Festival do Rio volta à boa forma com exibições na praia, na praça e na biblioteca
Mais de 200 filmes serão exibidos presencialmente nos próximos 10 dias. Cine Odeon reabre para as pré-estreias depois de anos fechado.
O Rio de Janeiro retoma o fôlego e a volta da cena cultural pós-pandemia vem embalada com muito vigor. Depois de dois anos de edições bem reduzidas, em função da pandemia e de crises financeiras, o Festival do Rio retorna finalmente, turbinado por uma programação de mais de 200 filmes, que serão exibidos ao longo de 10 dias, (entre 6 e 16 de outubro), com sessões no Rio e em Niterói. A grande novidade desta edição serão as exibições ao ar livre, em telas grandes, no Boulevard Olímpico e na Praia de Copacabana, e as sessões na Biblioteca Parque Estadual, no centro da cidade. A luz do cinema vai se expandir para fora das salas tradicionais e iluminar novos espaços da cidade.
Os lançamentos do festival incluem longas-metragens como My Policeman (estrelado por Harry Styles), e Império da Luz, dirigido por Sam Mendes. Como de costume, o evento traz filmes premiados em outros festivais, como Cannes, Toronto, Veneza e Berlim. Serão realizadas as clássicas mostras: Panorama do Cinema Mundial, Première Brasil, Expectativa, Clássicos e Cults, Première Latina, Itinerários Únicos e Midnight Movies.
Depois de comover o público de Cannes e abocanhar o Grande Prêmio do Júri do festival, Close, de Lukas Dhont, é uma das apostas da programação. Outros destaques são Uma Noite em Haifa, de Amos Gatai, Broker-Uma Nova Chance (Hirokazu Kore-eda) e Quando Não Há Mais Ondas (Lav Diaz). Outro filme imperdível é Argentina, 1985, de Santiago Mitre, com Ricardo Darín e Peter Lanzanio. O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
“É uma seleção de alto nível, pensada para atrair as pessoas e fazê-las sair de casa para assistir a muitos filmes”, diz Hilda Santiago, diretora do festival.
Os apreciadores de música serão brindados com filmes como Cesária Évora, de Ana Sofia Fonseca; e Hallelujah: Leonard Cohen, A Journey, A Song, de Daniel Geller e Dayna Goldfine. Para quem gosta de música brasileira, o festival preparou um cardápio tanto: Elis & Tom, só tinha de ser com você, Belchior, apenas um coração selvagem, Miucha, a voz da bossa nova, Andança - os encontros e as memórias de Beth Carvalho e Elton Medeiros, o sol nascerá.
Já a Première Brasil inclui, entre outros, Regra 34 novo filme de Júlia Murat, que recebeu o Leopardo de Ouro do Festival de Locarno, e Perlimps, nova animação comandada por Alê Abreu( indicado ao Oscar em 2013, por O Menino e o Mundo. Descubra a programação completa.
E mais…
- Com estreia marcada para o dia 11 de novembro, Pantera Negra: Wakanda Para Sempre ganhou esta semana seu novo trailer. O que mais provocou comentários foi a última cena, na qual o herói-título é revelado como uma mulher, embora ainda não se saiba qual das personagens femininas assumirá a máscara de T’Challa. O trailer, segundo o site Omelete, traz ainda mais imagens de Namor (Tenoch Huerta) e um flash de Riri Williams (Dominique Thorne) com a armadura de Coração de Ferro. Criado por Bill Everett em 1939 – portanto, um dos mais antigos personagens da Marvel –, o Príncipe Submarino será o grande antagonista deste filme.
- Durante a adolescência, o fotógrafo Carell Augustus ficava incomodado pela forma com que os pretos estavam ausentes do cinema convencional e das imagens da cultura pop. Já adulto, seu trabalho nos sets de TV e cinema deu-lhe a oportunidade de criar retratos de atores negros protagonizando cenas clássicas de filmes de Hollywood como O Iluminado, Bonnie & Clyde, Dirty Dancing-Ritmo Quente, A Primeira Noite de Um Homem e De Volta Para O Futuro. O resultado dos cliques é o excelente livro “Black Hollywood: Reimagining Iconic Movie Moments”, da editora Ebony Magazine, que pode contribuir um pouco para a correção do evidente preconceito estrutural na mídia durante a era de ouro de Hollywood. Saiba mais no Los Angeles Times.
- O MET de Nova Iorque anunciou, esta semana, que vai transmitir ao vivo óperas por streaming para clientes dos quatro cantos do mundo. O novo programa “The Met: Live at Home” (“O Met: ao vivo em casa”) tem como objetivo expandir o público da tradicional casa de ópera, oferecendo uma programação de qualidade para amantes do gênero musical em 170 países. Ainda em 2022, 10 produções serão transmitidas pelo programa, começando com Medeia, de Luigi Cherubini, que abriu temporada do MET. O Met é uma das instituições culturais que mais investem na transmissão de espetáculos ao vivo.
- A exposição internacional Frida Kahlo - A Vida de um Ícone, recém-inaugurada em Salvador Shopping, apresenta a biografia da artista de maneira interativa. Na mostra, 10 ambientes retratam a vida de Frida através de fotografias, filmes, ambientes digitais e instalações artísticas. Entre os ambientes, a holografia “O Instante” reproduz o acidente de bonde que mudou a vida da pintora. Outro destaque será “O Sonho”, instalação que retrata a imaginação e os sentimentos de Frida durante a sua recuperação na cama, lugar onde criou grande parte de suas obras. Os ingressos variam entre R$30 e R$150 e podem ser adquiridos online no site.
- Nesta sexta, dia 7, uma programação inédita vai juntar o escritor, ensaísta e músico José Miguel Wisnik e o líder indigenista e ambientalista Ailton Krenak, nas areais da praia da Ipanema (no posto 10), às 18h, no encontro “Drummond, poesia e meio ambiente”. Trata-se da abertura do festival Paixão de Ler. Os dois intelectuais vão conversar sobre mineração, meio ambiente e poesia.
- A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) anunciou a temporada 2023, que começa no dia 2 de março. Entre os destaques, a série “Violoncelo em Foco”, com convidados como o francês Gautier Capuçon e a israelense Inbal Segev, e a maratona “Beethoven-Fest”, que recria o concerto de 1808 no qual estrearam a Quinta e a Sexta sinfonias do compositor. Já o ciclo “Rachmaninov 150 anos” terá nove obras do compositor romântico russo interpretadas pelo pianista britânico Stephen Hough, o artista em residência da temporada. E Mahler, claro. O maestro titular e diretor musical da Osesp, Thierry Fischer, escolheu sua Sinfonia nº 3 para abrir a Temporada 2023. Conheça a programação completa.
- A Galeria Luisa Strina, em São Paulo, inaugura nesta sexta, 7/10, a exposição “A Lua Busca La Sombra”, fruto de um projeto que coloca em diálogo as obras de Juan Araujo e Mauro Restiffe. Resultado de mais de um ano de trabalho conjunto, a mostra apresenta obras em pintura e fotografia organizadas em núcleos temáticos.
Lado Z – Nas trincheiras do jornalismo musical, mundo afora, com José Emilio Rondeau
Uma tarde de 1988 com Keith Richards
“Zé, topa entrevistar Keith Richards?”.
A voz de Cecília MacDowell, Gerente de Internacional da gravadora BMG, viajou milhares de quilômetros, de Copacabana, mas chegava clara e impactante no telefone sem fio de meu home office num canyon de Los Angeles.
E o convite era irrecusável.
Já sabia, naquela tarde de agosto de 1988, que Keith havia gravado seu primeiro álbum-solo, dois anos depois do turbulento lançamento de Dirty Work, o que para muitos era talvez o último dos Rolling Stones, um canto do cisne bem mais-ou-menos, feito num clima de imensa animosidade entre Richards e Mick Jagger – que desde 1985 vinha investindo forte numa carreira individual, com discos e turnês por Austrália e Japão.
Mas ainda não tinha ouvido uma nota sequer de Talk Is Cheap, o assunto sobre o qual conversaria com Keith poucos dias depois no Hotel Mondrian, no trecho mais badalado da Sunset Strip, em West Hollywood, do outro lado da rua da casa de shows House of Blues (nenhum dos dois, hotel e casa, existem mais, sinal dos tempos).
A curiosidade era enorme. Os discos solo de Jagger, todos, haviam sido tiros n’água, uma bobagem só (o bom ainda estava por vir), e agora Keith poderia restabelecer a credibilidade dos Stones, bastante abalada naquele final de década, e demonstrar o quanto de si formava os alicerces e o DNA da banda.
Mais: entrevistar um dos Rolling Stones? Cara a cara? Só eu e ele? Durante 40 minutos? É uma chance de ouro, uma na vida.
Já tinha estado com Mick algumas vezes, de 1975 até ali, mas nada que configurasse uma entrevista formal ou organizada para render uma matéria jornalística com algum estofo (lembro de quando ele esteve no Rio de Janeiro, em 1985, filmando o curta – ou média? – Running Out of Luck, com Julien Temple, e protagonizou uma caótica coletiva no Copacabana Palace, cuja parte mais memorável foi a pilha que ele botou num jornalista paulista, garantindo que nunca tinha ouvido falar de The Smiths. O paulista, fanzoco de Morrissey, surtou, irritadíssimo, não se tocando de que estava sendo sacaneado por Mick).
Já havia meio que entrevistado Bill Wyman, durante a passagem dos Stones em Nova York, na turnê de 1981, que eu estava cobrindo, num coquetel organizado para badalar seu single “( Si Si) Je Suis un Rock Star”.
Mas essa seria a primeira entrevista de verdade, e individual, de longa duração, com um artista que ajudou a escrever a cartilha e a história do rock.
Como Talk Is Cheap ainda estava sendo guardado a sete chaves, em vez de receber em casa uma cópia do disco (em vinil, ou em cassete, como ainda era a norma) para me preparar para a entrevista, dias antes do encontro marcado com Keith precisei ir à sede da Virgin Records, em Beverly Hills, para, trancado numa sala, ouvir tudo de cabo a rabo, quantas vezes quisesse, e fazer anotações.
Confirmei todas minhas expectativas positivas sobre o disco e sobre o quinhão que cabia a Richards no legado dos Stones.
E lá fui eu, no dia 31 de agosto, rumo ao Mondrian. Rumo a Keith.
Fui recebido por Jane Rose, empresária de Richards, que me conduziu a uma suíte com vista para as colinas de Hollywood, onde eu deveria esperar enquanto ela ia buscar Keith. Não demorou muito até que batessem na porta. Abri e, detrás de Jane, sorridente, de óculos escuros, mexendo de um lado para o outro, animado e cheio de energia, estava ele.
A primeira impressão foi descrita com detalhes na enorme matéria que escrevi para a revista Bizz. “Em pessoa, Keith parece mais saudável do que aparenta em fotos. O rosto está decorado por várias rugas, mas o corpo está enxuto e os braços exibem biceps musculosos. No lóbulo da orelha esquerda, uma argola trabalhada em prata. Mais acima, na mesma orelha, oculto pelo cabelo, que já está ficando grisalho, outro brinco: uma cobra enrolada em marfim. Vestia uma calça de veludo verde garrafa, combinando com botas de salto baixo e uma camisa de seda salmão, sem manga, que fazia par aos óculos vermelhos, espelhados”.
Nos cumprimentamos, Jane nos deixou e ele se dirigiu ao frigobar, de onde se serviu de Jack Daniel’s, misturado a Ginger Ale e alguns cubos de gelo. Não me ofereceu e fiquei a seco.
Acendeu o primeiro de uma interminável série de cigarros Marlboro – e abriu o coração e a memória prodigiosa (“com cadência de um contador de ‘causos’”, escrevi) numa entrevista repleta de gargalhadas que extrapolou os limites do disco solo, indo bater em diferentes fases da carreira dos Stones, em meio ambiente, nos atritos com Mick, em drogas, e em sua passagem pelo Brasil, em 1968, de onde levou o violão comprado de um músico de rua em Copacabana, com o qual começou a compor “Honky Tonk Woman”.
Rendeu oito páginas de revista.
Os 40 minutos reservados à entrevista já haviam acabado – e nada de Jane Rose aparecer para terminar a função. Resolvi arriscar: seria possível entrevistar também Steve Jordan, o músico que produziu com Richards Talk is Cheap? “Claro!”, respondeu Keith, levantando-se. “Vamos para meu quarto, de lá a gente chama Steve”.
No quarto – na verdade, uma enorme suíte – , estava Jane, que se surpreendeu com nossa chegada. Keith pegou o telefone, avisou a Steve – que estava alguns andares abaixo – e me indicou onde encontraria o produtor.
Durante a super informativa entrevista com Jordan, soube que naquele mesmo dia, dentro de poucas horas, iriam rodar o videoclipe de “Take It So Hard”, o primeiro single do álbum. Não deu outra: com toda delicadeza (já estava ali há quase duas horas, “alugando” o QG temporário de Richards), perguntei a Jane sobre a possibilidade de acompanhar a filmagem, certo de que ouviria um “não”, seguido de “goodbye”. Jane disse sim. Passou o endereço e combinamos de encontrar lá.
Nos primórdios da TV, os estúdios Ren Mar, na Cahuenga Boulevard, em Hollywood, tinham sido a base da Desilu Productions, de Lucille Ball e Desi Arnaz, e lá foram filmadas séries como “I Love Lucy” e “Guerra, Sombra e Água Fresca”. Quando chego lá, já com a tarde prestes a terminar, um grupo se reúne em torno de uma área relativamente pequena, um set de filmagem simulando um deserto pós-apocalipse onde foram montados bateria, teclados e alguns amplificadores.
O diretor do videoclipe, Larry Williams – conhecido também por trabalhos com Prince, Paul Simon e Iggy Pop – , conduz os últimos retoques antes de iniciar as filmagens quando surgem Keith, Steve, mais o guitarrista Waddy Wachtel, o tecladista Ivan Neville e o baixista Charlie Drayton (que hoje assumiria as baquetas, cedendo a vez a Jordan), plugam o que precisa ser plugado e … começam a tocar!
Ali, a dois metros de mim, com o som das guitarras saindo alto, feroz, cru, dos amplificadores, Keith e sua nova banda, os X-Pensive Winos, tocaram “Take It So Hard” uma vez depois da outra, cada hora enxertando uma quebrada diferente, um riff variado.
Quantas vezes, ao todo? Parei de contar na sexta versão, me dei por satisfeito, me despedi de Jane Rose e parti de carro pela noite de Los Angeles, a cabeça e o coração fervendo, depois de uma tarde quase inteira com Keith Richards.
PLAYLIST FAROL 7
Vamos a mais uma playlist temática?
Abrimos aqui uma série de 10 álbuns unidos por uma mesma característica: são representativos de pontos altos num momento já bem avançado da trajetória de artistas de carreira bastante longeva.
Nestes álbuns estão triunfos maduros, reafirmações de criatividade ou inquietude – e até ressurreições artísticas.
Não por coincidência, muitos desses discos celebram a vida, mas também falam de finitude e da aceitação dela. Ou não.
Bill Fay – Life Is People – Talvez fosse para Bill Fay ter ficado onde estava: uma baixa do rock dos anos 1970 como tantas e tantas, largado pela gravadora depois de baixa vendagem, uma promessa que empacou em alguns poucos discos seminais que influenciariam gerações sucessivas de músicos mas destinados apenas aos antigos, ao colecionador mais atento, ou ao sortudo que os descobrisse por acaso.
Talvez fosse para ele ter restringido sua atividade artística a gravações caseiras, criando o que o artista mesmo chama de “álbuns imaginários”, enquanto ganhava a vida jardinando, faxinando fábricas ou vendendo peixes.
Mas a vida tinha outros planos para Bill.
Um jovem produtor americano, Joshua Henry, que havia crescido ouvindo os LPs do pai, decidiu resgatar o artista, cercou-o de estímulo, recursos e dos músicos com que Fay mais trabalhou ao longo da vida, e , juntos, gravaram o primeiro álbum de Fay em mais de 40 anos.
Lançado em 2012, Life Is People é um assombro, um disco repleto de meditações e toques zen em celebração à força da vida, músicas ao mesmo tempo sutis, mas de uma profundidade infinita.Tudo gravado com sensibilidade absoluta pelo engenheiro Gary Massey, adicionando uma sonoridade atemporal e polida. Com predominância de voz e piano (que Bill precisou reaprender a tocar), mas com instrumentação clássica de rock, mais cordas usadas de maneira bem econômica.
Embora traga algumas regravações – “Be At Peace With Yourself”, aqui temperada com as vozes do London Community Gospel Choir; “City of Dreams”, “There Is A Valley” –, a maior parte das músicas é nova e absolutamente acachapante, um disco de gente grande que viveu muito, que passou por muito – de bom, de ruim, de devastador, de destruidor – , mas sem um pingo da bile e da raiva que poderia se esperar de um artista brilhante que fora descartado e quase esquecido.
Muito pelo contrário. Através de canções como “Never Ending Happening”, “The Healing Day” e a transcendental “Cosmic Concerto (Life is People)”, Bill Fay fez um álbum de compaixão e de gratidão pela vida.
Como o próprio Fay diz na faixa-título, “existem milagres nos lugares mais estranhos”. Aqui está um deles. Em 2012, Bill fez o disco da sua redenção.