Estúdio perto de falir + musical adaptado da Broadway + estrela ascendente + co-astro irritado = sucesso perene
'A Noviça Rebelde' comemora aniversário de 60 anos fazendo parte do DNA cultural do planeta – por bem ou por mal

Há exatos 60 anos chegava aos cinemas a adaptação de um bem-sucedido espetáculo da Broadway que transformaria para sempre as carreiras de seus astros, coroaria o currículo de um diretor já premiado, e resolveria a profunda crise financeira de um dos estúdios mais prestigiosos de Hollywood.
Apesar das críticas impiedosas quando estreou – a temida (e brilhante) Pauline Kael teria sido ejetada da revista McCall's após destroçar o filme em sua resenha, chamando-o de “uma mentira embelezada” –, A Noviça Rebelde elevou a britânica Julie Andrews ao status de superestrela do cinema, sedimentando um processo de popularidade iniciado no ano anterior, quando saiu Mary Poppins, mostrou o lado pop do canadense Cristopher Plummer, mais afeito a interpretar Shakespeare do que fazer cenas em que precisava cantar, e inseriu-se no DNA cultural do planeta, por bem ou por mal, com uma história de amor emoldurada por cenários de cartão postal, antagonistas odiosos (os Nazistas) e canções-chiclete que atravessaram gerações.
Descrito em anúncios de jornal, quando saiu no Brasil, como “um drama de sensibilidade sincera e inesquecíveis melodias” apresentadas com “som magnético estereofônico”, o filme adaptava um musical assinado pela dupla Richard Rodgers e Oscar Hammerstein – que, por sua vez, se baseava num livro de 1949, com memórias sobre as mudanças provocadas na família de Georg von Trapp – um militar da Marinha austro-húngara viúvo e seus sete filhos – com a chegada de uma nova governanta, Maria Augusta Kutschera, na casa da família, em Salzburgo, e a consequente transformação desse núcleo numa trupe musical.
A 20th Century Fox esperava que A Noviça Rebelde ajudasse a tirar o estúdio do buraco em que havia se metido com as dívidas contraídas nas filmagens de Cleópatra, mega-produção estrelada por Elizabeth Taylor que custou o hoje equivalente a 350 milhões de dólares, uma encrenca financeira tão grande que já havia custado parte considerável do terreno onde funcionava a Fox, um milhão de metros quadrados que deram origem a todo um novo bairro de Los Angeles, batizado de Century City.
Para tanto, recontratou seu antigo chefe de produção – o legendário Daryl F. Zanuck –, que encarregou o diretor Robert Wise, então recém-premiado pelo comando de outro filme musical, Amor Sublime Amor, de convencer Doris Day a aceitar fazer o papel principal. Só que Rodgers e Hammerstein tinham outra sugestão: a jovem Julie Andrews, estrela de My Fair Lady na Broadway, e cuja carreira no cinema estava para explodir quando a Disney lançasse o longa Mary Poppins, já pronto. Conta a lenda que Wise viu apenas cinco minutos do filme ainda inédito e decidiu contratar Julie na hora, por 225 mil dólares – ou 2.3 milhões de dólares, em dinheiro de hoje.
Embora bem longe do drama que foi a realização de Cleópatra, os acontecimentos no set de A Noviça Rebelde geraram uma certa dose de preocupação à Fox. Plummer não se sentia 100% à vontade no papel de galã cantor, e teve vezes que precisou ir bêbado ao set para conseguir encarar o trabalho.
Cristopher também não se dava bem com sua co-estrela, chamando-a, debochadamente, de Sra. Disney (pela atuação dela em Mary Poppins), e dizendo que trabalhar com ela era como ser atacado diariamente com um cartão de Dia dos Namorados. Futuramente, Plummer se desculparia, e ele e Julie tornaram-se amigos de vida inteira.
Outros problemas, esses mais prosaicos, aconteceram. Por exemplo, clima instável e a complexidade da logística estenderam por dois meses a filmagem de uma única cena do filme – na qual Julie ensina às crianças como cantar a música “Dó- Ré- Mi” –, registrada em nove locações diferentes. E, como o tempo passava, as crianças passavam por transições naturais de sua idade. Uma delas, Debbie Turner, que fazia o papel de Marta, precisou terminar seu trabalho usando um dente postiço, depois que caiu um de seus dentes de leite.
O diretor Robert Wise notou uma linha divisória visível na reação da crítica, quando o filme saiu. Para ele, os jornais e as revistas da costa leste dos Estados Unidos “nos destruiram”. Enquanto “a imprensa local” (ou seja, de Los Angeles) e os trades (as publicações que falam direto com a indústria de entretenimento e cobrem suas atividades) “fizeram ótimas resenhas”. Para cada lambada dada pelo The New York Times (“uma baboseira sentimentaloide” com crianças fazendo “papéis artificiais” sob a “direção piegas” de Wise) vinha o Variety elogiar efusivamente “um drama cativante e pulsante, com o uso mais imaginativo possível das melodias cadenciadas de Rodgers e Hammerstein, magnificamente montado e com um elenco brilhante”.
O filme teve um sucesso estrondoso – foi o longa de maior renda nos Estados Unidos em 1965, e garfou uma renda mundial de mais de dois bilhões de dólares, em valores atuais – e coletou um punhado de prêmios Oscar, em 1966: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Trilha Musical e Melhor Montagem. Julie foi indicada para o troféu de Melhor Atriz (mas perdeu para Julie Christie, estrela de Darling, filme de John Schlesinger ).
E essa trajetória de sucesso só tende a continuar.
A prefeitura de Salzburgo – sempre interessada em enfatizar com passeios temáticos os laços da cidade com o célebre filme – promete para o decorrer de 2025 uma comemoração à altura dos 60 anos de A Noviça Rebelde, que inclui uma exposição montada no Palácio Schloss Leopoldskron, locação usada em várias cenas do longa, a venda de uma nova linha de roupas típicas da época em que se passa a história, a apresentação da montagem original da Broadway, e uma inusitada apresentação do filme na forma de um show de marionetes.
Um filme baseado em suas vidas e os acontecimentos das últimas décadas certamente sequer passaram pela imaginação de Maria e Georg quando resolveram se casar, em 1928, e deram início à carreira musical de sua família. Não contavam com a criatividade e o espírito empreendedor de um aglomerado que crescia do outro lado do mundo, na ensolarada costa oeste dos Estados Unidos, uma região que viria a ser conhecida como Hollywood.
Aumenta a procura por uma vaga nos cursos para livreiros (na Europa). Ainda Estou Aqui turbina o interesse pelo cinema brasileiro. China endurece contra a vandalização do patrimônio histórico. E os preparativos para a comemoração dos 250 anos de nascimento de Jane Austen.

– Cresce a busca por cursos de formação de … livreiros. Na França, universidades e as próprias livrarias vêm aumentando a oferta. Como a École de La Librairie, criada em 1972 e sediada em Maisons-Alfort, a menos de uma hora de Paris, que forma quase 1.500 profissionais por ano. Estes encontram treinamento prático na livraria La Ruche, inaugurada em 2020 em pleno boom de aprendizes de livreiro. Interesse igual é notado também na Espanha. A Universidade de Barcelona, por exemplo, oferece pós-graduação em Livrarias. O professor Louis Agusti afirma que muitos dos formandos abrem seus próprios negócios, inclusive algumas das novas livrarias mais notáveis da cidade ou mesmo de outros países, como a Itália.
– Ainda em clima de Oscar: a expectativa é de que o prêmio de Melhor Filme em Língua Estrangeira para Ainda Estou Aqui turbine o interesse mundo afora pelo cinema brasileiro. “Essa coroação com o Oscar é uma injeção de autoestima imensurável para o cinema brasileiro”, diz Renata. Magalhães, produtora e presidente da Academia Brasileira de Cinema, “e espero que faça as pessoas reverem o papel dos artistas brasileiros e que nos levem mais a sério. ‘Ainda estamos aqui’ e continuaremos para sempre fazendo filmes".
– Recentemente, noticiou-se a pichação do Chafariz da Glória, bem histórico do século 17 localizado no Rio de Janeiro. Se fosse na China … Porque lá acaba de ser mudada a legislação referente à proteção de patrimônios históricos do país – e de forma bem mais rigorosa. A punição a cada dano subiu do equivalente a 400 mil reais (o que já não era pouca coisa) para mais de oito milhões!
– Os 250 anos de nascimento de Jane Austen estão sendo marcados com uma série de projetos e iniciativas ligados à escritora inglesa, autora de clássicos da literatura como Orgulho e Preconceito e Razão e Sensibilidade. A BBC exibirá dois seriados novos, destacando personagens secundários do elenco criado por Jane: Miss Austen e The Other Bennet Sister. Por sua vez, a editora Penguin relançará os livros da autora, agora com capas consideradas mais atrativas para o público juvenil. E espera-se um aumento considerável de visitantes a Chawton, a cidade inglesa onde ela escreveu seus livros e onde viveu seus últimos dias. A casa, aliás, será aberta agora ao público pela primeira vez.

PLAYLIST FAROL 111
A melancolia elegante de Benmont Tench. O flamenco fusión de Maruja Limón. O neo-folk de Husky Gwenda. Butler, Blake & Grant formam supergrupo. O híbrido de rock e música eletrônica de Deep Sea Diver. LUCIE SUE numa rave industrial. O blues-rock de raiz de Thornbjørn Risager & The Black Tornado. A música cinematográfica de Eiko Ishibashi. O cinquentenário de Close to the Edge, do Yes. E o adeus a David Johansen.
Benmont Tench – “The Melancholy Season”– Co-fundador dos Heartbreakers de Tom Petty, o tecladista e compositor Benmont demorou “apenas” 10 anos para lançar seu segundo álbum solo, produzido por Jonathan Wilson. A faixa-título dá o mote, com um arranjo elegante de piano, baixo, bateria e alguns ornamentos de órgão para falar dos sentimentos profundos provocados pela inexorável passagem do tempo.
Maruja Limón – “Míralas”– Este sexteto feminino catalão porreta faz flamenco fusión, combinando tradição, ritmos eletrônicos, rumba, pop e experimentação.
Husky Gwenda – “Silencio”– Vem de Melbourne, na Austrália, o neo-folk suave de Husky, aqui acompanhado pelas irmãs da dupla vocal feminina Charm of Finches, tudo registrado de forma analógica através de um gravador Tascam 388, de oito canais.
Butler, Blake & Grant – “Bring An End”– Supergrupo novo na praça, formado pelo guitarrista do Suede – Bernard Butler –, mais Norman Blake, do Teenage Fanclub, e o cantor-compositor James Grant. O primeiro álbum do trio ilustre sai no final do mês.
Deep Sea Diver – “Shovel”– À frente de sua banda, chegando ao quarto álbum, Billboard Heart, Jessica Dobson emerge de Seattle com uma sonoridade híbrida – rock + música eletrônica – não muito distante do que vem fazendo St. Vincent.
LUCIE SUE – “The Famous Last Words” – A revista britânica Classic Rock define o som desse quarteto francês – liderado pela vocalista que dá título ao grupo – como uma batalha entre o L7 (lembra da banda feminina de grunge?) com o Metallica em meio a uma rave industrial. Acertou no alvo.
Thornbjørn Risager & The Black Tornado –“Already Gone“– Digamos que este octeto (!) dinamarquês de blues-rock raiz seja um misto de The Fabulous Thunderbirds e Wishbone Ash, com um pouco de ZZ Top adicionado. House of Sticks é seu nono álbum, no qual se destaque a guitarra arretada de Joachim Svensmark.
Eiko Ishibashi – “October”– A música da cantora, compositora e instrumentista japonesa é dramática e cinematográfica – afinal, ela também compõe e produz para filmes – e mistura orquestras, sintetizadores, guitarras e transmissões de vozes misteriosas. Em seu quarto álbum, ela se inspira na lenda grega de Antígona, a filha de Édipo.
Yes – “Siberia - Studio Run-Through of Siberian Kathru”– Lançado em 1972, Close To The Edge é considerado por muitos o ápice do Yes, uma obra-prima prog que sublinha talentos individuais (com especial destaque para a cozinha formada por Bill Brufford, na bateria, e Chris Squire, no baixo), expande os limites do formato de canção (a faixa-título consome todos os 18 minutos do lado 1 do LP) e apresenta o que era o state-of-the-art da qualidade de som de gravação de discos (cortesia do produtor Eddy Offord). Agora, ganha uma versão super deluxe, com remixagens em formato Dolby Atmos feitas pelo incontornável Steven Wilson e pérolas que podem até já ter aparecido numa versão comemorativa de 10 anos atrás – como a íntegra de um show no Rainbow, era dezembro de 1972. Mas sempre são bem-vindos os rascunhos, os raciocínios por detrás do produto final, como nesta passada da música que fecha o disco.
The New York Dolls – “Personality Crisis”– Cheguei em Nova York, naquele fevereiro de 1974, com muita fome de shows – e com um coração, àquela altura, predominantemente progressivo.
Os deuses do Moog conspiraram para que minha passagem pela cidade coincidisse com a apresentação de meu favorito da época, o Yes, em sua formação quase clássica (Bill Brufford havia sido substituído por Alan White na bateria), no Madison Square Garden, e logo abocanhei um ingresso para aquele show.
Mas antes disso havia espaço para mais.
O telão eletrônico em Times Square anunciava também Bob Dylan com The Band (teria sido uma noite histórica. Vacilei brabo e dispensei) e Crosby, Stills, Nash & Young (também burramente esnobado), tudo no MSG, mas minha atenção foi desviada para dois outros pequenos shows na New York Academy of Music, um teatro bem menor que um ginásio esportivo como o Garden, e, por inúmeros motivos, bem mais cool.
Tratei de garantir entradas para ver o Black Oak Arkansas de Jim Dandy (um rock sulista, machão e quase histriônico, divertido) e, em outra noite, seu oposto absoluto: The New York Dolls.
Os Dolls já estavam no meu radar fazia tempo. Conhecia seus dois primeiros álbuns e entedia qual era a deles: rock sujo, selvagem e pesado, com um pezão no glam e na androginia de sua época, e um delicioso senso de humor.
Mas ao vivo o impacto foi totalmente outro. Era avassalador, uma onda de energia e marra, uma das mais frutíferas sementes do que seria o punk. E, por isso, ali estava também um show histórico. Um marco na evolução da linguagem e da cultura do rock.
Lógico que o Yes me desbundou dias depois. Era o que mais queria ver ao vivo, era o que fazia minha cabeça naquele período.
Mas a semente plantada pelos Dolls me abriu para tanta coisa que viria depois, um universo novo e diametralmente oposto.
“Personality Crisis” era o cartão de visita dos Dolls, deliciosamente indecisa – começa com um grito visceral de “sim!” que logo cede a vez a “nãos" veementes –, e de certa forma definia um bocado de seu frontman, David Johansen.
De lá para a frente, ele foi muitos: encarnou outros personagens no palco – seu mais popular foi o crooner de cabaré Buster Poindexter –, participou de inúmeros filmes e programas de TV, ressuscitou os Dolls para uma breve mas ilustre etapa, a partir de um convite do antigo presidente do fã-clube da banda na Inglaterra, ninguém menos que Morrissey, e ganhou documentário de seu amigo Martin Scorsese.
Dias atrás, David veio a público pedir ajuda financeira para ajudá-lo na luta contra um tumor no cérebro e câncer em estágio avançado, agravados por uma queda que causou duas fraturas nas costas.Até que, na semana passada, aos 75, sucumbiu à doença.