No ensaio e em casa com os Red Hot Chili Peppers, enquanto eles passavam de sensação local a atração nacional (e mundial)
A turnê brasileira do grupo este mês chacoalhou a memória e trouxe de volta à tona encontros divertidos e cheios de papo com Flea e Anthony Kiedis em Los Angeles, ao longo de uma década californiana
O périplo atual dos Red Hot Chili Peppers pelo Brasil – parte da perna latino-americana da excursão Unlimited Love –, que começou no Rio de Janeiro e inclui shows em Brasília, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, trouxe à memória uma série de encontros com Anthony Kiedis, Flea, Chad Smith e integrantes que tiveram uma passagem pelo grupo, em suas tantas iterações (Hilel Slovak, Jack Irons e Dave Navarro). Sempre em Los Angeles, berço da banda e minha base por duas décadas. E sempre para a revista Bizz.
Ao contrário do que seria a norma – entrevistas formais em quartos impessoais de hotel, balizadas por assessores estressados ou senhores de si (ou as duas coisas) – os papos com os Peppers sempre foram marcados pela informalidade, pela hospitalidade e pela guarda baixa. Aconteceram no local de ensaios deles ou em suas casas. Sem assessores, sem divulgadores, sem olho no relógio, sem frescuras.
E ocorreram em momentos transformadores para o grupo – quando estava passando de sensação californiana que tocava em clubinhos apertados a atração nacional, capaz de atrair seis mil pessoas para cada show; e, depois, quando já conseguia lotar as dezenas de milhares de lugares dos mesmos ginásios por onde tocavam os grandes astros do momento, Bruce Springsteen e Madonna; e, mais adiante, quando já eram estrelas internacionais.
O primeiro contato cara-a-cara com os Peppers aconteceu na sala de ensaio deles, no vale de São Fernando, em algum momento do final da década de 1980. Um espaço de, digamos, 40 metros quadrados, se tanto. Sentado ali, no meio dos cases de equipamento, vi o grupo ensaiar durante meia hora, 45 minutos, energia pura, o nível de cecê e chulé subindo a cada minuto, todo mundo trancado ali naquele quarto sem janelas, invadido por ondas e mais ondas de rock, funk e suor. No final, Flea, sem camisa, adrenalina jorrando por todos os poros, ainda empunhando seu contrabaixo, todo entusiasmo, disparou para meu gravador: “we want to funk Brazil real bad!”. O que demoraria meia década para acontecer.
Corta para o verão americano de 1991 e para outro local: a casa de Anthony Kiedis, incrustada na colina, cercada de árvores, literalmente a passos do letreiro de Hollywood que é símbolo da cidade e da indústria de entretenimento americana – e de tudo de bom e ruim que isso representa.
Os Peppers tinham acabado de trocar de gravadora. Saíram da EMI no auge, após lançarem seu álbum best-seller – Mother's Milk, que atingiu a marca de 600 mil cópias vendidas, impulsionado pelo single “Higher Ground”, mega-sucesso na MTV – e assinaram com a Warner, encerrando um período de insatisfação absoluta (“Nunca nos demos bem lá. Eram intrujões demais”, Anthony reclamou comigo, "a ponto de quererem se meter na composição das músicas, o que é repugnante. Uma gravadora tentando ensinar ao artista como deve editar uma canção?”). E estavam lançando seu quinto álbum, Blood Sugar Sex Magik, produzido por Rick Rubin.
Numa sala enfeitada com três enormes pinturas de mulheres nuas, distribuídas em volta de uma mesa de bilhar, e cercado pelo ar limpo e fragrante que saía de um possante filtro de ar – seria o aroma de pinho na sala resultado dele ou vinha da vegetação lá de fora? As janelas estavam abertas? Essa dúvida permanece até hoje –, Kiedis demonstrou certeza absoluta quanto à reação dos fãs às novas facetas do grupo que o novo disco revelava, um RHCP mais eclético, mais melódico, até.
“Tanta gente tem sua própria expectativa de como a banda deve ou não soar”, disse, “gente que nos considera os heróis punk do funk-rock da década, ou algo assim, Mas nenhum de nós na banda tem uma noção pré-concebida de como os Peppers devem ou não soar. O que nos interessa é a honestidade de tocar algo que pareça enxuto e funky. E se der vontade de compor um negócio completamente lento e sentimental, bastante vulnerável e relevador, com violão, tudo bem. Porque a filosofia dos Red Hot Chili Peppers é não ter medo de não se conformar aos pré-conceitos dos outros”.
Muitos anos mais tarde, uma entrevista um pouco mais formal com os Peppers ocorreria no que (se não me falha a memória, e ela já não anda lá essas coisas) me parece ter sido um hotel, ou um escritório (mas havia um quintal!), e reuniu Anthony, Flea, mais Chad e o guitarrista Dave Navarro, recém-adicionado ao lineup. Todos "a caráter" – sem camisa. Mas vamos ficar com outra visita caseira, ocorrida no segundo semestre de 1992. Dessa vez, uma ida à casa de Flea, na subida da parte alta de Los Feliz, aos pés do Griffith Park. E a cerca de 15 minutos da residência de Anthony.
Quando cheguei, Flea estava às voltas com o entregador de um tapete persa, que fazia questão de dar instruções precisas para o cuidado com a preciosidade. “Se cair um pouco de refrigerante, vinho, passe uma toalha úmida e não faça mais nada! Mais nada!”, o representante da loja suplicava. "Por favor, me telefone!”.
Uma vez que o sujeito vai embora, Flea senta no sofá da sala, diante de uma mesa de centro onde estão empilhados vários cheques, recém-mandados por Lindy Goetz, empresário da banda (consegui distinguir em um deles a soma de 4 mil dólares, o que na época dava para comprar quatro tapetes persa).
O papo rola sobre a primeira visita dos Peppers ao Brasil, que aconteceria no início do ano seguinte, e Flea aproveita para relembrar as muitas mudanças por que passou a banda desde o início. John Frusciante tinha acabado de sair, substituído por Aryk Marshall. E as memórias de Flea voltaram às origens do grupo, quando ele, Anthony, Irons e Slovak estudavam juntos na Fairfax High School, em West Hollywood. Época em que se batizaram de Los Faces.
"Era mais uma piada”, ele explicou. "Éramos amicíssimos, fazíamos tudo juntos. Costumávamos nos transformar em “vatos” (o malandro chicano), falando "ese" o tempo todo, e nos denominávamos Los Faces. Tínhamos 15, 16 anos”.
“Quanto à banda, propriamente dita, Hilel, eu, Jack Irons e um cara chamado Allen Johannes tínhamos uma banda chamada Anthem, que mais tarde virou What Is This. Daí entrei para o Fear (grupo pioneiro do hardcore em Los Angeles e até hoje na ativa), onde tive meu aprendizado de punk rock (risos)”.
E onde entra Anthony na história? “Nessa época, ele, que nunca tinha estado numa banda antes, havia assistido ao primeiro show de rap da vida dele, uma apresentação de Grandmaster Flash And The Furious Five. Curtiu tanto que pegou um poema seu, chamado 'Out In L.A.', e o transformou num rap!”.
"Então, ele, Hilel e Jack formaram uma banda para tocar abrindo o show de um amigo nosso”, continuou. "Entrei no bolo e juntamos à letra de Anthony um groove que eu tinha bolado. Fomos tocar só essa música, 'Out In L.A’ (que viria a entrar no álbum de estreia do grupo, lançando em 1984). Não ensaiamos, nem nada. Nos chamávamos Tony Flo And the Miraculously Majestic Masters of Mayhem. Foi divertido. Daí começamos a compor mais canções, fazer shows, fomos contratados por uma gravadora …”.
Uma preocupação nada musical ocupava a cabeça de Flea naquele dia, diante da proximidade da primeira excursão do grupo no Brasil. “Quem sabe eu consigo uma nova esposa por lá? (risos) As meninas de L.A. são tão complicadas …”.
Quando me despedi, Flea quis saber, com um jeito que o fazia parecer um adolescente encabulado, se tudo que havia dito na entrevista tinha feito sentido para mim. "Eu estava muito doidão?”. Até podia estar. Mas não pisou na bola em momento algum.
José Emilio Rondeau
O reverso dos quadros ganha mostra em Madri. Novo livro mergulha na intimidade e no cotidiano de Pagu. A pornografia se rende à estética TikTok. Reaparece a maquete original da nave Entreprise, da série Jornada nas Estrelas. E a primeira grande estrela do balé dos Estados Unidos era indígena da tribo osage, nome familiar para quem viu o último filme de Martin Scorsese.
– Quem vai a um museu observa e aprecia quadros pelo que está vendo, pela parte visível da imagem emoldurada. Mas há todo um mundo – todo um conjunto de significados – oculto na parte de trás dos quadros. Imagens que ecoam o que se vê na parte da frente, mensagens e segredos. É essa parte desconhecida que a exposição Reversos – aberta no Museu do Prado, em Madri, até 3 de março – pretende revelar. "Obras de arte são tri-dimensionais”, diz Miguel Falomir , diretor do museu. “Quando nos concentramos simplesmente na imagem, que é uma reprodução de um determinado momento congelado no tempo, vemos alguma informação, mas perdemos bastante, no sentido do todo que o trabalho significa como objeto. Quando vemos uma obra e seu reverso e sua estrutura, é como estar diante de uma descoberta arqueológica onde cada camada tem uma história a contar”. Assim, a mostra espanhola distribuiu 105 peças em salas pintadas de preto, criando espécies de cavernas misteriosas, e ali deu visibilidade a revelações surpreendentes de obras famosas: atrás da Freira Ajoelhada, de Martin van Meytens, vê-se as costas da religiosa: e ela está com a bunda de fora, numa atitude bem diferente da aparente prece da imagem original. A estrutura de cinco vigas, danificada pelo tempo, que sustentava a Guernica de Picasso, é outra atração. Assim como um obituário afixado à pintura O Filósofo, de Salomon Koninck, que atesta que aquele quadro foi roubado de seu dono, um judeu, pelos nazistas.
– Homenageada da FLIP de 2023, a escritora Patrícia Galvão, mais conhecida como Pagu e musa do Modernismo, tem seu lado pessoal revelado em novo livro, o recém-lançado Os Cadernos Pagu: Manuscritos Inéditos de Patrícia Galvão. A professora e pesquisadora Lúcia Teixeira reuniu nele cartas até então inéditas, roteiros de peças, correspondências, textos sobre literatura e anotações corriqueiras que permitem um olhar profundo na vida cotidiana de Pagu. É o resultado de uma pesquisa que levantou mais de três mil documentos do acervo pessoal da autora do livro, uma coleção que hoje reside no Centro Pagu Unisanta, em Santos, onde Patrícia viveu seus últimos anos, até morrer, em 1962.
– E a estética TikTok conquistou … a pornografia! Os vídeos de conteúdo adulto estão ficando mais curtos, amadores e divertidos, afirma matéria do G1, o que seria resultado direto da influência das redes sociais. “A forma como estamos consumindo todo tipo de conteúdo, do entretenimento às notícias, vem mudando e é claro que muito disso é decorrente da ‘tik tokzação’", diz Lídia Cabral, fundadora da plataforma Tech4Sex, especializada em sextechs, startups do mercado de bem-estar sexual. “O pornô por si só já é potencialmente ‘viciante’ e sendo adaptado a estes novos formatos em que os conteúdos são mais ‘amadores’, interativos e explícitos, tem tudo para ser uma combinação bem ‘perigosa’”, conclui. Exemplos dessa adesão aos vídeos mais curtos, mais dinâmicos, o site PornHub está testando uma nova seção dedicada a conteúdo nesse formato, e sites menores tentam buscar uma liga com o TikTok através de nomes malandros, como TikTits e TikPorn.
– O mundo dos trekkies – os fãs mais aguerridos da série de TV Jornada nas Estrelas – balançou esta semana com a notícia de que tinha sido descoberto um elemento muito importante na realização do piloto do programa, e que havia sido considerado perdido para sempre. Uma publicação no e-Bay, site de leilões online, anunciou a venda, com lances começando em mil dólares, de uma maquete da nave Enterprise – comandada pelo Comandante Kirk (William Shatner) na televisão –, com cerca de um metro de comprimento. Foi o suficiente para os mais atentos lembrarem que este poderia ser o modelo para a maquete definitiva usada no seriado – que media quatro vezes mais – e que, mesmo sendo uma peça apenas para referência, teria aparecido no piloto da série, na sequência de abertura do programa e mesmo em alguns episódios. Ou seja, seria não apenas um item de colecionador, mas um objeto histórico. Após pedidos de esclarecimentos por parte do espólio de Gene Roddenberry, criador da série, o vendedor retirou do e-Bay o objeto de venda e, entrevistado pelo site Ars Technica, limitou-se a dizer que o assunto agora estava fora de suas mãos e seria cuidado “por uma equipe apropriada”.
– No momento em que está nos cinemas o massacre dos índios osage por brancos desejosos da riqueza do petróleo que brotava em suas terras – drama trazido às telas por Martin Scorsese, em seu Assassinos da Lua das Flores – vale lembrar a história da bailarina Maria Tallchief, nascida em 1925 naquela tribo e alçada ao posto de primeira grande estrela do balé nos Estados Unidos. Chamada pela revista Newsweek de "a melhor bailarina do século XX nascida nos Estados Unidos", Maria teve carreira espetacular, a partir do momento em que mudou-se do Kansas para Los Angeles, aos 12 anos, onde conheceu a coreógrafa polonesa Bronislava Nijinska – irmã do legendário Nijinski. Se apresentou na Ópera de Paris, integrou o Balé Russo de Montecarlo, até casar-se com o coreógrafo George Ballanchine, com quem trabalhou muito, chegando a montar com ele o New York City Ballet. Em 1954, era a bailarina mais bem paga do mundo. Quando se aposentou, pouco mais de uma década depois, Maria fundou o Chicago City Ballet. Seu maior desejo era "ser conhecida como uma prima ballerina que, além do mais, era uma indígena americana”.
PLAYLIST FAROL 60
Uma versão vulcânica para um clássico dos Stones – só para o Deap Vally se despedir. O encontro de Jackson Browne com David Blue. O pop-rock psicodélico dos veteranos Cleaners from Venus. O power pop catalão do Sidonie . Jean-Michel Jarre + Brian Eno. Sheryl Crow está uma fera com o despertador. A volta do pop-rock melódico do Semisonic. O pós-punk com som vintage do estreante Folly Group. Um tributo para pagar as contas médicas de Marianne Faithfull. E Joni Mitchell chega aos 80.
Deap Vally – “Ventilator Blues”– Uma versão vulcânica de uma deep cut do clássico Exile On Main St., dos Rolling Stones, serve de despedida para a dupla feminina de Los Angeles, que se separará após o lançamento de seu novo álbum, Sistrionix 2.0, no começo do ano que vem – que, aliás, vem a ser uma revisita ao seu álbum de 2013, com a adição desta nova faixa, gravada no ano seguinte mas guardada até agora.
Jackson Browne/ David Blue – “Jamaica Say You Will“ – Dois representantes da linhagem clássica de cantores-compositores americanos, Jackson e David se reuniram num programa de rádio, transmitido em agosto de 1972 por uma estação de Boston. Foram entrevistados e tocaram suas músicas. Agora, mais de meio século depois, a parte musical do programa virou álbum.
The Cleaners from Venus – “The Beautiful Stoned”– Quatro músicos britânicos, entrados nos seus 70 anos, fazendo pop-rock psicodélico como se não houvesse amanhã para um álbum chamado K7, gravado num Portastudio Tascam de oito canais. Vai ser vintage assim lá em Tegucigalpa!
Sidonie – “Cedé”– Power pop catalão, feito pelo trio formado por Marc Ros, Axel Pi e Jesús Senra, juntos há 25 anos.
Jean-Michel Jarre – “EPICA EXTENSION”– Veteranérrimo da música eletrônica, o francês Jean-Michel sempre foi chegado a uma colaboração. Em seu novo álbum, Oxymoreworks, conta com a participação de nove parceiros, um em cada faixa. Entre eles, Brian Eno.
Semisonic – “Beautiful Sky”– O pop-rock melódico do trio de Minneapolis mostra-se intacto no seu primeiro álbum em 20 anos, Little Bit of Sun, repleto de parcerias e participações especiais, como a de Jim James, do My Morning Jacket, adicionando um solo coruscante ao clímax próximo ao final da música.
Sheryl Crow – “Alarm Clock” – Esta primeira amostra do novo álbum de Sheryl – Evolution, que sai em março –, uma divertida diatribe contra a ditadura do despertador, conhecido corta-onda de sonhos bons, aparece logo depois de Crow ter ingressado no Rock and Roll Hall of Fame.
Folly Group – “I’ll Do What I Can”– Com sonoridade década de 1980 que vai fazer sentido para os fãs de Echo & The Bunnymen e Siouxse and The Banshees, o quarteto londrino (de onde mais poderia ser?) dá um gostinho de seu álbum de estreia, Down There!, agendado para sair em janeiro.
Tanya Donnely/ Parkington Sisters – “This Little Bird”– Acometida dos efeitos de um COVID que está custando a deixá-la e necessitada de recursos para seu tratamento médico, Marianne Faithfull recebeu a ajuda de vários amigos, que organizaram um álbum beneficente, The Faithfull, com regravações de antigos sucessos da musa da Swinging London, como esta versão de uma das faixas do disco de estreia de Marianne, lançado em 1965.
Joni Mitchell – "A Case of You" – Joni celebrou 80 anos de idade esta semana e o FAROL destaca aqui uma das canções icônicas daquela que David Crosby considerava "a melhor compositora de todos nós”. Por sinal, "A Case of You" era a música favorita de David, entre as tantas de Joni.