Cannes sob a ditadura do aplauso?
Receber ovações de pé após a sessão de gala no mais prestigioso festival de cinema do mundo é uma honra. Mas a disputa de minutagem dos aplausos (e sua possível manipulação) ameaça banalizar a arte
Você já deve estar careca de tanto ler sobre a minutagem do aplauso recebido pelo filme X, Y ou Z depois de ter sido exibido no ultra-nobre Grand Theatre Lumiére do Palácio dos Festivais, em Cannes.
A cada nova sessão da 78ª edição do Festival de Cinema (que termina amanhã, sábado) a imprensa se apressa em noticiar o tempo que o público presente aplaudiu (de pé, sempre) o filme que viu. Seis minutos! Dez minutos! Onze (sim, um pouco mais que ontem)!
Vamos combinar: ouvir duas mil pessoas ao seu redor aplaudirem um trabalho seu é uma experiência inebriante, e todo realizador sente, ao menos, um reconhecimento bem-vindo de todo o esforço feito para dar vida àquele filme. Fazer um longa é tarefa para fortes, uma maratona física, psicológica e emocional. E se o filme merece, palmas para ele!
Mas o que representam, na real, aqueles longos minutos de palmas? Seriam um termômetro fiel da qualidade do filme? Uma manifestação da “ditadura do aplauso”? E o quanto beneficiam um filme?
Para o The Hollywood Reporter, o ritual noturno em Cannes do aplauso longo não passaria de “uma mistura de bons modos e maluquice”.
“Os aplausos incessantes e excessivos não são apenas alegres”, escreveu o jornalista Gary Baum para a revista. “No fundo, são desesperados e um indicador revelador do declínio do que está sendo ostensivamente celebrado. Ou seja, as ovações não são mera irritação. São condenação”.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Ainda que de certa forma possam estar sendo banalizados, os aplausos demorados após as sessões de gala em Cannes sinalizam a favor do filme exibido. Por outro lado, a maneira como hoje parecem ser obrigação “orquestrada” abre uma brecha para questionamentos.
De uns anos para cá, os aplausos finais acontecem sob o olhar sempre atento de câmeras de vídeo, que transportam para a gigantesca tela do Lumiére os rostos de astros, realizadores e produtores enquanto a plateia bate palmas para eles. Cada vez que a câmera enfoca um rosto diferente, ainda mais se for de alguém muito famoso, a intensidade dos aplausos aumenta ou, então, aplausos que já estavam para terminar ganham novo vigor, e prosseguem por mais um tempo.
É algo diferente do que houve em 2006, por exemplo, quando O Labirinto do Fauno arrancou do público de Cannes espetaculares 22 minutos de aplauso, um período de tempo difícil de ser sustentado sem estímulos, caso não haja entusiasmo verdadeiro.
O chefão do festival, Thierry Frémaux, que recepciona realizadores e elenco no alto da escadaria ao fim do tapete vermelho das noites de gala para depois da sessão juntar-se a eles na plateia, defende a turbinagem e admite que estimular os aplausos faz parte do seu trabalho. “Presto atenção à exibição, quanto tempo manter a sala às escuras, se devo cortar os créditos ou não, o melhor momento para acender a luz, etc”, disse, em 2022. “Cada exibição é uma celebração, e a participação do público torna essa celebração muito melhor. As pessoas querem participar!”.
Ao mesmo tempo, a reprovação pública aos filmes – sob a forma de vaias, em determinada época tão presentes em Cannes, folclorizadas, até – foi sumindo em proporção direta à “epidemia” de aplausos em pé e demorados, ainda que acontecesse mais em exibições para a imprensa do que para a galera de longo e smoking das sessões de gala. E, como apontou Baum em seu texto, isso pode ser um mau sinal.
“O público bem-intencionado de Cannes pode acreditar que está se entusiasmando e apoiando uma comunidade criativa que se beneficia do êxtase em massa”, escreveu Gary. “No entanto, todos esses (gritos de) ‘bravo’ apenas abafam uma realidade que poderia ser melhor recebida — pelo menos nas estreias menos transcendentais — com mais moderação. Ou mesmo apenas um silêncio reflexivo”.
Tudo Rita. Centenas de guitarras vão para o MET. A biblioteca rock 'n’ roll de Mick Jones. A nova arte do autor do maior sucesso do A-ha. E cliques em Cannes ganham novo livro.
– O mês de maio é de Rita Lee, objeto de dois documentários – Mania de Você, disponível no Max, e Ritas, que estreou nos cinemas ontem, justamente o dia de Santa Rita de Cássia – e de um show-tributo, Um Caso Sério, que será apresentado neste domingo, dentro da Virada Paulista. É uma homenagem à obra de Rita e Roberto de Carvalho, com participações de artistas como Fernanda Abreu, Gabi Melim e Paulo Miklos. Roberto não comparecerá, por conta de compromissos assumidos anteriormente, mas revelou que há muitos outros projetos em andamento, para daqui a mais um pouco. Dentre eles, um filme semificcional, com foco em sua relação com Rita, um livro de memórias dele, um musical e um filme de ficção.
– Cerca de 600 guitarras e violões passaram a fazer parte do acervo do Metropolitan Museum of Art, em Nova York, doação feita por dois aficcionados do instrumento: Perry Margouleff – produtor de discos e especialista em guitarras – e Dirk Ziff – herdeiro rico do mundo da editoração e ex-guitarrista que acompanhou artistas como Carly Simon. A partir de 2027 o material fará parte de uma exposição permanente dedicada à evolução e ao impacto do instrumento na cultura americana.
– Enquanto isso, a iconografia do punk é a matéria-prima da Rock & Roll Public Library, acervo acumulado ao longo das décadas por Mick Jones, fundador, guitarrista, cantor e compositor de um dos grupos seminais do rock britânico, The Clash. São desde decalques a memorabilia variada da juventude do artista, hoje com 69 anos, de fitas de audio e video-cassete, LPs (tem até Gilberto Gil, safra 1968!) fantoches e carros de brinquedo a jornais ingleses de música, dispostos numa banca de jornais de mentirinha. Com direito à publicação de uma revista própria, dedicada à cultura DIY: a do faça-você-mesmo.
– O autor de um dos maiores sucessos do pop dos anos 1980 hoje dedica-se à pintura. É Magne Furuholmen, norueguês que compôs, aos 15 anos de idade, o riff irresistível de “Take On Me”, a gema de synth-pop que gravou com os colegas Paul Waaktaar-Savoy e Morten Harket quando formaram o grupo A-ha. Seu trabalho como pintor vem sendo desenvolvido há 35 anos e foi visto recentemente no National Arts Club, em Nova York. Mas Magne não considera o A-ha uma página virada. Longe disso. Tanto que em 2022 o grupo fez cerca de 70 shows em ginásios.
– Ainda Cannes: o britânico Derek Ridgers tinha 34 anos quando aterrissou na Croisette para fotografar o DJ, produtor e rapper Afrika Bambaataa para o jornal semanal de música New Musical Express, em 1984. Dali em diante, voltou ao festival de cinema mais 10 vezes, no decorrer de três décadas, e acumulou um vasto material durante esse período. São cliques de estrelas famosas e emergentes, jovens modelos, o povo em meio a todo o glamur, e até fotógrafos, tudo incluído no livro apropriadamente chamado Cannes, recém-publicado.

PLAYLIST FAROL 121
O jazz-rock progressivo do norueguês Hedvig Molestad Trio. A volta de Evan Dando e seu Lemonheads. Suede, pós-punk. Peter Murphy, sempre gótico. Jehnny Beth grita e quebra tudo. O sucesso suburbano de Welly. O suíngue brasileiro cantado em galês do Carwyn Ellis & Rio 18. Chris Stamey incorpora Brian Wilson. A ópera-rock de Fito Paez. E o arrojo orquestral de Lido Pimienta
Hedvig Molestad Trio – “Golden Griffin” – Jazz-rock norueguês, progressivo e pesado, com a dona das camisas estraçalhando na guitarra desta amostra do oitavo álbum do grupo, Bees In The Bonnet.
The Lemonheads – “Deep End”– Demorou 30 anos, mas a banda de rock alternativo de Evan Dando reemergiu com um álbum gravado em São Paulo, acompanhado dos parças Juliana Hatfield, nos vocais, e J Mascis.
Suede – “Disintegrate” – O quinteto britânico dá um gosto de seu décimo álbum, Antidepressants, declaradamente pós-punk, “a respeito das tensões da vida moderna, da paranoia, da ansiedade, das neuroses”, conforme explica o frontman Brett Anderson.
Peter Murphy – “The Artroom Wonder” – Faixa de synth-pop gótico tirado da primeiro álbum em 11 anos da voz do Bauhaus, com Justin Chancellor, do Tool, no baixo.
Jehnny Beth –“Broken Rib”– A ex-frontwoman e lider das Savages antecipa um pouco de seu segundo álbum solo, You Heartbreaker, com a faixa que abre o disco gritando e quebrando tudo.
Welly – “Big In The Suburbs”– Vamos descontrair um pouco? Desligue do mundo com essa divertida brincadeira pop-punk do jovem quinteto britânico, fazendo gozação da vida suburbana.
Carwyn Ellis & Rio 18 – “Hey Ti”– Funk americano, mais suíngue brasileiro/latino (cortesia de Kassin, no baixo, e do venezuelano Baldo Verdu nos vocais e na percussão), com letras cantadas em galês! Só podia sair da cabeça de Carwyn Ellis, tarado por música brasileira não é de hoje.
Chris Stamey – “I’d Be Lost Without You”– Ex-cabeça do dBs, marco do avant-power-pop desde os anos 1980, Chris incorporou Brian Wilson, fase Pet Sounds, para compor e produzir esta faixa de seu novo álbum, Anything Is Possible, com a ajuda de outros fãs da década de ouro dos Beach Boys: The Lemon Twigs.
Fito Paez – “Cruces de Gin en Sal”– O veterano do pop argentino lançou uma ópera-rock, Novela, que levou quatro décadas para ser composta, com tintas que o aproximam, em momentos diferentes, de Queen, Who (claro) e Beatles.
Lido Pimienta – “Quiero Que Me Beses”– A artista colombiana deixa de lado o pop eletrônico que rendeu-lhe indicações ao Grammy para fazer um álbum arrojado, inspirado na música de réquiem ouvida em missas católicas, combinando arranjos orquestrais com ritmos pop e canto coral.