Astro Morto S.A.
As cinebios de Bob Marley e Amy Winehouse teriam mais a ver com a busca de novas fontes de renda do que com uma real apreciação da vida e da obra de artistas que já morreram?
"Ele é um gato, ele é sexy, e ele está morto”.
“Ele” é Jim Morrison, vocalista do The Doors, e enfeita a capa chamativa da Rolling Stone em setembro de 1981 – 10 anos depois de sua morte.
A matéria na revista dava conta de uma enorme e surpreendente ressurgência de interesse pela música de uma banda há muito inativa e, sobretudo, por um ícone do rock que estava enterrado num cemitério em Paris.
Os motivos? Digamos que tenha sido um conjunto de fatores. A começar pela inclusão de “The End”, um clássico dos Doors, na trilha-sonora de Apocalipse Now, filme-evento de Francis Ford Coppola lançado em 1979, não muito depois de ter saído An American Prayer, álbum com gravações antigas de Morrison, feitas em 1971, recitando suas poesias, com acompanhamento musical dos Doors remanescentes, registrado quase uma década mais tarde.
Isso, combinado à edição do livro No One Here Gets Out Alive, biografia de Jim, ao aumento da presença de músicas dos Doors nas playlists das rádios FM (consequência do sucesso do filme de Coppola), e aos preços promocionais de todo o catálogo do grupo (aproveitando o espaço maior conquistado nas rádios), o que motivou uma procura inédita por seus discos.
As vendas dos álbuns dos Doors duplicaram ou triplicaram (dependendo do título), por conta do filme, do livro e da exposição, via rádio, de um público novo, mais jovem, à música do grupo. A ponto de um executivo da gravadora Elektra/Asylum dizer na época que estavam vendendo muito mais discos dos Doors naquele período do que no tempo em que Morrison era vivo.
Não se desconte, claro, o apelo perene da rebeldia e da complexidade da personalidade de Jim Morrison, “bonitão, mas cheio de problemas”, segundo a revista.
O fenômeno demonstrava, em primeiro lugar, a possibilidade de se revigorar o interesse por um artista e a capacidade de se ganhar dinheiro com ele, mesmo que tenha parado de trabalhar tempos atrás. E mesmo que esteja morto.
As recentes cinebios de Bob Marley e Amy Winehouse vão por esse caminho. São produtos que reacendem o interesse por artistas que já se foram, e que buscam reativar antigos fãs e conquistar novo público. E, assim, gerar novas rendas para os detentores dos direitos desses artistas.
Cada um em seu ritmo e com suas características próprias. Amy tem mais tragédia no seu currículo, um talento com enorme potencial que se foi cedo demais, vítima dos demônios da artista. Bob tem mais estofo e significado histórico, é o nome mais importante na popularização do reggae mundo afora.
Ambos os filmes foram feitos sob a chancela das respectivas famílias dos artistas e ganham as telas cercados de campanhas publicitárias agressivas, de alcance global. São grandes lançamentos de cinema, ultra-badalados.
One Love, sobre Bob Marley, saiu primeiro, e, apesar de críticas mornas, já coletou 80 milhões de dólares (10 a mais do que custou para ser feito), computadas as bilheterias de todos os quase 50 países onde estreou, o que faz dele a segunda estreia de cinebio musical de maior sucesso da história do cinema, abaixo apenas de Bohemian Rhapsody, sobre o Queen.
Back to Black, por sua vez, chega aos cinemas somente em abril e ainda é preciso esperar mais para ver seu verdadeiro desempenho. A seu favor existem os pedigrees da diretora – Sam Taylor-Johnson, que já levou às telas a adolescência de John Lennon (O Garoto de Liverpool, pelo qual foi indicada a um prêmio BAFTA) –, do roteirista Matt Greenhalgh – que escreveu Control, a cinebio de Ian Curtis, do Joy Division–, e da trilha musical original, os 20 minutos compostos por Nick Cave e Warren Ellis.
Não é novidade garimpar cifrões com novidades ligadas a astros mortos: vide o que aconteceu com os Doors, em 1981. Exemplos mais recentes são a cinebio de Elvis Presley e os incontáveis remixes de sucessos antigos do Rei. O que chama a atenção agora é a coordenação de ações de marketing e vendas que, apesar (ou acima?) de reviver o interesse pela música de um artista musical já morto, usam seu nome e sua marca para vender um produto que pode nem ter a ver com música.
Na verdade, os gestores do patrimônio e dos direitos de Bob Marley já são donos do que a revista Fast Company chamou de um “império de merchandising”. Não poderia deixar de existir uma marca de maconha ligada a Bob: a Marley Natural, financiada por um fundo de investimento, Privateer Holdings. Mas hoje também pode-se comprar de quebra-cabeças, café e mochilas a sorvete, roupas esportivas, skates e sandálias com a marca do artista jamaicano. Em 2023, Marley foi o nono artista morto mais rentável do ano, ficando logo abaixo de John Lennon no ranking da revista Forbes (Michael Jackson encabeça a lista). Entraram 16 milhões de dólares nos cofres de seus herdeiros e administradores. Dos quais, é importante ressaltar, grande parte resultante de vendas de merchandising, e não de música.
Essa capacidade de Bob continuar gerando renda ficou evidente bem lá atrás, com o resultado de Legend, álbum-coletânea lançado em 1984, três anos após sua morte. Houve reclamações quanto às músicas que faltaram na coletânea, que enfatizou mais o lado romântico do reggae e deixou de fora a faceta Rastafari e Afrocêntrica de Marley. Com vendas de 15 milhões de cópias (só nos Estados Unidos), no entanto, Legend tornou-se o disco de reggae de maior sucesso de toda a história, com quatro bilhões de streams no Spotify.
O interesse por Amy Winehouse dificilmente resultaria em cifras semelhantes às de Marley, quando sair Back to Black. Mas o filme conseguirá pelo menos estimular novas vendas de um catálogo enxuto, de cinco álbuns, sendo que um ao vivo e três deles póstumos. Ao contrário do que acontece com Marley, o merchandising em torno de Amy restringe-se basicamente a camisetas e bonés.
Por bem ou por mal, os números e os resultados mostram que um artista morto pode continuar rentável – e os shows com hologramas também exemplificam isso. Mas é importante estabelecer os limites.
É uma coisa revirar catálogos em busca de raridades esquecidas, remixar clássicos e produzir cinebios cintilantes que atiçam os fãs e fazem nascer novos convertidos. É bem outra usar como isca o prestígio, a popularidade e o respeito adquiridos pelo artista em vida simplesmente para atrair compradores de produtos com pouca ou nenhuma relação com a alma e a arte dele.
Sebastião Salgado dá um descanso à câmera. Quatro filmes (simultâneos) sobre cada um dos Beatles. Mostra celebra a arte de Yoko Ono. Ridley Scott biografa os Bee Gees. A volta de um selo clássico de quadrinhos, 70 anos depois. E o primeiro personagem negro da série 'Peanuts’ ganha especial de animação.
– Aos 80 anos, Sebastião Salgado, um dos mais importantes fotógrafos brasileiros, vai deixar de lado a câmera para se concentrar na curadoria de seu acervo, que acumula mais de 500 mil imagens. O que não significa que irá deixar de fotografar. “Nenhum fotógrafo para”, disse à Folha de S. Paulo, “porque é uma forma de vida”. Mergulhar em projetos que levam de seis a oito anos para ficar prontos está fora de cogitação. A saúde de Sebastião não está das melhores, afetada por sequelas da malária e por problemas na coluna. No entanto, Salgado manterá na agenda suas mostras – como a que fará na Conferência Climática da ONU (COP30), em Belém (PA), onde destacará seu trabalho “Amazônia”– e participações em exposições, dentre elas a Sony World Photography Awards 2024, em Londres. Haverá, ainda, uma mostra inédita, que Sebastião abrirá no MIS-SP, em maio, com fotografias feitas em Moçambique, Angola e Portugal, durante a Revolução dos Cravos, em 1974.
– Saem em 2027 quatro filmes sobre os Beatles, todos dirigidos por Sam Mendes (o mesmo dos recentes 007-Operação Skyfall e 1917). Só que cada filme será contado a partir do ponto de vista de um dos Fab Four. E os quatro filmes terão momentos de “intercessão” entre um e outro. É a primeira vez que a Apple Ltd. – empresa que controla a obra do grupo – e os Beatles e seus familiares permitem a feitura de cinebios de John, Paul, George e Ringo. O financiamento e a distribuição dos filmes ficarão a cargo da Sony Pictures. Detalhe: quando os filmes saírem, McCartney terá 84/85 anos. Ringo, 86/87!
– E por falar em Beatles, os 91 anos de Yoko Ono estão sendo marcados com uma grande retrospectiva no Tate Modern, em Londres. Reunindo 200 obras, a exposição Music of the Mind busca resgatar o trabalho multidisciplinar daquela que seu marido, John Lennon, chamava de “a artista desconhecida mais famosa do mundo”. São instalações, objetos, vídeos, fotos, esculturas, músicas e documentos acumulados no decorrer de sete décadas.
– Outra cinebio a caminho é a dos Bee Gees, a ser dirigida por Ridley Scott. O único irmão vivo do famoso trio pop – Barry Gibb – é o produtor executivo do projeto, que está sendo desenvolvido desde 2019. O diretor de clássicos do cinema, como Alien-O Oitavo Passageiro e Blade Runner- Caçador de Andróides, tem um passado com o grupo. Na época em que estava desenvolvendo Castle Accident, um filme de tema medieval, com Robert Stigwood, empresário dos Bee Gees, tanto Barry quanto Robin e Maurice Gibb seriam escalados para o elenco. Só que o filme nunca foi feito. Scott é o terceiro diretor trazido para a cinebio. Primeiro, seria realizado por Kenneth Branagh. Quando ele se desligou do projeto, entrou em seu lugar John Carney, especializado em filmes com temática musical, como Apenas Uma Vez e o recente Flora e Filho-Música em Família.
– Os quadrinhos da EC Comics, imortalizados pela série de terror Tales from the Crypt, serão retomados após 70 anos de paralisação. Através de uma parceria com a família do fundador da EC, William M. Gaines, a editora Oni lançará duas novas antologias: Epitaphs From The Abyss, de terror, e Cruel Universe, com histórias de ficção cientifica. Os novos quadrinhos foram encomendados a craques como Jason Aaron (Thor e Original Sin), Rodney Barnes (American Gods e Marvel’s Runaways), Cecil Castelucci (Female Furies) e Matt Kindt (BRZRKR). A EC tornou-se alvo de ataques do senado americano, preocupado com a delinquência juvenil na década de 1950. Intimado a depor, Gaines declarou que “na verdade, a delinquência é o produto do ambiente real onde vive a criança e não da ficção que ela lê”.
– Franklin, o primeiro personagem negro das tiras Peanuts, universo habitado por Charlie Brown, Snoopy e amigos, ganhou agora seu especial de animação na Apple TV +. Criado pelo norte-americano Charles Schulz para a tira que lançou originalmente em 1950, o garoto Franklin nasceu depois que o autor recebeu uma carta de uma professora de Los Angeles. Martin Luther King Jr. havia acabado de ser assassinado, e a professora, Harriet Glickman, sugeriu que acrescentar um personagem negro às tiras poderia ajudar a mudar “o vasto mar de equívocos, medo, ódio e violência” que envolvia a sociedade americana e levara ao assassinato. Schulz respondeu que sempre tinha desejado criar um personagem negro, mas temia ser condescendente. Não demorou, porém, para Schulz escrever de novo para Harriet, dizendo que em 29 de julho de 1968 – pouco mais de dois meses após a morte de Luther King Jr. – os leitores conheceriam esse novo personagem, apresentado numa tira em que ele, Franklin, encontrava Charlie Brown na praia – e os dois brincavam juntos. No Brasil, as tiras Peanuts começaram a ser publicadas em 1966, no Jornal da Tarde, de São Paulo, com o nome de Minduim.
PLAYLIST FAROL 71
Pearl Jam com sangue nos olhos. Beyoncé mergulha no country. O pop-rock-soul do Sheer Mag. O rock clássico do Blackberry Smoke. O alt-samba (ou samba indie?) de Rodrigo Campos. Das cinzas nasce Pylon Reenactment Society. Warpaint de volta. Jessica Pratt cercada de mistério. O rock psicodélico e melódico de The Bevis Frond. E o folk doce de Leyla McCalla.
Pearl Jam – “Dark Matter”– Faixa-título do 12º disco do grupo, produzido pelo mesmo Andrew Watt que trabalhou com Eddie Vedder, no último álbum solo do vocalista, e reenergizou os Rolling Stones. A julgar por esta pequena amostra, onde o pau come, a banda está com sangue nos olhos. O próprio Eddie considera esse o melhor álbum da carreira do PJ. E quem somos nós para discordar?
Beyoncé – “16 CARRIAGES”– Só estranha Beyoncé se aproximando do country quem esquece das raízes texanas da moça e da importância da música dos artistas negros para o gênero. Alguns dos sons que nasceram nos campos de algodão ou nas igrejas chegaram ao grande público americano quando “traduzidos" por nomes como The Carter Family e mesmo Woody Guthrie. Considerado o Pai da Música Country americana, Jimmie Rodgers colaborou com Louis Armstrong, em 1929. Gente como Ray Charles gravou álbuns só de música country. E não faz muito tempo que Lil Nas X explodiu para o superestrelato com uma canção country, “Old Town Road”. Ou seja, a mega estrela passa a integrar uma longa tradição – e com louvor.
Sheer Mag – “Moonstruck”– O terceiro álbum do quarteto da Filadélfia, Playing Favorites, soa como se Michael Jackson, ainda criança, encabeçasse um grupo indie com apetite pelo pop-rock e o soul de olhos azuis dos anos 1980.
Blackberry Smoke – “Dig A Hole”– O septeto do estado da Georgia, no sul dos Estados Unidos, chega a seu vigésimo álbum, Be Right Here, reforçando sua assinatura musical: rock ’n' roll clássico, misturado com soul e country, à moda dos anos 1970, não muito distante do Black Crowes.
Rodrigo Campos – “Gamei”– Alt-samba ou samba indie? Nessa regravação singular de uma música do Exaltasamba, o compositor, cantor e instrumentista paulistano combina elementos tradicionais do idioma com intervenções quase esotéricas de teclados eletrônicos, tudo levado numa gostosa e contagiante batida bossa nova.
Pylon Reenactment Society – “3 x 3”– Construído sobre as cinzas de outra banda – Pylon, adorada desde os anos 1980 – , o atual quarteto enfatiza suas raízes “uêive”, sublinhadas pelos maneirismos vocais da fundadora, Vanessa Briscoe Hay.
Warpaint– “Common Blue”– O quarteto feminino indie de Los Angeles celebra duas décadas de envolvente pop psicodélico com seu novo single.
Jessica Pratt – “Life Is”– O primeiro gostinho do novo álbum da cantora-compositora americana, Here In The Pitch, soa como se viesse de algum espaço dos anos 1960, todo encharcado de eco e coberto de mistério, com orquestração dramática.
The Bevis Frond – “Wrong Way Round”– Aos 70 anos, o veteranérrimo cantor-compositor-guitarrista britânico Nick Saloman traz seu projeto ao século 21, através de seu irresistível vigésimo-quinto álbum de rock psicodélico melódico, Focus On Nature.
Leyla McCalla – “Scaled to Survive" – Nova-iorquina de raízes haitianas, Leyla tem uma ficha polpuda de colaborações – geralmente, ao lado de Rhiannon Giddens. Seu doce folk tem pitadas de música africana e mesmo do Tropicalismo, como exemplificado por esta faixa de seu novo álbum, Sun Without The Heat.