Comédia 'deep fake' britânica testa limites
O que acontece quando personalidades famosas se transformam em pessoas comuns num programa de TV que é reality de mentirinha?
O uso de deep fakes já se alastrou mundo afora. São vídeos manipulados para simular, de maneira ultra realista, pessoas (geralmente, figuras públicas) fazendo ou dizendo algo que jamais fizeram ou disseram.
Muitas vezes, pode ter intenções nefastas, como tanto se vê. Em alguns casos, no entanto, são criados com autorização dos “simulados”. Bruce Willis, por exemplo, aparece num anúncio de uma telecom russa sem jamais ter participado dele. Mas permitiu que seu rosto fosse adicionado ao de um ator. E recebeu por isso.
Na música, o uso de deep fakes resultou criativo. Em um clipe de 2021, o britânico Steven Wilson se transforma em diferentes personalidades, de Joe Biden a David Bowie, passando por Scarlett Johansson e Paul McCartney.
Só que agora, com a tecnologia se desenvolvendo e se sofisticando cada vez mais, o céu é o limite. E é assim que surgiu na Inglaterra uma comédia deep fake
de televisão.
Deep Fake Neighbour Wars poderia ser um programa de comédia como qualquer outro, não fosse um pequeno detalhe: os atores são filmados representando as cenas, mas na pós-produção seus rostos são substituídos pelos de personalidades conhecidas – outros atores, bem mais conhecidos, ou estrelas pop. O resultado final: uma trama em que vizinhos famosos brigam o tempo inteiro num pretenso reality show. Vizinhos como Kim Kardashian, Tom Holland, Billie Eilish ou Mark Zuckerberg – só que todos vivendo vidas normais, de pessoas de classe média, com empregos comuns.
A nova atração da ITVX britânica – que estreia na quinta-feira, 26/1 – é uma criação do roteirista Spencer Jones com a agência StudioNeural, a partir da adaptação de outro programa, neo-zelandês, onde os vizinhos belicosos não são representados por atores híbridos (parte reais, parte fakes).
O uso de rostos famosos em cenas que jamais realizaram não preocupa Jones. “Nenhum de nossos heróis aparece cometendo atos ilegais”, disse ele ao jornalão The Guardian, frisando que seus protagonistas são considerados “heróis”. "Tudo é bobo”, sentenciou.
Ou seja, assim, segundo o raciocínio de Jones, o risco de reclamações ou, pior, de processos, é reduzido a um mínimo.
Tudo isso é bom? É ruim? Deve durar? No que vai dar?.
Tire suas conclusões assistindo ao trailer de Deep Fake Neighbour Wars.
SCI-FI criada por IA. Tragédia da boate Kiss ganha minissérie. Os 760 museus de Los Angeles têm “de um tudo”. Gil e Caetano, juntos, em Salvador. O meio século dos principais discos de rock de 1973. E óperas precisam de palcos enormes e cenários grandiosos?
E mais …
– Talvez fosse inevitável: saiu a primeira edição de uma nova revista de ficção-científica em forma de quadrinhos e prosa, tudo feito por Inteligência Artificial, a partir de comandos e design de humanos. A equipe da Infinite Odyssey usa o programa Stable Diffusion para criar as imagens e o API GPT-3 Davinci para o texto. O download da versão digital da revista custa quatro dólares e a versão em papel sai por 30 dólares.
– O incêndio da Boate Kiss, que deixou um saldo de 242 mortos em Santa Maria, município do Rio Grande do Sul, quase uma década atrás, é o assunto da minissérie Todo o Dia a Mesma Noite, que a Netflix exibe a partir de quarta-feira, 25/1. Os cinco capítulos têm como base o livro de mesmo título, escrito pela jornalista Daniela Arbex e o trailer já está disponível no YouTube.
– Los Angeles abriga 760 museus, calculou Todd Lerew, diretor de projetos especiais da Library Foundation da cidade. Mas para cada instituição de grande porte e reconhecimento universal – como o J. Paul Getty Museum, o LACMA e o Academy Museum of Motion Pictures – há uma fartura de espaços de memória alternativos, super especializados e pouco conhecidos. Dentre eles, o Museu da Tecnologia Jurássica (!?!), o Museu da História das Artes Marciais (anunciado como o único do gênero no mundo, e onde está a faixa usada pelo Karate Kid no cinema) e o Bunny Museum, dedicado aos … coelhos.
– Gilberto Gil e Caetano Veloso vão se apresentar juntos, no Festival de Verão de Salvador, no final do mês, dentro de uma programação de dois dias (28 e 29 de janeiro) toda construída em cima de duplas (ou trios): BaianaSystem com Olodum, Ludmilla com Gloria Groove, Carlinhos Brown, Duda Beat e Àttøøxxá.
– O site Ultimate Classic Rock abriu o ano publicando a lista dos 50 álbuns de rock que comemoram 50 anos em 2023. A seleção inclui clássicos que vão de Dark Side of The Moon, do Pink Floyd, a Band On The Run, de Paul McCartney, Quadrophenia, do The Who, eTales from Topographic Oceans, do Yes.
– Óperas precisam de palcos enormes e cenários grandiosos? Ou podem ser intimistas? Para o projeto PROTOTYPE, que começou no dia cinco e vai até este domingo em Nova York, é possível criar óperas “black box” – ou seja, montadas num palco nu – ou com recursos cênicos reduzidos. Descrito cela revista The New Yorker como um “bastião altamente influente da ópera experimental”, o festival, em sua décima edição anual, já gerou até espetáculos merecedores do prêmio Pulitzer, como Angel’s Bone, sobre dois anjos caídos que sofrem nas mãos de um casal de algum subúrbio americano, ao som de música renascentista – e de punk, também.
Jeff Beck
Um reinventor "incopiável” da guitarra
A morte de Jeff Beck, essa semana, aos 78 anos, vítima de uma meningite bacteriana, tira de cena um revolucionário da guitarra, um músico versátil, inventivo e inquieto que começou a carreira dedicado ao blues-rock mas que, ao longo das décadas, espalhou-se por diferentes estilos – do jazz fusion ao heavy metal, do lírico ao funk –, sempre exibindo uma assinatura personalíssima, inconfundível.
Bastam alguns segundos para se distinguir a sonoridade de Jeff, dedicado a riffs e solos bem mais que a harmonias, dado a usar mais os dedos que uma palheta, navegando o braço do instrumento com a mão esquerda, enquanto com a direita manipula madeira, cordas, alavanca e botões de volume e tonalidade.
Nas mãos de Beck, a guitarra chora, corcoveia, voa, seduz, suplica, ataca, urra, canta.
"Incopiável”, decretou Liminha nas redes sociais, quando soube da morte do guitarrista. "Impossível tocar como ele”.
Jeff costumava dizer que deixava um monte de guitarras espalhadas pelos diferentes cômodos de sua casa. Cada uma delas era um lembrete – uma cobrança – de que precisava praticar. Sempre.
Essa dedicação ferrenha rendeu uma carreira longa e fértil, iniciada para valer em 1966, quando Eric Clapton deixou os Yardbirds, e, a convite do amigo Jimmy Page, Jeff assumiu o posto de segundo guitarrista do grupo.
Beck floresceu mais ainda ao sair, ele também, da banda, não muito tempo depois, para formar uma série de trios e quartetos – primeiro, com Rod Stewart e Ron Wood, o The Jeff Beck Group; mais adiante, com o baixista Tim Bogert e o baterista Carmine Appice, egressos do Vanilla Fudge.
Daí em diante, a partir de meados dos anos 1970, focou na música estritamente instrumental, gravando álbuns que o redefiniram, abrindo-se para um repertório mais sofisticado, de jazz-rock e jazz-fusion, próximo ao que vinha fazendo a Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin, da qual afanou o tecladista, Jan Hammer, com quem manteve uma frutífera parceria.
Como músico convidado, gravou com meio mundo do rock – de Mick Jagger e Stanley Clarke a Ozzy Osbourne, de Tina Turner e Kate Bush a Imogene Heap – e chegou ao século 21 colaborando com Johnny Depp num álbum dedicado a versões de originais gravados por artistas como John Lennon, Beach Boys e Marvin Gaye, o último lançamento de Jeff em vida.
“Jeff Beck era de um outro planeta”, homenageou nas redes Rod Stewart, companheiro desde o início de tudo e de vários reencontros. "Era um dos únicos guitarristas que ao vivo prestava atenção no que eu estava cantando – e respondia”.
"Ele tinha um talento enorme”, disse Robert Plant, “e foi um dos maiores virtuoses (do instrumento)”, enquanto o velho amigo Jimmy Page chamou Beck de "o guerreiro das seis cordas”, dono de uma imaginação musical "aparentemente sem limite”. The Edge, do U2, referiu-se a Jeff como "um dos maiores guitarristas do mundo” e um músico que fazia “punk rock antes do punk rock existir”.
Vi Jeff Beck tocar duas vezes. Uma, em Los Angeles, em 1989, numa turnê dele com outro cracaço da guitarra, Stevie Ray Vaughan. Havia um momento, no final, em que os dois tocavam juntos, e a memória daquele show – e daquele dueto/duelo –, ainda que meio borrada pelo tempo, é de uma sonzeira monumental, quase ensurdecedora.
A segunda vez foi em 2012, em Londres, no primeiro show da turnê de 50 anos dos Rolling Stones. Convidado para tocar com eles "Going Down”, gravada por Beck em 1972, Jeff subiu ao palco e surpreendeu a banda quando, antes de começar a música, aumentou o volume da guitarra e saiu tocando com seu som nas grimpas, obrigando aos Stones a também aumentar o volume, para acompanhar sua dosagem. Durante quase sete minutos, Jeff deu as cartas e fez todo mundo tocar do seu jeito. Sendo que “todo mundo” eram os Rolling Stones.
Do blues-rock à ópera
Preparamos uma playlist selecionada para explicar com sons e música a versatilidade, a genialidade e a ousadia de Jeff Beck
PLAYLIST FAROL 19
Peter Gabriel dá uma amostra do primeiro disco em 20 anos. Iggy Pop nos lembra com quem estamos falando. O groove suave do Warm Sound. Moby fica etéreo. Gal regrava Milton. Lucas Santtana regrava os Beatles. Sir Jude, Donovan. A substituta de Janis Joplin. Psicodelismo de Leeds. E uma homenagem a uma cafeteria alemã.
Peter Gabriel – “Panopticom”– Começou a desova de novos discos de 2023 e Peter disponibilizou a primeira faixa de seu primeiro álbum em 20 anos, I/O. O clima lembra bastante o de suas primeiras gravações solo, lá em meados dos anos 1970.
Iggy Pop – “Modern Day Rip Off”– Outro veterano com disco novo nessa primeira semana do ano é Iggy, cintilante, modernérrimo, e com a mesma marra e o mesmo rugido, indomado, cercado por músicos do Guns N’ Roses, do Red Hot Chili Peppers – e por aí vai.
Warm Sound– “Infinity Eye”– Para limpar o palato, um groove suave impulsiona a nova música da dupla de Los Angeles, enfeitada com teclados etéreos e harmonias cintilantes.
Moby – “amb 23-14” – Moby abriu o ano lançando um álbum de música ambiente com generosas duas horas e vinte minutos espalhados por 16 faixas meditativas. É um disco etéreo, feito para “combater a ansiedade”, e é dedicado a mestres do gênero e inspirações de Moby nessa empreitada, artistas como Brian Eno, Jean-Michel Jarre, Will Sergeant e Martyn Ware.
Gal Costa – “Para Lennon e McCartney” – Esta versão de uma das músicas-assinatura de Milton Nascimento – composta por Lô Borges, Márcio Borges e Fernando Brant – é parte de um álbum de colaborações com artistas de outras gerações que Gal gravava antes de morrer, em novembro passado. Aqui ela canta com a mineira Marina Sena.
Lucas Santtana – “The Fool On The Hill” – A regravação de um clássico dos Beatles, feita pelo baiano Lucas numa vibe quase bossa nova (incorporando uma levada de violão um tanto entre as de "Águas de Março" e de “Sina”) e com matizes afro-brasileiros, com participação da cantora francesa Flore Benguigui, integrante da banda L’Imperatrice.
Sir Jude – “Hurdy Gurdy Man” – E encerrando uma tríade de versões, outra cover, desta vez de um hit de Donavan, o bardo escocês hippie dos anos 1960, gravada pela australiana Sir Jude e usada nos créditos finais do segundo episódio da nova série de TV Willow.
Big Brother & The Holding Company – “As The Years Go Passing By”– Coube a Kathi Mcdonald a difícil tarefa de substituir Janis Joplin quando ela deixou a banda para ser artista solo e este é um dos registros de sua contribuição para o grupo. Mas Kathi –também ex-Ikette, uma das cantores que trabalhavam com Ike e Tina Turner, um tento e tanto, levando-se em conta que era branca – construiu depois uma carreira de grande sucesso como vocalista de apoio (trabalhou com Leon Russell, Joe Cocker, e é dela uma das vozes no coral de “Tumbling Dice”, dos Rolling Stones).
Decisive Pink – “Haffmilch Holiday”– Este single é parte do projeto que une a californiana Angel Deradoorian (ex-integrante dos Dirty Projectors) e a russa Kate NV, e homenageia uma cafeteria alemã preferida das duas com batidas eletrônicas, microfonias coordenadas e sintetizadores.
Ashtray Negotiations – “Avatar Down The Highway Et Cetera”– Veterano com mais de três décadas de serviços prestados ao underground, o grupo de Leeds (com um nome para lá de intrigante) produz erupções irresistíveis de psicodelismo e experimentalismo.