Com 'Jurassic Park', tudo mudou na arte e na técnica de fazer cinema
Os bastidores da criação dos dinossauros para o filme de 1993 mostram o triunfo da engenhosidade e da perseverança para gerar imagens inconcebíveis com a tecnologia disponível na época
Stan Winston me encarou e lançou o desafio. “Duvido que você consiga distinguir o que é animação por computador do que é boneco animatronics e do que é stop motion!”.
Estávamos num salão de hotel, em Los Angeles, naquela tarde de 1993, conversando sobre o novo filme de Steven Spielberg, que seria lançado poucos dias depois, a 13 de junho, sob imensa expectativa: Jurassic Park-O Parque dos Dinossauros.
Assim como havia feito nos dois primeiros filmes da série O Exterminador do Futuro, em Predador e Aliens-O Resgate, Winston mais uma vez fora encarregado de criar, montar e fazer movimentar com realismo criaturas tridimensionais de animatronics – ou seja, móveis e manipuláveis. No caso, os enormes dinossauros aos quais Spielberg pretendia dar vida em seu filme.
O desafio lançado por Stan – ser capaz de distinguir qual parte do longa foi feito de qual maneira – acabaria mostrando-se grande – mas longe da enormidade daquele aceito por Steven ao topar trazer para as telas dos cinemas representações críveis e espetaculares de seres enormes, desaparecidos 65 milhões de anos antes.
Inicialmente, o caminho para Spielberg conseguir filmar Jurassic Park-O Parque dos Dinossauros era combinar os “bonecos" de Winston com o trabalho feito pelos mestres da Industrial Light & Magic, o estúdio de efeitos para cinema fundado por George Lucas: Phil Tippett, um gênio do stop-motion (técnica de animação pela qual objetos são movidos milimetricamente e filmados quadro a quadro, dando a impressão de estarem fazendo um movimento contínuo), Michael Lantieri, especialista em efeitos físicos, mecânicos (usando pessoas e objetos de verdade), e Dennis Muren, craque dos efeitos visuais (onde são fabricadas realidades ilusórias, por vezes utilizando-se pinturas ou fundos verdes neutros sobre os quais são aplicadas outras imagens).
Mas uma série de eventos e uma pequena "insurreição” na ILM alterariam o rumo da produção de forma tão profunda e fundamental que, a reboque, mudaria para sempre a arte de fazer filmes.
Trinta anos atrás, Jurassic Park-O Parque dos Dinossauros foi o primeiro filme a utilizar em grande escala – e com protagonismo – a técnica de CGI (Computer Generated Imagery), a computação gráfica, para retratar seres orgânicos, vivos, que respiravam, sangravam, algo jamais tentado. Antes, personagens criados com CGI limitavam-se a figuras não-humanas (a serpente de água de O Segredo do Abismo e o homem de vidro de Jovem Sherlock Holmes) ou robôs (o T-1000, vilão do segundo filme da série O Exterminador do Futuro). Agora, era preciso fazer dinossauros “reais".
A tecnologia para isso, no entanto, ainda não havia sido plenamente desenvolvida e testada. Mas enquanto Spielberg tocava a produção focado exclusivamente nos bonecos de Stan, combinados com o stop-motion de Muren (que seria aprimorado com desfoques estratégicos na pós-produção), um grupo de rebeldes da ILM buscava, por conta própria, a maneira de materializar um dinossauro em CGI.
O primeiro passo dado pelo jovem técnico Steve “Spaz” Williams, de 26 anos, foi digitalizar uma ossada verdadeira de um T. Rex e tentar animá-la no computador. Ele gostou tanto do resultado que montou uma emboscada quando soube que os produtores do filme – Kathleen Kennedy e Frank Marshall – iriam visitar a sede da ILM, em San Rafael, na Califórnia, para ver o andamento das filmagens em stop-motion, já consideradas ótimas e suficientes para a realização do filme. Steve preparou um loop que mostrava seu esqueleto digital de T. Rex caminhando e deixou um monitor de vídeo bem à vista dos visitantes. Kathleen notou, gostou e pediu que avançassem no experimento “clandestino” de Spaz.
O passo seguinte era testar a aplicação de uma pele sobre o esqueleto digital. O que levou seis meses. Em seguida, experimentaram digitalizar as criaturas de Stan Winston – em partes, porque era impossível escanear tudo de uma só vez – para manipulá-las no computador. Quatro meses mais tarde, com um T. Rex digital completo a contento – encorpado e colorido cuidadosamente – , chegou a hora de uma prova de fogo: exibir para os produtores e para Spielberg um teste mostrando o dino em CGl, em movimento, numa cena ao ar livre, à luz do dia, de forma que qualquer defeito ou erro ficasse claro e evidente.
“Tive uma espécie de experiência religiosa”, diria o diretor, décadas mais tarde, ao relembrar sua reação ao teste com o dino digital pronto, "e talvez a maior epifania que já experimentei em meu próprio mundo de fazer filmes. Foi o momento em que de repente eu vi que tudo ia mudar. Não só meu filme seria melhor, mas o mundo inteiro ia seguir os passos do que a ILM estava fazendo. E nunca mais olharíamos para trás”.
Uma pessoa não se empolgou tanto. Depois de ver o teste e, sobretudo, a reação de Spielberg e dos produtores ao dino criado com CGI, Phil Tippett se considerou "extinto". Tudo aquilo que ele representava e todo seu trabalho feito ao longo da carreira “tinha sido jogado no lixo”. Deprimido, ficou de cama duas semanas. Quando se recuperou, se surpreendeu com a proposta de Spielberg: a partir dali, Phil seria o supervisor de "comportamento" dos dinossauros e trabalharia como elo entre o CGI e o stop-motion – que continuaria sendo usado, como fundação e apoio para a criação dos dinos digitais.
Com isso em mente, construiu-se um novo aparelho – o Dinosaur Input Device (DID) –, que ligava um esqueleto articulado de metal ao computador de CGI para Phil criar os movimentos dos dinossauros. Além disso, Tippett orientava Spielberg no set de filmagem quanto às reações que os dinos teriam em momentos-chave.
Phill mostrou-se crucial na representação e na encenação de cada sequência com dinossauros. As cenas definitivas reproduziam literalmente seus testes em stop-motion, as pré-vizualizações chamadas animatics, pois ali já estavam as personalidades, as movimentações e as interações dos dinos. Entre si e com os humanos.
Voltando ao desafio de Stan Winston, feito lá em Los Angeles, três décadas atrás. Hoje, nossos olhos estão mais treinados e mais acostumados ao que em 1993 era uma novidade revolucionária, quase um milagre. Mas na época era praticamente impossível distinguir uma coisa da outra, mesmo porque tudo vinha primorosamente costurado na direção e na edição – e era feito a serviço da história, direcionando a trama e a emoção em vez de alardear o trabalho quase miraculoso dos técnicos envolvidos em cada etapa da produção. Bonecos gigantes, efeitos visuais e computação gráfica integrados com fluidez e harmonia. Em sua maioria, os efeitos ficaram praticamente invisíveis. Como deveriam ser.
E foram usados com muita parcimônia e economia, mesmo porque a tecnologia ainda era limitada: ao todo, o filme de 30 anos atrás teve pouco mais de 60 cenas de CGI. Em comparação, as de Jurassic World-Domínio, de 2022, somam mais de duas mil.
O trabalho hercúleo, infatigável, brilhante – e conjunto –de Dennis Muren, Michael Lantieri, Stan Winston e Phil Tippett foi recompensado com o Oscar e o BAFTA de 1994, por Melhores Efeitos Visuais e Melhores Efeitos Especiais.
Mas a grande recompensa dos quatro acontecia mesmo em cada exibição do filme nos cinemas, toda vez que a plateia gritava e pulava de susto quando o T. Rex e os velociraptors ameaçavam, corriam e atacavam. Juntos, os quatro artistas haviam conseguido criar uma ilusão perfeita. Seus dinossauros estavam vivos.
José Emilio Rondeau
A Hollywood Foreign Press Association chega ao fim da linha. Mas e os Globos de Ouro? Vem aí música "nova” dos Beatles. A ascensão e a desgraça do Milli Vanilli ganha documentário. No futuro, os museus serão salas vazias? E a obra de Itamar Assumpção é celebrada.
– Após oito décadas de existência e atividade, a Hollywood Foreign Press Association – a associação de correspondentes estrangeiros baseados em Los Angeles que distribuía os Globos de Ouro, prêmios para os destaques do ano no cinema e na TV – acaba de ser extinta. Cercada de polêmica durante muitos de seus anos de operação – por questões éticas, principalmente –, a HFPA vinha sofrendo repetidos ataques desde que uma reportagem do diário Los Angeles Times denunciou a falta de diversidade dentre os associados e práticas escusas, o que provocou um boicote de boa parte da mesma Hollywood que os Globos de Ouro costumavam celebrar. Para preservar a fonte de renda representada pela transmissão pela TV da entrega dos prêmios, achou-se por bem acabar com a HFPA, de uma vez por todas, decisão tomada junto com os associados. O programa de TV com a entrega dos troféus – evento conhecido pela informalidade, uma vez que é regado a champanhe e vinho – terá continuidade, com data para a próxima transmissão marcada para 7 de janeiro de 2024. Os direitos dos Globos de Ouro pertencem agora a uma parceria formada pela Dick Clark Productions e a Elridge Industries, uma firma de investimentos, a partir da qual nasce a nova Fundação Globo de Ouro, que se ocupará de eventos beneficentes destinados à indústria de entretenimento. Uma pergunta, no entanto, fica sem resposta: quem escolherá os ganhadores dos Globos de Ouro, daqui por diante?
– Sai, ainda este ano, uma gravação “nova” e “final" dos Beatles. A notícia, dada por Sir Paul McCartney numa entrevista à rádio BBC 4, diz respeito a “Now And Then”, composição de John Lennon que constava de uma fita cassete demo endereçada pelo antigo parceiro a Paul e entregue por Yoko Ono aos Threetles – além de Macca, George Harrison e Ringo Starr – quando estavam preparando Anthology, série de CD’s e especiais de TV de 1995. Aquele projeto resultou em “Free As A Bird” e “Real Love”, demos originais de John acrescidas de participações de Paul, George e Ringo. Mas, embora tenham trabalhado também em cima de “Now And Then”, sempre com produção de Jeff Lynne, George considerou a música "uma porcaria” e ela ficou engavetada. Agora, utilizando a mesma tecnologia de Inteligência Artificial empregada pelo diretor Peter Jackson na feitura do documentário Get Back – capaz de isolar instrumentos e vozes com perfeição – , conseguiu-se limpar os vocais de John (atrapalhados por ruídos da gravação original) e concluir-se a canção. Quem não conseguir esperar até o lançamento oficial, circula há anos na internet a demo de Lennon e o que seria uma versão aprimorada da canção, já com gravações adicionais.
– Um novo documentário enfoca a ascensão meteórica e o fim trágico da dupla Milli Vanilli, a dupla pop que nos anos 1980 e 1990 conquistou multidões de fãs e vendeu quase 50 milhões de discos, graças a seu sucesso nas rádios e na MTV com músicas como “Girl You Know It’s True” e “Blame It On The Rain”, e chegou a ganhar um Grammy – mas que caiu em desgraça quando descobriu-se que seus integrantes, Fabrice Morvan e Rob Pilatus, não eram cantores e suas faixas haviam sido gravadas por profissionais contratados e mantidos sob o anonimato. Na verdade, Fab e Rob eram dançarinos. Descobertos pelo produtor alemão Frank Farian, fundador do Boney M – quarteto pop famoso na auge da era discotheque por hits como “Daddy Cool” –, e donos de um visual interessante – o que contava muitos pontos na época –, os dois aceitaram fingir que também sabiam cantar. E deu no que deu. Uma vez amaldiçoado o Milli Vanilli, Rob sucumbiu à bebida e às drogas e morreu de uma overdose, em 1998. Dirigido por Luke Korem, o documentário estreou esta semana no Festival de Cinema de Tribeca.
– No futuro, os museus serão salas vazias. Que poderão levar os visitantes a qualquer lugar. Essa é a conclusão da revista Fast Company , após visitar a exposição The Invisible World, em cartaz numa novíssima ala do Museu Americano de História Natural, em Nova York. A mostra imersiva envolve o visitante numa série de projeções interativas que reproduzem diferentes lugares do planeta, tudo criado pelo estúdio Tamschick Media + Space, com consultoria de dezenas de curadores do museu e cientistas. “Quando começamos a desenvolver esse projeto, temia que seria algo completamente exagerado”, diz Vivian Trakinski, diretora de visualização de ciência do museu. “Mas quando ficou pronto e vimos tudo aquilo pela primeira vez era uma coisa pacífica e contemplativa”.
– A obra de Itamar Assumpção – o cantor, compositor e produtor cujo trabalho marcou a música alternativa e independente feita em São Paulo nas décadas de 1980 e 1990, ao lado de artistas como Arrigo Barnabé, e os grupos Rumo, Língua de Trapo e Premeditando o Breque – ganhou celebrações esta semana, nos 20 anos de sua morte, com shows e uma mesa virtual, transmitida ao vivo no site que abriga o Museu Itamar Assumpção. Junto com Anelis Assumpção, filha de Itamar e diretora do instituto que leva o nome do pai, a mesa teve participação, ainda, dos artistas Dalton Paula e Leandro Jr. A mesa continua disponível online.
PLAYLIST FAROL 41
Os synths irados do Creep Show. O rock americano vintage feito pelos europeus do Riders Of The Canyon. Os festejos juninos, segundo Juba. O country angeleno dolente de Anna St. Louis. Muitos estilos de guitarra em uma só música do Black Duck. Dexys celebra o feminino. Antonio Adolfo comemora a bossa nova adicionando um sabor de jazz. O jubileu de ouro da obra-prima de Mike Oldfield. E o adeus a Luiz Schiavon.
Creep Show – “Moneyback“ – Os sintetizadores irados característicos da música eletrônica feita pelo trio britânico Wrangler, somados à persona eternamente gauche do cantor-compositor americano John Grant, deram origem ao grupo que acaba de lançar seu novo single.
Riders Of The Canyon – “Master of My Lonely Time” – Rock americano de raiz e com sonoridade vintage, feito por europeus: três catalães (dentre eles, a vocalista Joana Serrat) e um irlandês (o vocalista e compositor Matthew McDaid).
Juba – “Segredos do Mar” – Filho de Alceu Valença, Juba acaba de lançar um EP ligado aos festejos juninos mas que também aponta para além, combinando tradições nordestinas e elementos contemporâneos (forró + xote + beats), cercado de colaboradores como o quarteto Forró Escaletado, que participa nesta faixa.
Anna St. Louis – “Phone”– Country dolente da costa oeste dos Estados, com uso discreto de auto-tune, feito para o segundo álbum da californiana Anna.
Black Duck – “Lemon Treasure” – O destaque do novo single do trio de Chicago acaba sendo a fluência, a fluidez e a variedade de estilos incorporadas pelo guitarrista Bill McKay ao longo dos quase cinco minutos da faixa.
Dexys – “I’m Going To Get Free” – Antes conhecido como Dexy’s Midnight Runners, o grupo britânico liderado por Kevin Rowland permanece ultra estiloso mas muda de nome para celebrar o feminino em seu primeiro álbum em mais de uma década.
Antonio Adolfo – “Samba do Carioca” – O mestre compositor e pianista celebra os 65 anos da bossa nova com um álbum de repertório focado no trabalho de Carlos Lyra e Roberto Menescal, gravado com um claro sabor de jazz. Esta faixa faz parte do musical Pobre Menina Rica, para o qual Antonio, ainda iniciante, foi convocado, em 1963, por Carlos Lyra, que assinava as canções do espetáculo junto com Vinícius de Moraes.
Mike Oldfield – “Tubular Bells”– O jubileu de ouro de um dos marcos do rock progressivo e da música New Age, a obra magna de Mike Oldfied – feita pelo multi-instrumentista e compositor britânico antes mesmo de completar 20 anos e seccionada em duas canções, cada uma ocupando um lado de um LP – ganha nova e cintilante mixagem (inclusive em versão Dolby Atmos), a cargo do produtor David Kosten. E por isso merece estar aqui em todo seu esplendor, na íntegra.
RPM – "Olhar 43”– Os teclados de Luiz Schiavon eram tão marca-registrada da sonoridade do RPM quanto a voz e o jeito de cantar de Paulo Ricardo. Eles davam o mote e a direção dos hits do grupo que Luiz ajudou a fundar em 1983, e cujo tecnopop galgou paradas e movimentou vendas de milhões de discos, tornando-se um fenômeno de popularidade sem precedentes no rock brasileiro. Embora para sempre a fase áurea do RPM seja o ponto alto de sua carreira, Schiavon também trabalhou como compositor e supervisor de trilhas sonoras para telenovelas e como diretor musical do Domingão do Faustão. Luiz morreu nesta quinta-feira (15/6), aos 64 anos, em consequência de complicações de uma cirurgia, após anos tratando-se de uma doença autoimune. “Promessas”, uma nova faixa da versão atual do RPM – com Schiavon nos teclados – tinha acabado de ser disponibilizada nas plataformas digitais.