Cabo de guerra entre o esporte e a música
A disputa pelo uso de estádios confronta clubes de futebol e megaconcertos. Afinal, a prioridade é de quem? E a vizinhança? Pode influir na questão?

A quem pertence esse estádio? Ao esporte ou aos shows de música?
Essa queda de braços vem sendo travada na Espanha desde que o recém-reformado Estádio Santiago Bernabéu, lar do Real Madrid, resolveu impedir a realização de grandes shows de música, depois que a vizinhança reclamou que o som do espetáculo da megaestrela Taylor Swift, realizado em maio passado, era excessivamente alto.
Os contrastes entre as modalidade de uso são distintos. Não só pelas diferenças fundamentais entre um tipo de evento e o outro – fãs de música acampam no entorno do estádio para conseguir um bom lugar quando os portões forem abertos; palcos, telões e equipamento de luz e som requerem dias de montagem e desmontagem; o nível de decibéis de um show é quase o dobro do emitido numa partida esportiva, graças, em grande parte, não ao que sai do palco, mas aos gritos dos fãs –, mas também pela destinação original do espaço, considerada prioritária, por mais que a renda dos shows sejam tentadoras. Os gramados e as arquibancadas do futebol estariam sendo tomados por megaeventos musicais. No entanto, a disputa pelos espaços é renhida.
Nada menos que um milhão de pessoas disputaram os ingressos para a turnê espanhola do porto-riquenho Bad Bunny, superastro do reggaeton … somente no primeiro dia de venda! E estamos falando de shows em apenas duas cidades, Madri (onde se apresentará por 10 dias consecutivos) e Barcelona (que ficou com os dois outros shows da excursão). Em pouco tempo, vendeu-se tudo. A turnê está com ingressos esgotados – e só começa daqui a um ano!
Por outro lado, os Rolling Stones decidiram cancelar seus planos de excursionar pela Europa neste verão setentrional por causa das agendas dos estádios onde planejavam tocar entre maio e agosto. No caso, a prioridade parece ter sido dos torneios de futebol, como se comentou alguns meses atrás, ainda que a banda e seus representantes jamais tenham confirmado sequer a existência da possibilidade de uma tour europeia.
É uma equação complicada, tornada ainda mais complexa pelas cifras envolvidas. De acordo com o Anuário da Associações Musicais da Espanha e com a Sociedad General de Autores y Editores (SGAE), a maior gestora de direitos autorais do país, a renda de shows e festivais de música alcançou no ano passado a marca de quase 726 milhões de euros (algo como quatro bilhões de reais), não muito distante dos 736 milhões gerados pelas partidas de futebol. Podem os estádios abrir mão dessa polpuda receita, em nome do esporte (e da sanidade dos vizinhos, que acionam a prefeitura, reclamando de seu direito a noites menos barulhentas)?
Alguns estádios entraram em acordo com os vizinhos e as respectivas prefeituras, concordando em abrigar apenas um ou dois shows de música por ano. É o caso, por exemplo, do Espanyol e seu RCDE Stadium, na periferia de Barcelona.
Já o Estádio Santiago Bernabéu, passado o período inicial, de banimento sumário da música, busca agora um meio termo que permita conciliar o entretenimento com o esporte – sem apoquentar os moradores. Contratou a mesma empresa de sonorização empregada pela Esfera de Las Vegas para poder readequar o espaço e, assim, poder voltar a receber shows de música. Isso se somaria à reforma já feita há pouco, ao toque de quase dois bilhões de dólares.
Enquanto isso, os torcedores do Valencia Futebol Clube logo ganharão um novo estádio – o Nou Mestalla, com capacidade para 50 mil pessoas, previsto para ser inaugurado em 2027 – , concebido, desde o inicio, para integrar esporte e entretenimento o ano inteiro, sem conflitos. O objetivo é que o novo espaço dê ao clube e à cidade reconhecimento internacional. Caminho semelhante é o escolhido pelo La Cartuja, estádio em Sevilha, que ampliou sua capacidade para 72 mil pessoas e se diz apto, agora, a receber bem também grandes nomes da música.
Ou seja, há aí um espaço de manobra para que esporte e entretenimento consigam conviver em harmonia – desde que preservada a paz dos vizinhos.
A segunda graphic novel a ganhar um Prêmio Pulitzer. Cat Stevens/ Yusuf Islam compartilha suas memórias. O faroeste do criador de O Eternauta. O novo serviço de streaming da rede social de cinéfilos. E o centenário de Rubem Fonseca.
– A pintora e escritora Tessa Hulls recebeu o Prêmio Pulitzer por seu livro de estreia, Alimentar seus Fantasmas, a segunda vez que uma novela gráfica é selecionada desde Maus, obra-prima de Art Spielgeman, 33 anos atrás. Tessa soube da premiação quando estava trabalhando como cozinheira no Capitólio de Juneau, cidade no Alaska onde mora. Seu livro de quase 400 páginas – uma visita às raízes chinesas da autora que levou quatro anos para ficar pronta – foi considerado pelo júri “uma comovente obra de arte literária, cujas ilustrações dão vida à experiência do trauma que viaja através das histórias familiares”. No entanto, Hulls – cuja paixão original é a pintura – não pretende publicar mais livros, por não se considerar uma autora, mas uma artista multidisciplinar. Por ora, planeja fazer jornalismo, mas usando a linguagem dos quadrinhos.
– Cat Stevens – ou Yusuf Islam, como também é conhecido – vai lançar seu livro de memórias, Cat On The Road To Findout, que sai em setembro, no Reino Unido, e em outubro, nos Estados Unidos. O músico londrino – cujo nome verdadeiro é Steven Demetre Georgiou – também narra a versão em audiolivro. Cat está em turnê pela Europa e se apresenta em julho no Hyde Park, como parte de um lineup que inclui, ainda, Van Morrison e Neil Young.
– A editora gaúcha Lorentz publicou "Loco" Sexton, faroeste feito por Héctor Germán Oesterheld, o criador de O Eternauta, série argentina de quadrinhos transformada em série de televisão e hoje o maior sucesso da história da Netflix dentre as produções não feitas em língua inglesa, como mostramos aqui mesmo na semana passada. Parceria com o desenhista chileno Arturo Pérez de Castillo, são dois volumes estrelados pelo personagem (um jornalista americano que, depois de fracassar em Nova York, vira cronista do Velho Oeste), nascido no início dos anos 1970, cada um com perto de 240 páginas, trazendo 43 histórias curtas ambientadas no século XIX.
– A plataforma Letterboxd – uma rede social para cinéfilos com 20 milhões de usuários, dentre eles cachorros grandes como Martin Scorsese – passou a oferecer um elemento de streaming. A Letterboxd Video Store foi lançada esta semana no Festival de Cinema de Cannes e oferecerá períodos limitados de tempo, “janelas”, quando o usuário poderá acessar “favoritos de festivais, preciosidades pouco conhecidas, cinema global e vozes emergentes” no cinema.
– E tome literatura. “Aos 100 anos, Rubem Fonseca precisa ser libertado da camisa de força do brutalismo”, propõe Mario Cesar Carvalho em seu texto para a plataforma Poder360 sobre o autor carioca – “um dos renovadores da literatura brasileira dos anos 1960”–, muito conhecido por narrativas violentas, cuja obra e centenário estão sendo celebrados com um novo caixote, Todos os Contos + 2 Inéditos, e uma fotobiografia, criada por Bia Corrêa do Lago, filha de Rubem, morto em 2020, aos 94 anos. Para Mario Cesar, o adjetivo “brutalista”, utilizado pelo crítico Alfredo Bosi em 1975, quando resenhou 'Feliz Ano Novo', “ fez sombra numa obra extremamente complexa, que joga com experimentos vanguardistas, como na novela 'Lúcia McCartney', faz troça de romances históricos, empilha citações para destruir a ideia de erudição e atinge um grau de nonsense e niilismo que o coloca ao lado de um Samuel Beckett. Fonseca não era um, como dá a entender a ênfase no brutalismo. Era 300, como dizia de si Mário de Andrade”.
PLAYLIST FAROL 120
Marianne Faithfull anda no fogo. Mateus Aleluia se rende ao amor. Ghost Hounds emprestam dos Stones. Flor Gil estreia solo. O glam rock atualizado do Foxwarren. Daniel Romano recebe um Marc Bolan de frente. O arena rock cearense do Selvagens à Procura de Lei. O punk de garagem do francês Les Lullies. O rock frenético de Frankie and the Witch Fingers. E a divina Peggy Seeger regrava um de seus clássicos
Marianne Faithfull – “Burning Moonlight” – Um ano antes de morrer, em janeiro passado, Marianne deixou prontas quatro faixas, que hoje compõem um EP. Dentre elas, a faixa-título, aparentada, de certa forma, com a melancolia de seu primeiro sucesso, “As Tears Go By”, mas onde lida com questões de finitude e legado, a partir da afirmação de que “andar no fogo é minha vida”.
Mateus Aleluia – “No Amor Não Mando”– Com seu vozeirão temperado por 82 anos de estrada, o baiano, ex-integrante do seminal Os Tincoãs, abre seu quinto álbum solo com uma ode (e uma rendição) ao amor, que tem arranjo sublime de Tadeu Mascarenhas.
Ghost Hounds – “She Runs Hot” – É como se o sexteto americano tivesse tomado emprestado para esta faixa de seu quinto álbum, Almost Home, o riff, o timbre de guitarra e a levada de “Crazy Mama”, dos Rolling Stones (para quem já abriu shows, aliás), e os transportasse para os dias de hoje.
Flor Gil – “Choro Rosa” – Neta de peixe, Flor brilhou ao lado do avô Gilberto e agora lançou seu primeiro álbum individual, Cinema Love, onde mistura versões para standards americanos – como “Moon River”– e composições próprias, incluindo esta, compartilhada com a portuguesa Maro.
Foxwarren –“Listen2me”– O segundo álbum do projeto do cantor-compositor canadense Andy Shauf vem banhado no glam rock dos anos 1970.
Daniel Romano – “Sweet Dew Of The Kingdom”– Com um baita jeitão de Marc Bolan e um tanto de prog anos 1970, este é o novo single do canadense – à frente de seu projeto, o quarteto The Outfit.
Selvagens à Procura de Lei – “Daqui Pra Frente”– Arena rock feito no Ceará pela banda – recém-reestruturada – liderada pelo cantor, compositor e guitarrista Gabriel Aragão, o único remanescente da formação original.
Les Lullies – “A L’Etroit”– Punk de garagem francês com frescor e marra. O resultado é bem próximo do que o Clash faria no início de sua carreira – caso cantasse na língua de Baudelaire.
Frankie and the Witch Fingers– “Dead Silence”– Muito aparentado com o Oingo Boingo, o quinteto de Los Angeles (conterrâneos, portanto) faz o que o próprio Danny Elfman descreveria como “música frenética”, um rock meio uêive, cheio de adrenalina, pingando de psicodelismo.
Peggy Seeger – “The First Time Ever I Saw Your Face”– Aos quase 90 anos, com 70 de carreira, a divina Peggy é uma das vozes mais importantes da música folk nos Estados Unidos e no Reino Unido. Sua canção-assinatura, composta para ela por seu futuro marido, o também astro folk Ewan MacColl, quando ainda era casado com a esposa anterior, foi transformada em sucesso estrondoso quando regravada por Roberta Flack, e aparece mais uma vez no novo – e, segundo ela, derradeiro – álbum, Teleology, numa versão ao mesmo tempo espartana e etérea. Transcendental no último.