A redenção do executivo da indústria fonográfica espanhola, sob forma de música
Pioneiro do rock e chefão de uma centenária gestora de direitos autorais, Teddy Bautista foi acusado de roubo e virou um "cadáver social". Agora, renasce com seu 1º disco em mais de 30 anos

Em 2011, Teddy Bautista era um titã da indústria fonográfica espanhola, pioneiro do rock, adorado ex-astro pop, estimado produtor de discos e respeitado presidente da maior gestora de direitos autorais do país, a Sociedad General de Autores y Editores (SGAE), que está comemorando agora 125 anos de atividade.
Mas, em questão de dias, Teddy virou bandido e réu, acusado de malversação de fundos e apropriação indébita, com pena estimada em sete anos de prisão, mais o pagamento de multa de 135 mil euros (o equivalente a cerca de 850 mil reais).
Bautista puxou uma cana, ainda que apenas por duas noites. Só que o julgamento foi longo e demorou uma década até ser absolvido, aos 78 anos, encerrando um período em que ele se sentiu “um cadáver social”.
Agora, aos 82, Bautista acaba de lançar seu primeiro disco em 33 anos, Ciclos 5.0-El périplo de las heroínas. Dedicado às mulheres (“as heroínas do título são as mulheres como um todo”, explica), o álbum de 75 minutos predominantemente instrumentais (as vozes fazem apenas vocalizações) retoma, de certa forma, seu Ciclos, de 1974, no qual “desconstruía" As Quatro Estações, de Vivaldi. Teddy, dessa vez, investe fundo nas sonoridades orientais, misturando-as com sintetizadores, guitarras e música eletrônica.
O disco – complexo, desobediente a estilos ou fronteiras, costurado com diferentes texturas – é “o tipo de milagre que só pode ser propiciado por uma mente admirável”, decretou Fernando Neira, do diário El País, em sua elogiosa resenha sobre um álbum “arrasador”, que não é “um mero disco de pop para 2025, mas uma obra duradoura”.
É um renascimento verdadeiramente extraordinário de um artista cuja carreira já transbordava predicados e passagens excepcionais.
Embora pouco ou nada conhecido no Brasil, na Espanha Teddy é um ícone artístico e tem uma trajetória que parece obra de ficção. Ele começou a carreira nas Ilhas Canárias, onde nasceu. Filho de uma concertista de piano clássico, ouvia em sua cidade natal o pop e o rock que chegava nas mãos de marujos americanos, algo semelhante ao que acontecia com os Beatles, em Liverpool. À frente de sua banda, Los Canários, mais tarde Los Diabos del Rock – nome que certamente não devia agradar à ditadura franquista –, numa apresentação em Sevilha conheceu um dono de parques de diversões nos Estados Unidos que contratou o grupo por 10 mil dólares para cruzar o Atlântico e tocar em seu país.
A partir dali, Teddy e seus companheiros de banda frequentaram os bem equipados estúdios americanos e ingleses e conviveram com grandes artistas, músicos, produtores e compositores, como Elvis Presley, Carole King, Phil Ramone, Paul Simon, Quincy Jones e Frank Zappa (que tornou-se amigo de Teddy). De volta à Espanha, encharcado de todo aquele aprendizado e de tudo de rock, soul e gospel que ouvira lá fora, Teddy chegou com cancha bastante para galgar uma carreira solo e produzir discos de pop-rock para alguns dos principais nomes do gênero em seu país. Até que nos anos 1980 ingressou na SGAE.
Agora distante da turbulência jurídica, econômica (todos seus bens foram congelados no decorrer do julgamento, o que obrigou Bautista a pedir dinheiro emprestado a amigos) e pessoal (muitos deram-lhe as costas depois que foi preso, algo que ele compreende, diante do frenesi mediático que se montou em torno do caso), Teddy acredita compreender o motivo de sua acusação, decorrente da busca por aquilo que ele chama de “tecnofeudalismo”, quando grandes empresas de tech se unem para criar situações de maior vantagem para elas no pagamento dos direitos autorais.
Dedicado a preservar a saúde física e mental com meditação, ioga e musculação, hoje ele afirma que a vida de executivo o afastou tanto de seu talento original que houve um momento em que já não sabia mais tocar o piano, o instrumento que a mãe o havia ensinado a tocar. Graças à ajuda de um amigo, reatou com as teclas, tocando de oito a nove horas por dia para praticar.
Assim, “fui resgatado pela música”, relembra, numa entrevista. “Até que me entreguei de tal forma a ela que senti a necessidade de compartilhá-la com alguém”. Daí para Ciclos 5.0 foi um pulo natural.
Os 95 anos do histórico estúdio Cinédia. Filme censurado pela ditadura é lançado quatro décadas depois. Mostra abrangente de Caravaggio atrai multidões em Roma. A playlist do Rei da Inglaterra. E o funk carioca está prestes a invadir o mundo.

– Marco da produção cinematográfica brasileira, o estúdio Cinédia, do Rio de Janeiro – de onde saíram clássicos como O Ébrio e Alô, Alô, Carnaval – comemora seus 95 anos com uma exposição, sessões de alguns dos filmes que realizou – como Ganga Bruta, que será exibido com acompanhamento orquestral ao vivo –, um livro biográfico sobre seu fundador, o jornalista e cineasta Adhemar Gonzaga, e o anúncio da produção de um novo filme, o longa Memória das águas, de Fabian Cantieri, sobre a natureza e o Pantanal, com estreia prevista para 2027.
– Por falar em cinema brasileiro, só agora entra em cartaz no circuito comercial o filme Onda Nova, lançado na 7ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 1983, mas imediatamente vetado ao público pela Censura Federal. Produzido na legendária Boca do Lixo de São Paulo e dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia, o longa (que sai agora em versão 4K, restaurada) acompanha as jogadoras do fictício Gayvotas Futebol Clube, time feminino criado no ano em que o futebol para mulheres foi regulamentado no Brasil. As meninas enfrentam preconceitos de gênero e sexualidade enquanto se preparam para jogar contra a seleção italiana. Carla Camurati e Cristina Mutarelli fazem os papéis principais do filme, que ainda conta com participações de Regina Casé, Caetano Veloso, Tânia Alves e até do então jogador Casagrande.
– Nada menos que 60 mil ingressos foram vendidos em três dias para a mostra Caravaggio 2025, montada na Galeria Nacional de Arte Antiga no Palazzo Barberini, em Roma. A imensa busca se explica: a exposição marca a maior concentração no mundo das obras do pintor italiano Michelangelo Merisi, chamado de Caravaggio por causa do vilarejo onde morava sua família, na Lombardia, e considerado o “bad boy do barroco”. São 24 obras, das quais nove coletadas de coleções estrangeiras.
– Barack Obama costuma lançar uma playlist de músicas anual. Por que não, então, o Rei Charles III fazer o mesmo? Pois o soberano britânico acaba de disponibilizar uma playlist para os assinantes do serviço digital Apple Music. Ao todo, são 17 músicas, dentre elas faixas de Bob Marley, Grace Jones, Miriam Makeba e Kylie Minogue.
– Enquanto isso, o funk carioca está prestes a virar febre global. Pelo menos, é o que afirma a revista semanal inglesa The Economist, em matéria publicada semana passada. "Os brasileiros modernos preferem o sertanejo, um gênero de música caipira, e o funk, um estilo que surgiu nas favelas do Rio. O funk, em particular, pode se tornar global e mudar a marca do Brasil no processo", diz a revista, para quem Anitta seria agora embaixadora da música do Brasil, como costumavam ser artistas como Gilberto Gil. Ao citar Beyoncé e Kanye West, a revista diz, ainda, que superestrelas americanas usam batidas de funk em seus novos álbuns. Menciona até um produtor de discos que atua no mercado dos Estados Unidos, que diz ter recebido ligações de artistas como Timbaland e Snoop Dogg pedindo por batidas de funk.
PLAYLIST FAROL 112
Courtney Barnett regrava Neil Young – que desencava um álbum antigo e inédito. Vundabar, a bola indie da vez. O rock galês com pinta de anos 1980 do The Tubs. O jazz-rock viajandão do Niechęć. O pop-rock inteligente de Hamilton Leithauser. O psicodelismo de Moreish Idols. A pérola desconhecida de Gal Costa. Lenine canta Lulu Santos (e Nelson Motta). E o adeus a Brian James.
Courtney Barnett – “Lotta Love”– A craque australiana do rock indie regravou uma faixa originalmente lançada em 1978 pelo legendário cantor-compositor canadense. Faz parte do álbum beneficente Heart of Gold: The Songs of Neil Young, cuja renda reverterá para a The Bridge School, centro educacional para crianças com necessidades especiais e dificuldades de comunicação, fundada quase 50 anos atrás em São Francisco, na Califórnia, por Pegi Young, ex-esposa de Neil. Também participam do álbum artistas como Eddie Vedder, Brandi Carlile e Fiona Apple.
Neil Young – “Captain Kennedy”– E por falar em Neil, aqui está uma amostra de mais um álbum inédito, pescado lá em seu arquivo aparentemente sem fundo, Oceanside Countryside, gravado em 1977.
Vundabar – “Spades”– O trio de Boston é a bola da vez no circuito indie americano, com um jeitão britânico mas muito a dever ao rock americano alternativo de Rocket From The Crypt. É música explosiva, enorme, cheia de marra e riffs, que não chama, mas exige sua atenção.
The Tubs – “Narcissist”– Se a Legião Urbana e o Smiths tivessem um filho e chamassem Richard Thompson para cantar o resultado seria parecido com o som deste grupo galês, em cujo segundo álbum, Cotton Crown, se destaca a voz de Owen Williams.
Niechęć – “Nowe płuca” – Jazz-rock polonês viajandão, a cargo do quinteto de Varsóvia liderado pelo saxofonista Maciej Zwierzchowski.
Hamilton Leithauser –“Burn The Boats“– Frontman do Walkmen, grupo nova-iorquino de indie rock, Hamilton faz um pop-rock inteligente e recheado de detalhes intrigantes em seu quinto álbum solo, This Side of The Island.
Moreish Idols – “Dream Pixel”– O quarteto britânico faz psicodelismo na linha Stone Roses para o século 21 em seu álbum de estreia, All In The Game.
Gal Costa – “A Morte”– Não é todo dia que uma jóia musical rara e de altíssimo quilate vem à luz do dia. Pois esse é o caso do EP recém-desencavado do baú da gravadora Phillips (hoje parte da Universal Music), com três músicas gravadas por Gal Costa em junho de 1972, acompanhada por alguns dos mesmos músicos que haviam tocado com ela durante a temporada do show "Fa-Tal – Gal a todo vapor”, que incendiou durante um ano o teatro Tereza Raquel, em Copacabana, mais algumas trocas e adições: Lanny Gordin ( guitarra), Bruce Henry (baixo), Tutty Moreno (bateria) e Perna Fróes (piano e teclados). No EP, Gal canta Dorival Caymmi (“O Dengo Que A Nega Tem”), Luiz Melodia (“Vale Quanto Pesa”, à época ainda inédita) e Gilberto Gil (“A Morte”, que acabou entrando no primeiro álbum de Jards Macalé). Tudo isso foi registrado em um estúdio em São Paulo, mixado – mas lançado só agora, ano em que Gal completaria 80 anos.
Lenine – “Certas Coisas”– A gravação do clássico de Lulu Santos saiu em 2014, no disco em homenagem aos 70 anos de Nelson Motta, autor da letra desta e de tantas outras parcerias musicais. Mas acaba redescoberta agora, na interpretação delicada de Lenine – acompanhado da harpa elegante de Cristina Braga – após sua inclusão na trilha da telenovela Vale Tudo.
The Damned – “New Rose”– Considerado o primeiro single de punk rock lançado no Reino Unido, “New Rose”, de 1976, foi uma composição de Brian James, o guitarrista que fundou o The Damned junto com Rat Scabies, Captain Sensible e Dave Vanian. Foi uma das bandas pioneiras do movimento punk, contemporânea de The Clash e Sex Pistols. Mais tarde, o músico formou The Lords of the New Church com Stiv Bators (vocalista do Dead Boys), Dave Tregunna (baixista do Sham 69) e Nick Turner (baterista do Barracudas). Sozinho, James tocou com uma variedade de artistas, que incluiu de Stewart Copeland, do Police, a Iggy Pop. Brian morreu na semana passada, aos 70 anos.