Mais burra, mais raivosa, mais egocêntrica. O que está acontecendo com a música pop?
Estudos apontam mudanças no conteúdo, na emoção e na complexidade da música que ouvimos. Parte das razões estaria nas redes sociais
A música pop está ficando mais burra, mais raivosa e mais egocêntrica.
Esta é a conclusão de um estudo, publicado pela revista Scientific Reports, feito por pesquisadores alemães e austríacos. Eles estudaram mais de 350 mil letras de músicas pop em inglês lançadas entre 1970 e 2020, compiladas da base de dados do site last.fm, de gêneros variados – rap, country, rock e R&B – analisando estrutura, rima, emoção e complexidade. O estudo detectou uma aumento na repetitividade e um “declínio na riqueza de vocabulário”.
Há uma "deterioração" no conteúdo das letras, os pesquisadores concluíram. Sendo que as letras de rap tornaram-se “mais emotivas” e as de canções pop, country e R&B mostraram-se “menos positivas”, com o passar do tempo. No geral, as letras estão ficando “mais raivosas”.
Além disso, outro estudo, de 2011, feito por psicólogos nos Estados Unidos a partir de músicas lançadas entre 1980 e 2007, percebeu que, com o tempo, diminuiu o uso da palavra “nós”, trocada pela palavra “eu”.
Para a Wired, publicação americana de novas ideias, as descobertas desses estudos ecoam uma sociedade mais egocêntrica e narcisista, e a razão disso, pelo menos em parte, são as redes sociais. "Muito da maneira como vivemos é mediado por portais digitais que exigem uma forma de autocentramento como parte de seu atrativo”, escreveu Jason Parham na revista.
O que circula nas mídias sociais reflete a sociedade, como um todo, e o clima raivoso e intransigente que predomina online – a maioria parece não querer ouvir o outro, mas fazer valer, única e exclusivamente, seu ponto de vista, o que cria atrito e conflito nas redes. O que, por sua vez, alimenta a interação e o engajamento mais do que diálogo e concordância. Isso, naturalmente, será refletido também na música, como parece mostrar o estudo divulgado pela Scientific Reports.
Por um lado, as mídias sociais servem de vitrine, trampolim, palco e ferramenta de distribuição para artistas musicais, oferecendo espaço a absolutamente qualquer um, independente do tamanho do bolso. Levantamento encomendado ano passado pela agência americana Wasserman, de marketing, conduzido no Reino Unido, na Alemanha, na Itália, na Espanha e na França, concluiu que 36% das pessoas usam as redes sociais para conhecer música e “se conectar” com os artistas, sendo que a plataforma favorita para “descobertas musicais” é o TikTok, seguido pelo Instagram.
Por outro lado, as balizas das diferentes plataformas exigem formatos variados de postagem, todos bastante específicos. O que obriga os artistas a se adaptarem às regras de cada plataforma. E muitas vezes “as músicas servem mais como conteúdo para movimentar as redes” do que como obra artística a ser apreciada, como reclamou Sara Quin, da dupla Tegan and Sara, ao diário britânico The Guardian. O mais importante seria fazer a roda do algoritmo girar a seu favor, e conseguir com que isso aconteça nem sempre (ou quase nunca) seria necessariamente positivo para uma música. Quem acaba ganhando, mais uma vez, é a rede social, e não o artista – e muito menos a música.
Mais uma vez, Sara tem a palavra: “Nossas métricas (nas redes sociais) é que ditam o quanto uma gravadora nos dará para fazer um disco ou quanto (o festival) Coachella nos pagará para tocar às três da tarde”.
“Tem vezes que desejo que toda a rede elétrica caia para que eu não precise mais (alimentar as redes sociais)”, lamenta Quin. “Mas estamos no labirinto e não sei como sair dele”.
Da Vinci, o quebra-cabeças alemão e a justiça italiana. Um capítulo inédito de Valter Hugo Mãe. Os 150 anos do Impressionismo. O atentado contra Salman Rushdie vira livro. E Herbie Hancock está ligado na Inteligência Artificial.
– Quando lançou um quebra-cabeças de mil peças reproduzindo o “Homem Vitruviano”, obra icônica de Leonardo da Vinci, o fabricante alemão Ravensburger não sabia que, uma década depois, estaria embrulhado numa batalha jurídica com a Gallerie dell'Academia de Veneza – onde estão expostas esta e outras obras do artista – e o próprio governo italiano. Aprovado em 2004, o Código do Patrimônio Cultural e Paisagístico da Itália prevê taxas para a reprodução de bens culturais. E esse dispositivo jurídico foi invocado para exigir que a empresa alemã parasse de vender o produto e passasse a pagar uma taxa de licenciamento. Isso aconteceu em 2019 e a briga perdurou até o mês passado, quando um tribunal na Alemanha decidiu que a legislação italiana não se aplicava fora do pais. Além disso, reforçou que a lei europeia padroniza as proteções de direitos autorais apenas por 70 anos após a morte do autor. Da Vinci está morto há mais de cinco séculos. A Itália, por sua vez, promete contestar perante “todos os tribunais nacionais, internacionais e comunitários”.
– O jornal O Globo retomou uma iniciativa que já foi bastante comum: publicar com exclusividade um trecho de um livro inédito ou recém-lançado de um grande escritor. Fogueira das Vaidades, de Tom Wolfe, por exemplo, foi saindo aos poucos, ao longo de 27 edições da revista Rolling Stone, em 1984. Agora, o diário carioca deu aos seus leitores o primeiro capítulo de Deus na Escuridão, romance do premiado autor português Valter Hugo Mãe que sai na semana que vem.
– Os 150 anos do Impressionismo estão sendo celebrados com uma série de exposições em diversos museus na França e na Itália. Em Roma, o Museu Histórico da Infantaria preparou Impressionistas - A Alba da Modernidade, com 160 obras, entre pinturas, desenhos, aquarelas, esculturas, cerâmicas e incisões, de 66 artistas que contribuíram para o movimento. O Museu d'Orsay, em Paris, enquanto isso, montou a mostra Paris 1874, inventando o Impressionismo, que reúne 130 obras, organizadas segundo uma cuidadosa cronologia. O Impressionismo surgiu a partir de um salão alternativo de um grupo de artistas que propunham uma nova estética, diferente do classicismo. Pintores como Degas, Monet e Pisarro são representativos do movimento, que só chegou ao Brasil no início do século 20, praticado por artistas como Eliseu Visconti.
– Saiu esta semana no mundo inteiro Faca, o livro de Salman Rushdie onde o escritor aborda o atentado sofrido em agosto de 2022, quando um jovem de origem libanesa o esfaqueou 15 vezes ao atacá-lo numa palestra nos Estados Unidos. Na primeira parte do livro, Rushdie descreve com detalhes o ataque sofrido e seu processo de recuperação. Na segunda parte, imagina um encontro com seu quase assassino. O autor conversou sobre o livro e sobre o incidente numa longa entrevista com o jornalista Anderson Cooper para o programa de TV 60 Minutes. Em determinado momento, o entrevistador marca a duração do ataque a Rushdie com 27 longos segundos de silêncio.
– Sempre ligado em novas tecnologias e de olho no futuro – ele abraçou bateria eletrônica, sampling, sintetizadores e hip-hop para criar seu pioneiro hit "Rockit", premiado com um Grammy, em 1983 –, o pianista Herbie Hancock, gigante do jazz e colaborador de artistas do quilate de Miles Davis, Joni Mitchell, Milton Nascimento, Chick Corea e Bootsy Collins, está às voltas com a Inteligência Artificial, possivelmente para ajudá-lo a concluir seu novo álbum, um projeto que vem sendo desenvolvendo com convidados como Kendrick Lamar, Snoop Dogg e o saxofonista Kamasi Washington e já deveria ter saído quatro anos atrás. Toda vez que estava prestes a concluir o disco, Herbie não gostava do resultado e resolvia recomeçar tudo. “Não sei no que vai dar a IA”, disse o artista de 84 anos, numa entrevista a um jornal de San Diego, na Califórnia, “e não me sinto confortável fazendo predições. Mas estou muito interessado. E tenho recebido ofertas de algumas possibilidades para conectar o uso de IA a meus trabalhos musicais”.
PLAYLIST FAROL 79
Linda Thompson empresta a voz de outros cantores. Lizz Wright cheia de soul. Os arquitetos do reggae. O pop melódico do Silvertwin. O samba-rock psicodélico do Forest Law. O resgate de Margo Guryan. As paisagens sonoras eletrônicas de CLARAGUILAR . Lennon & McCartney (mas não aqueles). Bruno Berle, praieiro e saudoso. E o adeus a Dickey Betts.
Linda Thompson – “Solitary Traveller” – Metade de uma dupla icônica do folk-rock britânico – formada com o então marido Richard Thompson – , Linda cantou clássicos como “Dimming of the Day” e “I Want To See The Bright Lights Tonight”. Mesmo divorciados, os dois ainda gravaram juntos alguns de seus melhores trabalhos, como o sanguíneo Shoot Out The Lights, de 1982. Hoje, no entanto, aos 76 anos, Linda não consegue mais cantar, por conta de uma disfonia espasmódica, distúrbio vocal que compromete a comunicação. Mesmo assim, está lançando um novo álbum, Proxy Music, onde convidados cantam músicas compostas por ela. Uma das vozes “emprestadas” é a de sua filha, Kami Thompson.
Lizz Wright – “Your Love” – Amostra cheia de soul do novo álbum da cantora, o recém-lançado Shadow, com Meshell Ndegeocello, no baixo, e Brandee Younger, na harpa.
Roots Architects – “Everlasting Love”– O tecladista suíço Mathias Liengme tinha como objetivo reunir num mesmo álbum 50 dos mais importantes músicos jamaicanos, os arquitetos das raízes musicais do país. Era 2017 e ele escalou craques do naipe de Sly & Robbie, que tocam aqui.
Silvertwin – “Winning Ticket” – Projeto de Isaac Shalam, em seu disco de estreia o quinteto britânico tem um quê de Gerry Rafferty e Squeeze em seus momentos mais Beatles, rico em melodias e em ganchos pop inventivos e irresistíveis.
Forest Law – “Ooo, I”– Também vem do Reino Unido este samba-rock psicodélico solar, curiosamente composto quando o artista passava o inverno na Islândia.
Margo Guryan– “Why Do I Cry”– Um novo caixote resgata, com 16 canções gravadas a partir de 1956, o delicado mas requintado pop sussurrado da cantora-compositora nova-iorquina. Embora tivesse iniciado a carreira no jazz instrumental, houve uma hora em que Margo se bandeou para o pop. Em alguns momentos, lembra a Rita Lee de Blow Up.
CLARAGUILAR – “Mise en Abyme” – Barcelonense, a artista cria paisagens sonoras eletrônicas pontuadas por batidas em padrões variados, que vão mudando no decorrer da música.
James McCartney – “Primrose Hill” – Uma nova parceria de Lennon com McCartney merece sempre atenção, ainda que a dupla não seja formada por John e Paul, mas, sim, por seus respectivos filhos, Sean e James. Os dois se juntaram pela primeira vez para compor uma balada pop romântica.
Bruno Berle – “Tirolire”– Alagoense, Bruno chega a seu segundo álbum, No Reino dos Afetos 2, fazendo um pop praieiro e lo fi, encharcado de nostalgia e com melodias clássicas de MPB.
Allman Brothers Band – “In Memory of Elizabeth Reed”– Forrester Richards Betts – ou Dickey Betts, como ficou conhecido – ajudou a fundar a Allman Brothers Band e, junto com Duane Allman, burilou o ataque duplo de guitarras que tornou-se uma das assinaturas do som do pioneiro grupo de blues-rock sulista. Com a morte de seu parceiro de instrumento, em 1971, logo quando a banda estava em trajetória espetacularmente ascendente, Dickey assumiu parte maior da composição e deu vida a dois dos maiores sucessos do grupo – “Blue Sky” e “Ramblin' Man”. Com o passar do tempo, seu relacionamento com os companheiros de banda, especialmente Gregg Allman, azedou a ponto dele se demitir, após mais de 30 anos de serviço. Embora seu lado mais pop e mais country tenha se destacado num momento em que a banda precisava de hits, os improvisos e as jams de uma de suas composições mais famosas, aqui gravada ao vivo no icônico palco do teatro Fillmore East, pouco antes da morte de Duane, reproduz o ápice instrumental dos Allman Brothers. Dickey morreu esta semana, aos 80 anos, de complicações de um câncer e de doença pulmonar.