Dê uma chance a Miami
Nossa colaboradora Kika encontrou na cidade mais badalada da Flórida museus agarrados ao que há de mais fresco na arte, onde a nova geração de artistas dialoga com o mundo de hoje
Se você, como eu, torce o nariz quando ouve falar de Miami, vou dar um motivo bem bom para cogitar dar uma passadinha por lá, num futuro próximo.
Miami é a casa de levas e mais levas de latinos e caribenhos que buscaram nesse pedaço úmido da Terra sua nova morada. Dessa convergência maciça saiu uma rica mistura de culturas e sotaques que transforma a cidade em um caldeirão do que há de melhor nos processos migratórios – comida, música e estética da maior qualidade.
Os museus de Miami foram meu passatempo predileto nos cinco dias que passei por lá. Confesso que até me soa estranho chamar o que vi de museu, termo tão associado ao antigo, ao que perdurou, pois o que encontrei em Miami foram instituições agarradas ao novo, ao que há de mais fresco na arte. Há uma intenção clara em evidenciar o tempo em que estamos vivendo, com uma pesquisa rica e uma curadoria vasta, que vasculha os quatro cantos do mundo em busca de jovens artistas.
Miami não se pretende canônica, validada. É uma grande experimentação estética e cultural, que resulta em algo único: ora cafona, ora genial. Seus museus trazem o novo-novíssimo – não são raras as obras que datam de 2023 – e só o tempo dirá se alcançarão a glória eterna. Mas para lá chegarem (não que esse deva ser o objetivo final também, certo?), alguém precisa abrir o primeiro espaço para expor o que a nova geração de artistas tem produzido em diálogo com o mundo de hoje. E Miami parece mais do que pronta para ser esse espaço e tem feito esse papel muito bem. Meu apelo é: abra seu coração ao novo e dê uma chance à Miami.
Aqui, meus três museus prediletos:
Superblue
O Superblue surfa bem a onda do Museu-experiência. São apenas sete obras em um espaço gigantesco, com uma sala para cada obra, onde você interage de verdade com o que está posto ali. Ora entrando em uma sala de vidro para tomar banho de espuma, outra se perdendo em uma floresta de espelhos; ou entrando em uma matrioska de luzes de James Turrell. É divertido, é comovente, é inusitado. Experiência completa. Gaste umas boas duas horas aqui e não irá se arrepender. Para quem vai com crianças, aqui deve ser sucesso!
Rubell Museum
Do outro lado da rua do Superblue está o Rubell Museum. São 37 galerias, um tanto mais tradicionais no formato, com a maior parte de suas paredes cobertas por quadros, mas de artistas em sua maioria ainda vivos. São artistas do Japão, do Quênia, do sul dos EUA, uma turma diversa e complexa, cuidada no Rubell como qualquer grande artista do Louvre.
Aqui você também encontra três instalações da artista-sensação Yayoi Kusama e seus espelhos – que tem igualzinho em Inhotim, fica a dica.
Perez Museum
O Perez foi o lugar que me fez pensar: "Peraí, como Miami achou essa galera toda?". Não havia um só nomezinho conhecido (com exceção, de novo, da Yayoi), mesmo entre os brasileiros do espaço. Como coisas tão geniais estão fora do olhar do grande público?
São apenas dois andares de um prédio maravilhoso com obras – quadros, instalações, fotografias – impactantes. Perez gosta do apelo sensorial. Em uma das salas você entra e é pego de surpresa pelo cheiro de especiarias, pois a obra "Cai Cai, Marrom”, do carioca Ernesto Neto, está impregnada de cúrcuma e pimenta preta; em outra, fora do prédio, você passa em um labirinto azul de fitas de plástico penduradas no teto, que causam algum atrito, "impedindo" sua entrada no museu.
Kika
Ailton Krenak entra para a ABL. Primeiro filme rodado na Amazônia é resgatado. Livro registra a cena musical pernambucana em mais de 200 fotos de shows. Ridley Scott planeja uma versão super longa de seu novo épico sobre Napoleão. Os curtas estão sendo negligenciados? E o Museu da Vagina reabre em Londres.
– Filósofo e ambientalista, Ailton Krenak é o primeiro representante dos povos originários a ser eleito para a Academia Brasileira de Letras. O ingresso do novo imortal demonstra a evolução da academia, após muitos pedidos por diversidade entre seus quadros. “Quando a Academia acolhe um sujeito vindo dessa constelação de povos”, disse Ailton ao jornal O Globo, "ela está admitindo um debate sobre essas superestruturas coloniais que estão aí". Krenak confessa seu entusiasmo em ocupar a cadeira 5 da ABL, vaga desde a morte de José Murilo de Carvalho, em agosto passado. “Quem diz que é indiferente a isso é Bob Dylan. Eu não tenho a verve dele, sou mais tropicalista”.
– Estreou na semana passada, no Festival de Cinema Mudo de Pordenone, na Itália, o primeiro filme rodado na Amazônia. Feito em 1918 por Silvino Santos, Amazonas, O Maior Rio do Mundo esteve desaparecido por mais de um século, desde que o negativo foi furtado por um sócio do diretor. O larápio levou o filme para a Europa e o exibiu como se fosse uma produção americana, chamada Maravilhas da Amazônia. Mas a partir dos anos 1930 não se teve mais notícias do filme. Até que, no começo deste ano, Jay Weissberg, diretor do festival italiano, recebeu dos curadores da Národní filmový archiv, a cinemateca de Praga, na República Tcheca, um link para ver o “filme americano”. Era o filme de Silvino Santos. Agora, a produção histórica será mostrada também num festival da República Tcheca e, depois, no Brasil.
– Recém-lançado, o livro Imagens de Uma Década de Sons, da jornalista, fotógrafa e produtora cultural Luciana Ourique, por 12 anos editora de fotografia do jornal Folha de Pernambuco, vem recheado com mais de 200 fotos documentando a cena musical pernambucana de 1998 a 2008 através de shows. O livro mostra apresentações que vão de representantes das raízes da cultura pernambucana – artistas como Cascabulho, Mestre Ambrósio, Siba e a Fuloresta – ao Movimento Mangue – representado por Nação Zumbi, Devotos, Mundo Livre S/A e outros – , passando por artistas mais conhecidos do grande público – Paralamas, Mutantes, Nando Reis e Rappa, por exemplo. O livro custa 60 reais e pode ser comprado diretamente de Luciana.
– Prepare a poltrona mais confortável, o lanche e as bebidas – e as pausas para idas ao banheiro, também. Quando for exibido pela Apple TV+ , Napoleão, o épico histórico de Ridley Scott sobre o imperador francês, estrelado por Joaquin Phoenix, terá duração bem maior que a versão que irá para os cinemas. As salas de exibição vão mostrar um corte do filme com duas horas e 38 minutos. Enquanto isso, a plataforma de streaming oferecerá um corte com pelo menos quatro horas e 10 minutos. Esse é o cálculo de Ridley feito na manhã quando foi entrevistado pela revista britânica Empire. Mas pode mudar. Para mais.
– Enquanto isso, estimulada pelos transadíssimos curtas de Wes Anderson atualmente em cartaz na Netflix, sob o título de The Wonderful Story of Henry Sugar, a plataforma digital Vox quer reabilitar o prestígio do formato, considerado “negligenciado”. A Vox lembra a qualidade de séries que reúnem curtas que independem, uns dos outros – como Black Mirror – e atribui às plataformas de streaming o merecido espaço dado a filmes com menos de uma hora de duração.
– E já que estamos falando em museus na edição de hoje, o Museu da Vagina, o primeiro no mundo dedicado ao órgão feminino, vai reabrir em Londres, no início de novembro, num local ainda maior que seu prédio original, onde esteve de 2019 a 2021. Isso graças aos donativos de mais de 2.500 pessoas, que se juntaram para angariar pelo menos 85 mil libras esterlinas (mais de 525 mil reais) depois que o museu foi despejado. As novas instalações do museu terão três galerias, uma delas dedicada a exibições temporárias. A primeira será "Endometriose: Em Direção Ao Desconhecido", que abordará os mitos e os conceitos equivocados a respeito da doença. O porquê da existência do museu? A diretora da instituição, Florence Schechter, soube de um museu na Islândia dedicado ao pênis – o Museu Falológico, em Reykjavík –, mas não havia nada equivalente em relação à vagina. Então, ela decidiu criar um.
PLAYLIST FAROL 56
Ritchie + Paulinho Moska. O blues tingido de gospel de Lizz Wright. O rock cortante de Sleater-Kinney. A volta do Dogstar de Keanu Reeves. Os riffs quase mantras de Atka. O coquetel musical noir de Ida Mae. K-pop alternativo? A guitarra elegante de Leo Takami. O blues fatalista – com batidas de trap – de Buffalo Nichols. E McDonald and Giles divergem do King Crimson.
Ritchie – “Menina Veneno”– Em pleno onda de redescoberta calorosa de um dos artistas pop mais famosos do Brasil na década de 1980, Paulinho Moska disponibilizou em áudio uma participação do britânico/carioca Ritchie em seu programa no Canal Brasil, “Moska Apresenta Zoombido”, em 2008, fazendo uma versão violão e duas vozes do primeiro sucesso de seu ilustre convidado.
Lizz Wright – “Sweet Feeling“ – Shadow, o sétimo álbum da veterana cantora sulista, baseada em Chicago, sai somente em abril. Mas aqui ela dá uma amostra do que está por vir, num blues tingido de gospel.
Sleater-Kinney – “Hell”– A dupla precede seu 11º álbum, Little Rope, com uma canção potente, cortante, de incerteza e dor, moldada pelos sentimentos trazidos pela morte da mãe e do padrasto da cantora e guitarrista Carrie Brownstein, num acidente de carro na Itália.
Dogstar – “Everything Turns Around”– O trio de rock alternativo de Keanu Reeves – encarregado do contrabaixo – lançou seu primeiro single após uma pausa de 23 anos, parte de um novo álbum, Somewhere Between The Power Lines and Palm Trees, produzido por Dave Trumfio (Wilco, My Morning Jacket).
Atka – “Lenny”– Sarah Neumann nasceu na Alemanha mas trabalha em Londres, onde produziu um single de estreia que a apresenta ao mundo cercando-se de percussão insistente, criada em parte com sons industriais, e riffs de guitarra que soam quase como mantras.
Ida Mae – “My Whispers Are Wildfire”– Um coquetel musical noir que mistura música americana de raiz, batida latina e solos pontiagudos, preparado pelo duo britânico formado pelo guitarrista Chris Turpin e a vocalista Stephanie Jean.
Balming Tiger – “Kamehameha” – K-pop alternativo? Pois é assim que se define este coletivo artístico parrudo, formado por mais de uma dezena de músicos (entre rappers, cantores, compositores), produtores e diretores, que aqui canta sobre uma técnica de combate fictícia, praticada no mangá e anime Dragon Ball, batizada com o nome do primeiro rei das ilhas havaianas. Vai entender.
Leo Takami – “Next Door”– Guitarrista e tecladista japonês, Leo combina na faixa-título de seu segundo álbum elementos de prog (esse órgão Hammond aí) e jazz numa música que tem um quê de infantil mas que também que o aproxima do timbre elegante de Pat Metheny.
Buffalo Nichols – “The Fatalist Blues”– Americano de Milwaukee, Nichols faz em seu segundo (e excelente) álbum um blues profundo e moderno, que utiliza assinaturas clássicas do estilo – dobro acústico, slide, voz rouca e rústica – junto com batidas de trap, num mix original e irresistível.
McDonald and Giles – “Suite In C”– O multi-instrumentista Ian McDonald e o baterista Michael Giles não concordavam com o caminho que estava tomando a banda que tinham ajudado a fundar, o King Crimson. Por isso, deram as costas a Robert Fripp e aos demais companheiros e gravaram um álbum juntos, em 1970, auxiliados pelo mesmo letrista do KC, Peter Sinfield, onde explicitavam suas preferências: canções menos pesadas, um pendor para o folk – e um tanto de prog. Mas a parceria parou por ali mesmo. Uma vez lançado o álbum, cada um tomou seu rumo. Mas os dois deixaram uma amostra de algumas das tantas possibilidades que o Crimson poderia ter abraçado.