Ado, superstar pop japonesa sem rosto, parte para conquistar o mundo
Avatar animado, hits musicais devorados por milhões de fãs, shows onde aparece apenas em silhueta e muito mistério alicerçam a carreira da sensação oriental que agora quer dominar a Europa e os EUA
Ado é uma cantora pop japonesa de imenso sucesso em seu país e no resto do Oriente, detentora da prodigiosa marca de seis milhões de ouvintes por mês no Spotify.
É uma superstar, uma sensação – só que ninguém jamais a viu. E o plano é que continue assim.
Não há fotos dela. Em vídeos, Ado é representada por uma personagem criada em animação, e nos shows que faz aparece apenas sua silhueta, cercada de projeções frenéticas de computação gráfica.
Mesmo assim – ou talvez justamente por causa desse mistério – , Ado é tão popular que está em meio a sua primeira turnê mundial, com paradas na Europa (na quarta, fez show em Londres; no sábado, estará em Dusseldorf) e nos Estados Unidos (Los Angeles, Nova York, Chicago e Austin). E a recomendação a todos que irão às apresentações é não usar celulares, binóculos, câmeras fotográficas ou de vídeo. Caso alguém seja flagrado burlando as regras – ou, como diz o aviso oficial no site da turnê, “não cooperando” – , a imagem de Ado, mesmo em silhueta, será “desativada” e o público terá que se contentar apenas com sua voz.
Ado tem 25 anos e sua música varia de baladas a punk rock contemporâneo – como em seu primeiro grande sucesso, “Usseewa”, lançado em 2020, quando a cantora tinha apenas 18 anos. Sua representação sob a forma de animação segue a popular linha anime – e Ado até já emprestou sua voz a um personagem do gênero, quando cantou sete canções na trilha do filme animado One Piece Film Red. Dentre elas, seu maior sucesso até agora, a dramática “New Genesis”.
Há, decerto, o lado pitoresco da artista pop cuja verdadeira identidade é desconhecida, uma característica que alimenta as repetidas temporadas de The Masked Singer. Mas, ao contrário do programa de TV e do projeto Gorillaz, a banda de personagens animados capitaneada por Damon Albarn, a proposta de Ado é sempre manter o segredo e usá-lo como um chamariz permanente. Ou, imagina-se, até que a revelação de quem é Ado torne-se a alavanca para uma nova fase na carreira da artista, assim como aconteceu com o Kiss quando seus integrantes abriram mão da maquiagem.
No entanto, pode-se argumentar que Ado não é apenas um truque de marketing – ainda que esse aspecto pitoresco paire sempre sobre a artista e o segredo em torno de suas verdadeiras características físicas seja o elemento predominante quando se fala dela. A voz e a teatralidade da cantora ganharam elogios do jornal britânico The Guardian, às vésperas dela se apresentar pela primeira vez no Reino Unido .“Ela executa as músicas com prazer, atingindo notas em mais de quatro oitavas e dando vida às letras com o entusiasmo e o alcance vocal dramático de um dublador de anime”, escreveu o jornalista Daniel Robinson, que entrevistou a artista via video chamada – com a câmera de Ado desligada.
Ado mencionou ao jornalista um precedente, que teria servido de inspiração.
Ela teria começado a fazer música utilizando um programa chamado Vocaloid, fabricado pela Yamaha, gigante dos equipamentos de som, que permite criar e manipular canções com Inteligência Artificial, através de instrumentos e vocais sintéticos. O programa criava as canções e Ado cantava em cima do resultado. No processo, descobria as possibilidades sobrenaturais das vozes criadas pelo programa – em termos de alcance e velocidade – e aprendia a descobrir caminhos para superar as limitações humanas.
Tudo motivado pela descoberta de Hatsune Miku, estrela pop virtual cujo avatar representava uma menina de 16 anos, que se apresentava ao vivo sob a forma de uma projeção. A voz de Hatsune – criada no Vocaloid – causou certa estranheza a Ado, mas ela se sentiu atraída pelo “ar de mistério” de tudo aquilo.
Ado seria o desenvolvimento humano do processo iniciado por Miku, digamos assim, com um adicional sutil que a aproxima ainda mais do público feminino e adolescente que forma grande parte de seu exército de fãs (que também inclui jovens adultos): o próprio nome. Simplesmente, Ado.
A vida e a carreira da pianista Tia Amélia, revisitada em documentário. George Lucas constrói seu museu de arte narrativa. Machado de Assis ‘entrevistado’, graças à Inteligência Artificial. Uma fábrica de sucessos chamada Sullivan & Massadas. E Neil Young volta ao Spotify.
– Saiu no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, o livro Tia Amélia – O piano e a vida incrível da compositora. Escrito por Jeanne de Castro, ele enfoca a vida e a carreira de uma pianista e compositora pernambucana de grande importância na música popular e folclórica, com presença maciça no rádio e na TV do Brasil dos anos 1950 e 1960, mas que é desconhecida pelas gerações mais jovens. Contemporânea e amiga de gigantes como Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga, Amélia Brandão tornou-se imensamente famosa com seus programas e discos, foi uma espécie de embaixadora do choro para crianças e adolescentes, admirada por colegas tão variados quanto Pixinguinha, Angela Ro Ro e Egberto Gismonti, e chegou a participar de um especial de fim de ano de Roberto Carlos, em 1976. Há também o lado feminista e independente de Amélia, que abandonou o marido e o engenho da família para se mudar para Recife com os filhos, determinada a viver de música. Numa época em que mulheres separadas eram mal vistas, inventou uma viuvez para ser melhor aceita. E sua carreira deslanchou quando mudou-se para o Rio de Janeiro.
– Vão de vento em popa as obras para a construção do Lucas Museum of Narrative Art, criado pelo cineasta George Lucas e sua esposa, a executiva Melody Hobson, que vem sendo erguido no coração de Los Angeles, com previsão de inauguração em 2025. Criado pelo arquiteto chinês Ma Yansong, o prédio lembra uma nave espacial – o que não é surpresa, uma vez que Lucas é o pai da série Guerra nas Estrelas – e ocupa uma área de quase 30 mil metros quadrados. O museu está sendo descrito como o primeiro focado exclusivamente em formas de arte dedicadas ao storytelling – ao contar histórias –, seja através de pinturas, esculturas, fotografias ou quadrinhos.
– Em meio ao intenso debate em torno do uso da Inteligência Artificial, a Academia Brasileira de Letras tirou da cartola um avatar de Machado de Assis, produzido pela empresa Euvatar Storyliving a partir de um repertório intelectual fornecido por profissionais da própria ABL, com o qual o público pode interagir através de um totem instalado na sede da instituição, no Rio de Janeiro. O jornal O Globo aproveitou a ocasião para entrevista o autor de clássicos da literatura brasileira como Memórias Póstumas de Brás Cubas.
– A música brasileira produzida nos anos 1980 – e aqui inclui-se tudo que vai desde Roberto Carlos e Xuxa a Roupa Nova e Gal Costa – não teria sido a mesma sem as composições da dupla formada por Michael Sullivan e Paulo Massadas. Juntos, eles criaram hits maciços que marcaram as carreiras de artistas tão variados quanto Tim Maia e Fagner, Alcione e Sandra de Sá. Agora, o legado pop da dupla – cuja parceria foi desativada em 1994, depois de ter gerado quase 700 canções, dentre sambas, forró, baladas e pop-rock – é tema de um novo documentário, dirigido por André Barcinski, Sullivan & Massadas: retratos e canções, já disponível na Globoplay.
– Dois anos depois de ter retirado todo seu catálogo do Spotify, em protesto contra o popularíssimo podcast de Joe Rogan, que ali vinha disseminando desinformação a respeito das vacinas de COVID em plena pandemia, Neil Young anunciou que voltará à plataforma de streaming. Diante do fato de que Rogan não mais é exclusivo do Spotify e pode ser ouvido agora em diversas outras plataformas, como Amazon e Apple, Neil concluiu que não teria como desaparecer por completo do mundo do streaming. A notícia chega às vésperas do lançamento do novo álbum de Young, Fu##in Up, gravado ao vivo em novembro passado. Mesmo assim, ao falar sobre sua mudança de posição o artista não deixou de dar uma espetada na qualidade do som da plataforma, que sempre é motivo de críticas. “Espero que todos os milhões de usuários do Spotify desfrutem das minhas músicas!”, disse. “Todas estarão disponíveis para vocês, embora sem o som completo que criamos”. Por enquanto, Joni Mitchell, que também se retirou do Spotify junto com Neil, ainda não deu sinal de que também irá voltar à plataforma.
PLAYLIST FAROL 74
O Deus Selvagem de Nick Cave & The Bad Seeds. Dion + Susan Tedeschi. T-Bone Burnett + Lucius. Kamasi Washington, extasiante. O avant-folk de Hannah Frances. TEKE::TEKE regrava The Clash … em japonês. A rancheira punk das Cigarras. As paisagens sonoras de Erika Angell. Clássico do Tangerine Dream reeditado. E o adeus a Karl Wallinger.
Nick Cave & The Bad Seeds – “Wild God” – A faixa-título do 18º álbum de Nick e seu grupo (que sairá somente em agosto) mistura rock antêmico e gospel triunfante para falar das memórias de uma divindade em plena DR consigo mesma.
Dion – “Soul Force”– Com a voz em ótima forma, mesmo após 84 anos de uso, o veteranérrimo Dion – ídolo musical na alvorada da década de 1960 – lançou mais um disco de colaborações, dessa vez cercando-se apenas de vocalistas ou instrumentistas mulheres. Aqui, na faixa de abertura, dialoga com a guitarra faiscante de Susan Tedeschi.
T-Bone Burnett – “Waiting For You” – Outra colaboração, dessa vez do mega-produtor com a dupla nova-iorquina Lucius, para o primeiro álbum solo dele em duas décadas, The Other Side, que sai em abril.
Kamasi Washington – “Prologue”– O saxofonista californiano está de volta, com esta amostra de mais um álbum extasiante, Fearless Movement, onde “duela" com o trompetista Dontae Winslow.
Hannah Frances – “Bronwyn”– Avant-folk cercado de orquestrações complexas, ricas, do vozeirão de Frances – artista baseada em Chicago –, de seu violão dedilhado e de sua guitarra cortante.
TEKE::TEKE – “Bankrobber”– Uma versão para lá de maluquete de um single de sucesso do The Clash, lançado originalmente em 1980. O que antes era um reggae/dub virou uma viagem psicodélica nas mãos do grupo multinacional canadense – e cantada em inglês e em japonês. A faixa faz parte do álbum Hearts & Minds & Crooked Beats, uma homenagem ao grupo britânico.
Cigarras – “Prensa no Pulmão”– Fumódromo, o primeiro álbum do quarteto feminino curitibano – em atividade desde 2017 – é uma porrada rock de alto a baixo, com atitude, personalidade e categoria. E as moças sacam até de uma rancheira punk sobre uma “prenda” para cima da qual nenhum campeiro pode “cantar de galo”.
Erika Angell – “Dress of Stillness”– Sueca, Erika usa a voz para pintar imagens sonoras misteriosas, por vezes desconcertantes, e evocar emoções que vão de surpresa a euforia em seu primeiro solo, apropriadamente batizado de The Obsession With Her Voice.
Tangerine Dream – “Phaedra” – O álbum que consolidou o prestígio do grupo alemão no mundo da música eletrônica progressiva – e dentro do universo ainda mais seleto do krautrock – ganhou reedição comemorativa de 50 anos. São experimentos sonoros viajandões, hipnóticos, encharcados dos sons criados através de (então ultra complexos) sintetizadores Moog, piano elétrico, Mellotron e guitarras, como na faixa-título.
World Party – “Is It Like Today”– Karl Wallinger – Depois que saiu do Waterboys, onde deixou contribuições marcantes por seu trabalho de multiinstrumentista, tocando em sucessos como “The Whole of The Moon”, o galês Karl criou canções impregnadas do DNA dos Beatles na banda que fundou e liderou a partir de 1986, a World Party. Wallinger morreu na semana passada, aos 66 anos.