Extrapolando os limites do cinema
Diretor de 'A Baleia' e 'Réquiem Para Um Sonho', Darren Aronofsky inaugura espaço multi-sensorial em Las Vegas com filme em 4D para ser exibido em displays de 16K com altura equivalente a 20 andares
Na semana passada falamos aqui sobre as possibilidades inéditas que o formato Dolby Atmos está abrindo para a produção e o consumo de música. Agora é a vez de mostrar como o novo projeto do cineasta Darren Aronofsky pode extrapolar os limites do cinema, trazendo para as salas de exibição uma experiência imersiva antes possível.
É importante dizer que não é um projeto tradicional de cinema nem de trata de qualquer sala de exibição. Diretor de filmes marcantes, como A Baleia, Cisne Negro, Réquiem Para Um Sonho e Pi, Darren criou seu novo projeto especificamente para ser exibido na Sphere, mega empreendimento que custou mais de dois bilhões de dólares para ser erguido em Las Vegas, na forma de uma esfera, para abrigar shows imersivos (o U2 inaugura o lugar, no final de setembro) e, agora se sabe, filmes multi-sensoriais.
A partir de seis de outubro o público conhecerá Postcard from Earth, audiovisual que Aronofsky descreveu ao The Hollywood Reporter como sendo uma “jornada de ficção-científica que mergulha no nosso futuro, enquanto nossos descendentes refletem a respeito do lar que compartilhamos”. Combinando linguagem de documentário e de filmes narrativos, o projeto reproduzirá em um display de quase 15 mil metros quadrados, com altura correspondente a 20 andares, imagens 16K, captadas em todos os continentes do planeta (inclusive, tomadas submarinas) com uma câmera especialmente construída para a ocasião, batizada de Big Sky, feita em Burbank, na Califórnia, pelo braço técnico encarregado de produzir conteúdo para a Sphere.
Para o som – "espacial", vale notar – foram espalhadas pelo espaço nada menos que 164 mil caixas de som. Mais: os assentos serão móveis e reativos aos sons e às imagens e efeitos “ambientais" (vento e alterações na temperatura, por exemplo) ajudarão a tornar toda a experiência 4D.
Uma experiência verdadeiramente única. Mas não será para qualquer bolso. Os ingressos para a estreia de Postcard From Earth custam entre 70 e 200 dólares. Depois, caem para uma faixa que vai de 50 a 130 dólares.
A ideia da Sphere é se expandir pelos Estados Unidos. Já há planos de reproduzir o mesmo tipo de prédio em lugares como Nova York e Los Angeles. O que demonstra um investimento na popularização do novo formato de audiovisual, que resultará na necessidade de mais conteúdo criado por cineastas renomados, especificamente para ali – o que, por outro lado, ajudará a impulsionar o desenvolvimento de ainda mais novas tecnologias.
“Na sua melhor forma, o cinema é um meio imersivo de expressão artística”, disse Arren, "que transporta o público para fora de sua vida rotineira, seja por meio da fantasia ou do escapismo, outro tempo, outro lugar, ou a experiência subjetiva de outra pessoa. A Esfera é uma tentativa de amplificar essa experiência”.
O teatro brasileiro perde Zé Celso, um de seus maiores dramaturgos. Elis dueta com Maria Rita, via AI, em comercial que emociona mas causa controvérsia. Pagu é a homenageada da FLIP ’23. O estúdio que criou capas icônicas para discos de rock ganha documentário. Filme de Orson Welles alterado pelo estúdio é "recuperado", 80 anos depois. E Tom Cruise disputa com o diretor Christopher Nolan a posse de centenas de telas de cinema nos Estados Unidos.
– As artes cênicas perderam essa semana o diretor José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, um dos maiores nomes da dramaturgia nacional e parte do grupo fundador do pioneiro Teatro Oficina, ícone da atividade artística brasileira e da resistência cultural à ditadura militar – e das mais longevas companhias teatrais do país. Zé Celso dirigiu marcos do teatro brasileiro, como "O Rei da Vela" e "Roda Viva”, a primeira incursão de Chico Buarque no gênero, encenada em 1968, pouco antes de ser editado o Ato Institucional nº 5 (o AI-5), que deu início ao período mais violento da repressão militar. A peça acabou tornando-se um forte símbolo da luta contra a censura e pela liberdade de expressão. ”Sem medo de experimentações e com constante desejo de renovação, Zé Celso provocou atores e público, criando um teatro mais sensorial, sempre guiado pela realidade política e cultural do país”, escreveu o g1. O Teatro Oficina – hoje tombado – despediu-se de Zé Celso com uma postagem em suas redes sociais: "Tudo é tempo e contra-tempo! E o tempo é eterno. Eu sou uma forma vitoriosa do tempo. Nossa fênix acaba de partir pra morada do sol. Amor de muito. Amor sempre".
– O uso da Inteligência Artificial permitiu que Elis Regina - morta 41 anos atrás – e a filha, Maria Rita, fizessem um dueto em comercial que marca as sete décadas de atividade da Volkswagen no Brasil. As duas cantam juntas "Como Nossos Pais", clássico de Belchior que fez sucesso na voz de Elis, na década de 1970, enquanto conduzem, emparelhadas, ao longo de uma estrada deserta, diferentes versões da Kombi, um dos automóveis-assinatura da marca: o modelo tradicional, guiado pela mãe, e o atual, elétrico, onde está a filha. No decorrer do vídeo, diferentes exemplos de carros fabricados pela VW no Brasil fazem aparições – e um figurante surge vestindo uma camiseta com o rosto de Belchior estampado nela, numa referência ao autor da música. O encontro de mãe e filha foi possível graças à utilização de deepfake, que fez uma mistura entre o rosto de uma motorista dublê – a atriz Ana Rios – e de uma imagem recriada de Elis Regina, graças às atuais tecnologias de manipulação de som e imagem. A voz, no entanto, é mesmo da Pimentinha. O comercial – criado pela agência AlmapBBDO e produzido pela Boiler Filmes, com direção de Dulcidio Caldeira – emociona. Mas causou polêmica, também. O jornalista Ricardo Schott apontou, no site Pop Fantasma, uma contradição na escolha da música. Nela, Belchior não fala de um encontro de gerações, como propõe o comercial, mas "sobre jovens que encaretaram e sobre padrões que não são mais questionados”, sobre “falta de contestação”. Enquanto isso, o UOL lembrou que a Volkswagen tinha ligações com a mesma ditadura militar a que Elis tanto fez oposição. E O Globo mencionou questionamentos quanto à utilização da imagem de Elis para fins comerciais, embora o filho da artista, o músico João Marcelo Bôscoli, tenha aprovado o anúncio. Especialmente, por promover o encontro artístico de mãe e filha. "Acho tudo extremamente positivo”, disse ele. “Fico feliz porque é uma exposição de Elis numa situação que muitas pessoas ficaram sonhando durante muito tempo, e só agora a tecnologia permitiu realizar”. Já Pedro Dória, da plataforma O Meio, afirma que "os críticos do comercial da Volkswagen não entenderam nada. Acham que lendo a música 'Como Nossos Pais' literalmente perceberam tudo, mas não perceberam nada. É uma publicidade sobre memória, sobre as emoções que fazem de nós brasileiros. E a gente precisa muito lembrar do que temos em comum”. Assista aqui ao vídeo.
– A escritora modernista, poeta, jornalista, tradutora, cartunista, dramaturga e crítica musical Patrícia Rehder Galvão – ou Pagu, como tornou-se conhecida – será a homenageada da próxima edição da FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), que acontece em Paraty, de 22 a 26 de novembro. A escolha, de acordo com Mauro Munhoz, diretor artístico da feira, deve-se às múltiplas personalidades de Pagu e a seu “caráter de leitora”. Para a crítica literária Milena Britto, encarregada da curadoria do evento, ao lado da editora Fernanda Bastos, Pagu, com seu "espírito de luta”, era "apaixonada por experimentos e fez de seu próprio corpo uma linguagem”.
– Comandado por Storm Thorgerson e Aubrey “Po” Powell, o estúdio Hipgnosis criou algumas das imagens mais singulares e marcantes usadas em capas de discos de rock nos anos 1960 e 1970, para artistas como Pink Floyd, Led Zeppelin, Paul McCartney e Peter Gabriel. Agora, o estúdio é objeto de um documentário dirigido pelo holandês Anton Corbjin – fotógrafo de rock conhecido por seu trabalho com o U2, principalmente, mas também com o Joy Division e os Rolling Stones, e hoje diretor de cinema – , Squaring the Circle, do qual participam vários dos mesmos astros de rock atendidos pela Hipgnosis, de Robert Plant a David Gilmour.
– Logo depois de ter feito sua obra-prima, Cidadão Kane, – hoje sempre presente nas listas de melhores filmes de todos os tempos, geralmente encabeçando o ranking – , em 1941 Orson Welles partiu para outro projeto, igualmente ambicioso: Soberba, baseado no romance escrito por Booth Tarkington. Premiado com um Pulitzer, o livro – a respeito do que acontece com a família mais rica de uma cidade no estado de Indiana – já havia sido adaptado por Welles para o rádio. Mas quando o filme (com Welles, Joseph Cotten e Agnes Moorehead no elenco) ficou pronto o estúdio RKO não gostou do resultado – considerado sombrio demais – e reeditou tudo, reduzindo em 43 minutos a duração da película e adicionando um final feliz que em nada condizia com a visão artística de Welles. Apenas 13 das 73 cenas previstas originalmente ficaram imunes a qualquer tipo de modificação. Pior, a RKO queimou todos os negativos, para abrir espaço em seu armazém. O que tornou impossível para Welles sequer tentar lutar por uma remontagem. Só que agora, mais de oito décadas depois, um dedicado fã de Orson – e também cineasta – resolveu “restaurar" o filme a sua forma originalmente pretendida. Brian Rose resgatou fotografias, anotações, diagramas e storyboards originais e a partir deles criou as cenas cortadas através do uso de animação e de vozes gravadas agora por atores. O trabalho vem sendo compartilhado no perfil de Brian no Instagram.
– Foi uma briga de cachorros grandes. Duas das maiores atrações da temporada atual de cinema vêm disputando espaço nas salas de exibição dos Estados Unidos: Missão Impossível-Acerto de Contas Parte 1, continuação da franquia de enorme sucesso e estrelada por Tom Cruise, e Oppenheimer, épico do diretor Christopher Nolan sobre a criação da bomba atômica. O filme de Tom estreia primeiro, na semana que vem, e pretendia ocupar o máximo possível das salas com equipamento em IMAX – que proporciona imagem enorme, espetacular. Mas precisou se contentar com apenas sete dias de exibição no formato desejado, porque Nolan, cujo filme chega às telas na semana seguinte, já havia firmado um contrato para ocupar simplesmente todos os cinemas IMAX dos Estados Unidos, num total de 401 salas, durante as três primeiras semanas de exibição. Nem adiantou Cruise ligar para a IMAX para lembrar dos mais de 100 milhões de dólares que seu Top Gun:Maverick, do ano passado, rendeu aos cofres da empresa. Mesmo porque quem filma usando as câmeras especiais da IMAX – como Nolan fez – já ganha preferência.
PLAYLIST FAROL 44
Joe Walsh ‘duela' com seu predecessor no James Gang. Inédita dos Breeders. A Americana cósmica de Buddy & Julie Miller. A canção-hino de Beverly Glenn-Copeland. Letrux solta as feras. Sonic Youth se despedindo dos palcos. Steve Winwood em ritmo de reggae. Biquini regrava Cassiano. O violão do texano Hayden Pedigo. E Terrace Martin remexe suas raízes afro-angelenas.
Glenn Schwartz – “Daughter Of Zion“ – Glenn era o guitarrista original do James Gang, power trio de Cleveland, Ohio, formado em 1966. Mas foi substituído por Joe Walsh, um ano depois. Walsh tornou-se o som-assinatura e a principal imagem do trio antes de mudar-se, de mala e guitarra, para o Eagles. Glenn, por sua vez, sumiu, mergulhado numa comunidade religiosa, para ressurgir somente décadas depois. Dan Auerbach, dos Black Keys, sempre atento, detectou o paradeiro de Schwartz e chamou-o para fazer uma série de gravações pouco antes dele morrer, em 2018. Uma delas saiu agora, como parte de uma compilação do selo de Dan, Easy Eye Sound. O riff principal lembra bastante o de “Them Changes”, gravado por Jimi Hendrix e sua Band of Gypsys, e conta com a participação de Walsh num eletrizante duelo de guitarristas.
The Breeders – “Go Man Go” – Música inédita dos Breeders, integrada ao relançamento comemorativo de 30 anos do álbum Last Splash, de onde saiu o maior sucesso do grupo, "Cannonball”.
Buddy & Julie Miller – “In The Throes” – A mescla de rock, Americana, country blues cósmico e gospel da rodada dupla de marido e mulher é a faixa-título de seu novo álbum, com lançamento previsto para setembro.
Beverly Glenn-Copeland – “Stand Anthem” – O legendário cantor-compositor de formação clássica, mas com fortes tonalidades folk, jazz, New Age, eletrônica e soul em sua música, disponibilizou uma canção-hino composta com sua esposa, Elizabeth, para mostrar ao público “nosso poder coletivo”. É mais uma prévia de seu primeiro álbum em 20 anos, The Ones Ahead, que sai no final do mês.
Letrux – “As feras, essas queridas”– Em seu terceiro álbum de estúdio, dedicado a Rita Lee, a cantora-compositora Letícia Novaes investe nos sintetizadores e nos sons eletrônicos, produzida pelo DJ João Brasil.
Sonic Youth – “Death Valley '69” – Embalada numa capa que ecoa os discos bootleg editados pelo selo Trade Mark of Quality nas décadas de 1960 e 1970, essa incendiária versão ao vivo de uma das faixas do álbum Bad Moon Rising, de 1985, foi gravada ao vivo, no Brooklyn, no último show da banda, em agosto de 2011. A íntegra da apresentação sai exatamente 12 anos depois.
Kingston Sound System, Stevie Winwood – A banda (cujos integrantes, por algum motivo, mantêm-se no anonimato) está regravando em ritmo de reggae uma série de hits do rock e do pop. Aqui, convocou Steve Winwood – autor e intérprete original da música – para regravar “Higher Love”, de imenso sucesso em meados dos anos 1980.
Biquini Cavadão – “Coleção” – O veterano quarteto carioca regravou um clássico de Cassiano, mestre da soul music do Rio de Janeiro da década de 1970, que já vinha tocando ao vivo há 25 anos.
Hayden Pedigo – “Signal of Hope” – Quem gosta de violonistas como Leo Kottke e John Fahey vai se interessar por este guitarrista texano, que adiciona ao fundo de sua mais recente faixa um toque de pedal steel que não deixa de lembrar os arranjos de Jimmy Page para o Led Zeppelin no início da década de 1970.
Terrace Martin– “Degnan Dreams”– Produtor de Kendrick Lamar, Stevie Wonder e Snoop Dogg, o multi-instrumentista californiano lançou agora o primeiro de seis (!!!) álbuns que sairão até o início do ano que vem, um trabalho titânico que sublinha suas raízes afro-angelenas, como aqui, nesse curto mas contagiante balanço de bateria e percussão, onde o sax de Terrace dialoga com o trompete de Keyon Harrold.