sua voz marcante e singular para prosperar no mercado de publicidade quando os papéis secavam.
Para muitos, no entanto, imprimiu a imagem de um rebelde imprevisível, dado a arroubos de sarcasmo, o que rendeu-lhe uma aura de maldito. “Não sou mal-educado”, Pereio explicou num documentário sobre sua vida e seu trabalho. “Sou escroto, mesmo”. Paulo César morreu na semana passada, aos 83 anos.
Pornografia feminista e ética. A música que embala as compras. O videoclube mais antigo da Espanha resiste. A FLUP homenageia uma pioneira do movimento negro no Brasil. O glamur ‘vintage’, clássico, do Festival de Cannes.
– Pornografia feminista? Ética? Diretoras de filmes pornográficos direcionados para o público feminino, assim como um grupo de sexólogos, apontam para uma mudança na produção recente, com sequências menos sórdidas e mais inclusivas. É assim como pensa, por exemplo, a diretora espanhola Irina Vega, cuja produtora, a Altporn4U, traz em seu site um manifesto que celebra todos os tipos de corpo, todas as identidades de gênero, idades (desde que acima do limite legal da maioridade) e etnicidades. Além disso, antes de cada filmagem, os atores discutem quem serão seus parceiros sexuais na cena, e acordam suas preferências e ações. “O prazer dos atores importa”, Irina afirma.
– Curta a música – e boas compras. Este é o ponto de partida para o trabalho das empresas de music branding, encarregadas da curadoria de playlists customizadas para as lojas. O objetivo é estimular o comércio ao conquistar os clientes com a música ambiente. É um trabalho que envolve estudo do perfil da marca, entrevistas com funcionários e donos, visitas às lojas, tudo para compreender a fundo a identidade da marca e, principalmente, saber como ela se comunica com seu consumidor. É assim que a trilha das lojas da marca Farm, especializada em roupas femininas coloridas, de estampas florais, prioriza a música brasileira. A Starbucks, por sua vez, usa um indie folk ou um indie pop mais suaves para combinar melhor com os tons terrosos de sua decoração. Dessa forma, artistas brasileiros como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Céu, Gal Costa e Jorge Benjor dominam o repertório das lojas no país. Dentre os artistas de fora, os favoritos são Dua Lipa, Maroon 5, Yan Muller, Pomplamoose e Ariana Grande. De acordo com Ulysses Reis, professor de varejo na FGV, a música cria uma identidade de marca e melhora a experiência do consumidor no ponto de venda.
– Você deve lembrar dos videoclubes, associações onde os membros compartilhavam um determinado acervo de fitas, mediante o pagamento de uma taxa. Acha que desapareceram por completo? Mesmo em tempos de streaming, alguns deles sobrevivem. Como o Video Instan, o mais antigo de toda a Espanha, localizado em Barcelona. Ele resiste bravamente num universo rarefeito. Em 2005, eram cerca de sete mil videoclubes em atividade no país. Hoje, são algo em torno de 200. Fundado em 1980 para abrigar tudo que saía na Espanha, o Video Instan mantém-se em operação com um acervo de 48 mil títulos, muitos dos quais não estão disponíveis em plataforma alguma de streaming – ou em qualquer outro lugar. Os sócios do videoclube pagam uma tarifa mensal de menos de 10 euros e podem levar para casa quantos filmes quiserem, por vez.
– A edição 2024 da Feira Literária das Periferias – a FLUP – homenageará Beatriz Nascimento, pioneira do movimento negro. Historiadora, poeta e cineasta, a sergipana Beatriz buscou a conexão entre Portugal e Angola na formação da identidade brasileira e, segundo Julio Ludemir, diretor-fundador do encontro literário, teve papel fundamental para a formação do pensamento negro, no decorrer do auge da ditadura, na década de 1970. “Junto com Abdias do Nascimento e Lélia Gonzaga, Beatriz compõe a tríade que gerou tudo isso que entendemos como o movimento negro no Brasil”, explica Julio. A programação principal da FLUP incluirá também apresentações de artistas como Zezé Motta, Eliana Pittman, Dona Onete e Lia de Itamaracá.
– Ah, o glamur dos salões, dos tapetes vermelhos, dos iates, das festas e dos hotéis que circundam a Croisette, a artéria principal do Festival de Cinema de Cannes. Para marcar o início da 78ª edição do evento, que vai até 25 de maio na cidade francesa, a revista The Hollywood Reporter preparou uma galeria de fotos de artistas icônicos que compareceram ao evento no decorrer das décadas, como Elizabeth Taylor, Cary Grant e Brigitte Bardot.
PLAYLIST FAROL 83
John Cale, irrequieto. Crowded House em plena forma. Childish Gambino dá aquela guaribada em álbum antigo. O art-rock do Drahla. A locomotiva desenfreada do Dirty Three. Metronomy + Naima Bock + Joshua Idehen. Aroof Aftab, sofisticada. O indie prog do Aircooled. Moreno Veloso arrebanha a família. E o rio profundo de Mark Knopfler.
John Cale – “How We See The Light” – Aos 82 anos, o ex-Velvet Underground preserva intacto o espírito irrequieto e explorador que o mantém eternamente jovem, como neste segundo álbum em pouco mais de um ano, POPtical Illusion.
Crowded House – “Teenage Summer” – A chegada de um novo álbum do grupo neo-zelandês é sempre uma boa nova, pois traz doses generosas de um pop rico e melodioso, impulsionado por harmonias cintilantes. O novo Gravity Stairs – onde Neil Finn, egresso de uma temporada tocando e cantando com o Fleetwood Mac, se cerca de seus filhos (Elroy e Liam), do produtor Mitchell Froom e do baixista Nick Seymour, o único remanescente da formação clássica do CH – tem predicados suficientes para se equiparar ao melhor feito pelo grupo.
Childish Gambino – “Little Foot Big Foot”– O cantor, compositor, produtor e ator Donald Glover resolveu “reformar" seu álbum de 2020, 3.15.20, e deu-lhe novo título, Atavista, adicionando novos arranjos e novos convidados, como o rapper Young Nudy. Todas as faixas estão sendo relançadas com videoclipes costurados com tramas dramáticas, de alta qualidade cinematográfica.
Drahla – “Default Parody” – O art-rock do quarteto de Leeds, na Inglaterra, lembra muito o clássico uêive-punk “Never Say Never”, lançado pelo californiano Romeo Void em 1981.
Dirty Three– “Love Changes Everything I”– Vem da Austrália a música difícil de ser definida feita pelo veterano trio formado por guitarra (Mick Turner), bateria (Jim White) e violino (este empunhado por Warren Ellis, parça de Nick Cave). O som de seu primeiro álbum em 12 anos, Love Changes Everything, é o equivalente sonoro a uma locomotiva desenfreada.
Metronomy – “With Balance”– O novo EP do projeto britânico de pop indie-eletrônico de Joe Mount, Posse Volume 2, vem recheado de colaborações. Aqui, a anglo-brasileira Naima Bock traz o folk na voz e no violão, enquanto Joshua Idehen adiciona poesia com força e lirismo.
Aroof Aftab – “Raat Ki Rani” – Poesia urdu alimenta esta faixa do gratificante novo álbum da cantora-compositora-instrumentista paquistanesa, o sofisticado Night Rein.
Aircooled – “Japanese Brute”– O som do quarteto britânico – lançando seu segundo álbum, Eat The Gold – cabe bem na estante de kraut-rock, mas também se encaixa no indie prog do século 21.
Moreno Veloso, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Zeca Veloso, Tom Veloso – “A Donzela Se Casou” – O primogênito de Caetano arrebanhou o pai, os irmãos e a tia para recriar em seu primeiro álbum de músicas inéditas em uma década, Mundo Paralelo, um samba mostrado em clima caseiro na live feita em 2022 para celebrar os 80 anos do líder do clã artístico.
Mark Knopfler – “One Deep River”– O grande mestre da guitarra e da composição pop elegante lançou um de seus discos mais emocionantes e grandiosos, seu décimo álbum solo, One Deep River, inspirado pelo rio Tyne, que corta a cidade de sua infância, Newcastle.