Festival veterano, Glastonbury chega à meia idade com vigor inabalado
Em sua 53ª edição, o evento britânico mantém a mística, a atratividade e o prestígio num terreno cada vez mais lotado de competidores
A semana na Inglaterra é do Festival de Glastonbury, um veteraníssimo do formato de música pop e rock apresentados ao ar livre, num ambiente rural, ao longo de vários dias, que este ano chega a sua 53ª edição, tendo ultrapassado em prestígio, atratividade e mística concorrentes de peso histórico, como o Festival da Ilha de Wight (em existência desde 1968 e realizado na semana passada), e diferenciando-se imensamente dos festivais mais jovens, como Coachella, Sonar, Lollapalooza, Primavera Sound, South by Southwest e Rock In Rio, muitos deles com versões-satélite internacionais que transpõem sua fórmula para diversas cidades do planeta.
Os milhares de ingressos disponíveis para os cinco dias de festival (de 21 a 25 de junho) foram disputados por milhões de pessoas do mundo inteiro para assistir a shows de uma seleção eclética de artistas que inclui Elton John (fazendo um show especial para a ocasião, encerrando ali a fase britânica de sua turnê de despedida), Guns N’ Roses, Artic Monkeys, Lana Del Rey, Queens of The Stone Age, Lizzo, Christine and The Queens e Black Country, New Road.
Mas nem sempre o festival nadou nessa fartura e nesse nível máximo do Olimpo pop-rock. Na verdade, suas origens são bem modestas.
Glastonbury nasceu do desejo de um casal – Michael e Jean Eavis – , que esperava reproduzir em sua região o formato de eventos como os festivais que frequentaram em Bath e na Ilha de Wight, na Inglaterra, e o espetacular Woodstock, que acontecera, pouco antes, nos Estados Unidos. Assim, da mesma forma que Woodstock foi montado na fazenda de Max Yasgur, a primeira edição de Glastonbury também aconteceu no terreno de uma fazenda, a leiteira Worthy Farm (da família Eavis), em 1970, mas com outro nome: chamava-se Pilton Pop, Folk and Blues Festival, por ter sido montado no vilarejo de Pilton, a cerca de 180 quilômetros de Londres.
Atraiu apenas 1.500 pessoas com um lineup que incluiu T. Rex de headliner (substituindo The Kinks na última hora), mais atrações como Stackridge, Al Stewart – seis anos antes de ser sucesso internacional com Year of The Cat” – e Quintessence. O ingresso custava apenas uma libra esterlina e dava direito também a leite grátis, à vontade.
E o festival nasceu, de certa forma, cercado de baixo astral, pois começou 24 horas depois de Jimi Hendrix ter morrido.
No ano seguinte, entretanto, o clima já era outro e o evento adquiriu o nome que mantém até hoje, Glastonbury, emprestado de outra cidade da mesma região – berço do cristianismo na Inglaterra, onde o Rei Arthur teria sido enterrado, e cuja “energia”, acumulada ao longo de três mil anos, a tornara ponto de atração de peregrinos – , embora não fosse mais chamado de festival, mas de feira de artes – ou Fayre, em vez de Fair, uma barretada ao passado para combinar mais com a era hippie. E ganhou aquele que seria seu símbolo eterno: o palco em forma de pirâmide, reproduzindo a Grande Pirâmide de Giza, no Egito, alinhado com o esoterismo tão em voga na época.
De lá para cá, no decorrer de mais de meio século, Glastonbury cresceu em escopo, público e importância. Mais de 200 mil pessoas frequentam cada edição do festival e milhões mais assistem a tudo, ao vivo, pela BBC, ou em canais de streaming. Hoje, o evento oferece não apenas shows de rock e música pop, mas também dance music, jazz, folk, teatro alternativo, espetáculos de circo, cinema, poesia e mostras de arte, de pintura a materiais têxteis. Seu espírito anos 1970 e seu lado místico, no entanto, permanecem intactos, oferecendo ao público uma sensação de “encontro das tribos".
Os moradores da região são, talvez, os maiores fãs de Glastonbury. Centenas de milhões de libras esterlinas são injetadas na economia local durante os cinco dias de festival. Além disso, recursos oriundos do festival ajudaram a construir dezenas de casas populares nos arredores.
O Palco Pirâmide continua sendo a área nobre de Glastonbury e seu maior símbolo. Nesses 53 anos, passaram por lá artistas como The Rolling Stones, David Bowie, Paul McCartney, U2, The Cure (várias vezes), Adele, Radiohead, The Smiths, Kendrick Lamar, Oasis, REM, Coldplay, Jay Z, Adele, Neil Young, Billie Eilish e Bruce Springsteen. Mas Glastonbury hoje é dotado de 31 “áreas”.
Embora a co-fundadora Jean Eavis tenha falecido em 1999, vitimada por um câncer um mês antes do inicio do festival daquele ano, Michael continua envolvido com Glastonbury, ainda que este ano tenha deixado de cumprir uma tradição de décadas: ele sempre abria os portões do evento, no inicio de cada edição, para fazer uma contagem regressiva – de 10 a 1 – junto com os sortudos que estavam no inicio da fila de entrada e dar boas vindas ao público. Este ano, a filha dele, Emily, assumiu o posto, enquanto Michael assistia a tudo, sentado dentro de seu carro, um SUV Range Rover.
A inflação aumentou na Suécia. E a culpa é de … Beyoncé?!?! A Netflix vai ter um restaurante para chamar de seu. Filmes repatriados da Itália para marcar os 125 anos do cinema nacional. Frank Capra ganha sua maior retrospectiva no Brasil. E Sarah Snook faz todos os 26 papéis da adaptação de um livro icônico de Oscar Wilde.
– A inflação aumentou na Suécia. E a culpa é de … Beyoncé?!?! Os preços para o consumidor na Suécia aumentaram 9.7 % em maio passado, justo o mês em que fãs do mundo inteiro viajaram para ver o show da turnê Renaissance quando ela passou por Estocolmo para fazer dois shows consecutivos. Com os ingressos mais em conta na moeda local – o krona – do que os cobrados nos Estados Unidos e no Reino Unido, os fãs preferiram disputar os 100 mil lugares disponíveis e, com isso, inflacionaram os gastos com restaurantes e as tarifas de hotéis, impactando, assim, a economia do país.
– A Netflix vai ter um restaurante para chamar de seu. Abre 30/6, em Los Angeles, o Netflix Bites, casa pop-up (ou seja, temporária) onde o cardápio será preparado por chefs vistos em diferentes programas do gigante de streaming, como Chef’s Table e Iron Chef. Não é a primeira vez que a empresa leva para a rua ativações de marketing ancoradas em sua programação. Recentemente, criou nos Estados Unidos e na Europa ações pop-up ligadas às séries Stranger Things e Bridgerton, com acesso a cenários para fotos instagramáveis e a merchandising, como camisetas e bonés.
– O cinema brasileiro comemorou 125 anos nesta segunda-feira (19/6) e a data foi marcada pela repatriação de 144 obras nacionais que estavam na Itália desde 1979. Assim, voltaram para a guarda da Agência Nacional do Cinema (Ancine) cópias de filmes como Macunaíma (de Joaquim Pedro de Andrade) e Vidas Secas (de Nelson Pereira dos Santos), Marcelo Zona Sul (de Xavier de Oliveira) e A Hora e a Vez de Augusto Matraga (de Roberto Santos) que estavam em Roma desde o final da década de 1970, quando foi fechado o escritório da antiga Embrafilme na capital italiana antes dos filmes terem sido devolvidos ao Brasil. Na verdade, estavam estocados sob a responsabilidade da embaixada brasileira em Roma, e lá ficaram todo esse tempo por conta de dificuldades técnicas e falta de recursos para viabilizar o transporte do acervo. O “resgate” aconteceu agora graças a um esforço conjunto entre o MinC, o Itamaraty e a Força Aérea Brasileira.
– E por falar em cinema, começou na quarta, 21/6, e vai até 17/07, no CCBB-RJ a Mostra Frank Capra, com a exibição de cópias restauradas de filmes raros – vários tidos como pedidos – do diretor ítalo-americano, cujos filmes humanistas foram alguns dos mais populares de seu tempo. Haverá desde filmes mudos, do inicio da carreira do cineasta, até, naturalmente, clássicos como Aconteceu Naquela Noite (de 1934), o primeiro longa a ganhar o Oscar nas cinco categorias principais, Do Mundo Nada Se Leva (1938) e A Felicidade Não Se Compra (1946). Ao todo, serão 20 longas e sete documentários – da série Why We Fight (1942-45), inédita nos cinemas, encomendada pelo governo dos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial, para explicar aos soldados americanos o envolvimento de seu país no conflito e, mais tarde, mostrados ao público dos EUA para convencê-lo a apoiar o envolvimento do país na guerra –, dentro do que promete ser a mais completa retrospectiva de um dos mais importantes cineastas de uma das melhores eras de Hollywood, feita sob a curadoria do diretor de arte José de Aguiar e do escritor e crítico Eduardo Reginato.
– Sarah Snook, a atriz australiana que viveu Shioban na série Succession, fará todos os papéis da montagem que a Sydney Theatre Company encenará, em Londres de O Retrato de Dorian Gray, baseado no livro de Oscar Wilde. Ela interpretará nada menos que 26 personagens durante duas horas de peça, que está sendo anunciada como “cine-teatro”, o que dá a entender que pelo menos parte da representação será filmada previamente e projetada no palco.
PLAYLIST FAROL 42
Corais angelicais + trap do SCIENTISTS AND ENGINEERS. O sofisticado pop psicodélico/progressivo do Pearl and The Oysters. O pós-punk do Pozi. John Mellencamp plugado na alma americana. A inebriante Julie Byrne. A volta do Sigur Rós. A nova de The Smile. O folk-rock cósmico de Sam Burton. A música instrumental envolvente do coletivo Balmorhea. E as sinapses provocadas por Ben Van Gelder.
SCIENTISTS AND ENGINEERS – “SCIENTISTS AND ENGINEERS “ – Uma paisagem sonora diversa, surpreendente, do começo ao fim – corais angelicais, sintetizadores, vozes ultra processadas, bateria eletrônica engatada no trap – povoa o primeiro single do rapper Killer Mike desde ter formado o projeto Run the Jewels. Aqui, traz também as vozes de André 3000 (ex-Outkast) e da poderosa Eryn Allen Kane (o coral de uma mulher só).
Pearl and The Oysters – “Read the Room” – O duo de pop alternativo francês (mas hoje baseado em Los Angeles) formado pelo casal Juliette Pearl Davis e Joachim Polack gestou aqui um sofisticado pop psicodélico/progressivo que incorpora o conterrâneo Air e Brian May, parte de seu novo álbum, Coast 2 Coast, tendo como convidada a conterrânea Laetitia Sadier, do Stereolab e do euro-pernambucano Modern Cosmology.
Pozi – “Faulty Receiver” – O trio londrino de pós-punk investe no senso de humor nesta faixa onde a estrela – além da falha de comunicação causada por um telefone defeituoso – é o violino amalucado de Rosa Brooks, que de certa forma traz à memória “Lose This Skin”, uma inesquecível deep cut do Clash.
John Mellencamp – “Hey God” – Aos 71 anos, John continua atento à alma americana profunda, com todos seus defeitos – armas em demasia, direitos humanos necessitados de atenção, mudança climática, a crise dos sem-abrigo – , e ligado a questões que o preocupam nesse momento da vida. Inclusive, a mortalidade.
Julie Byrne – “The Greater Wings”– Violão e pitadas sutis de sintetizador e cordas embalam a faixa-título do inebriante terceiro álbum da cantora-compositora americana, que soa como uma Annie Lennox intimista.
Sigur Rós – “Klettur” – Dias atrás, surgiu a notícia surpreendente de que o islandês Sigur Rós havia lançado um novo álbum, Átta, o primeiro desde 2012 a incluir de volta o tecladista Kjartan “Kjarri” Sveinsson. O próprio grupo descreve o novo disco – que traz participações da London Contemporary Orchestra – como sendo mais introvertido.
The Smile – “Bending Hectic” – Gravado em Abbey Road, o novo single do grupo de Thom Yorke, Jonny Greenwood e Tom Skinner começa meditativo, com participação da London Contemporary Orchestra (em sua segunda aparição na playlist da semana), até explodir em distorção e zoadeira nos minutos finais.
Sam Burton – “Long Way Around” – Vem de Los Angeles este folk-rock cósmico com tintas de Laurel Canyon que parece estar chegando de algum momento do final da década de 1960, produzido por um mestre do gênero, Jonathan Wilson.
Balmorhea – “Oscuros”– O coletivo elástico de Austin, no Texas, liderado por Rob Lowe (guitarra e piano, nada a ver com o famoso ator) e Michael Muller (guitarra e baixo), faz em seu segundo álbum para o prestigioso selo Deutsche Grammophon – Pendant World – um som instrumental envolvente e sem fronteiras, incorporando Americana, jazz e música clássica.
Ben Van Gelder – “Spectrum”– O órgão de tubos provoca sinapses imediatas com o prog dos anos 1970, mas aqui, tocado por Kit Downes na faixa do novo álbum do saxofonista holandês Gelder, Manifold, ele serve como uma das tantas cores de uma tecitura rica e complexa, que inclui, ainda, a voz da fantástica mexicana Fuensanta.