A obra-prima do Pink Floyd, cinquenta anos – e 50 milhões de cópias vendidas – depois
As histórias por detrás de um dos discos clássicos da história do rock, cujo meio século está sendo comemorado com uma mega reedição especial
Em fevereiro de 1973, o Pink Floyd estava pronto para mostrar ao mundo seu oitavo álbum. E reuniu a imprensa para uma coletiva e uma audição no London Planetarium, locação apropriada ao título do novo disco: The Dark Side of The Moon.
Quem compareceu ouviu, em primeira mão, aquela que seria a obra-prima do grupo, um álbum comprado por mais de 50 milhões de pessoas – até hoje é um dos 25 mais vendidos de todos os tempos – e que passou (até agora) 966 semanas dentre os Top 200 da Billboard: ou seja, 18 anos e meio.
De repertório burilado desde anos antes – inclusive, ao vivo –, The Dark Side of The Moon era o resultado de 60 dias (não consecutivos) de gravações e mixagem nos estúdios da EMI, mais tarde eternizados como Abbey Road Studios, e nascera a partir de um conceito que a banda – Roger Waters, David Gilmour, Nick Mason e Rick Wright – começou a discutir em 1971.
“Uma lista das dificuldades e pressões da vida moderna”, explicou Mason no livro Inside Out: A Personal History of Pink Floyd. “Prazos, viagens, o medo da morte – e a questão da instabilidade mental que descamba para a loucura”.
A loucura teve peso considerável na equação das letras que Waters escreveria para as músicas do disco. Afinal, era algo com que ele e seus colegas vinham convivendo, por conta da estraçalhante desintegração mental do co-fundador e frontman do Pink Floyd, a estrela maior do grupo – o guitarrista, compositor e vocalista Syd Barrett – , substituído por Gilmour quando tornou-se incapaz de produzir como antes. Dessa linha de raciocínio nasceram canções como “Brain Damage” (“Dano Cerebral”) e letras que falavam de “lunáticos”( “Eclipse”).
Gravado em 16 canais, envolto por uma produção state-of-the-art – a cargo de todo o grupo, assessorado pelo engenheiro de som Alan Parsons (egresso de longa temporada trabalhando com os Beatles em suas últimas gravações) e com mixagem feita por outro craque, Chris Thomas –, The Dark Side of The Moon era o disco mais conciso, envolvente, elegante, finamente intrincado, surpreendente e inovador do Pink Floyd.
"Um álbum de riqueza conceitual e de textura que não apenas convida o ouvinte como exige seu envolvimento”, escreveu Lloyd Grossman na Rolling Stone, quando o disco saiu.
E, de fato, tudo seduz, envolve e impressiona no disco. Às vezes, até assusta.
Abrindo e fechando com a batida de um coração, as músicas apresentavam efeitos sonoros inéditos – como o uso de um de sequenciador em "On The Run” – , davam sustos no ouvinte (os alarmes variados dos relógios de “Time”), elevavam o nível de emoção ao máximo (“The Great Gig In The Sky”, composição divina de Rick Wright, com vocais criados e interpretados por Clare Torry, que só em 2005 recebeu, depois de um processo, o merecido crédito oficial de co-autora), brincavam com a percepção – as várias frases soltas ao longo do álbum, resultado das respostas a perguntas feitas por Waters a diferentes pessoas: “quando foi a última vez que você foi violento?”, “tinha razão?”, "alguma vez achou que estivesse ficando maluco?” – e conduziam a um inexorável final agridoce, onde, embora “tudo sob o sol esteja em harmonia, o sol está eclipsado pela lua”.
Todo esse pacote criativo vinha entregue numa embalagem imediatamente icônica, criada pelo estúdio Hipgnosis a partir de uma ilustração antiga de The How and Why Wonder Book of Light and Colour, livro de física de 1963 que explicava como se formava um arco-íris. Uma pirâmide negra, que um feixe de luz atinge, formando um arco-íris. Sem o nome do grupo na capa.
Um dos parceiros do coletivo Hipgnosis, Storm Thorgerson explicaria mais tarde que a pirâmide seria um bom símbolo para representar a ganância – e a loucura.
Cinquenta anos depois de seu lançamento, The Dark Side of The Moon voltará aos planetários em março, quando sai a edição super deluxe comemorativa do disco. Em diferentes capitais do mundo estão sendo organizadas apresentações sob os respectivos domos, com visuais e conteúdo especiais para acompanhar os 42 minutos de audição do disco.
O caixote comemorativo trará o disco original – remasterizado para a ocasião –, mais versões dele com mixagens em Dolby Atmos e em 5.1 Surround. Junto, virão um CD adicional com a íntegra do show feito pelo Floyd em 1974, no Wembley Empire Pool, em Londres, tocando todas as faixas do álbum, livros variados – o maior, de 160 páginas, é editado pela Thames & Hudson e reúne fotos raras ou jamais vistas, feitas em turnês do grupo entre 1972 e 1975 –, todas as partituras de todas as músicas, e farto material gráfico reproduzindo os posters do álbum original e itens como o convite enviado em 1973 aos jornalistas para a primeira audição do disco.
Naturalmente, tudo isso não custará pouco: o pacote completo ficará por 300 dólares.
Em tempo: o Floyd abriu concurso para animadores do mundo inteiro criarem curtas inspirados em uma das canções do álbum. Quem se interessar, as inscrições estão abertas até 30 de novembro no site da banda.
Coda
Demonstrando como vivemos em tempos bem diferentes de 1973, a logo bolada para celebrar os 50 anos de The Dark Side of The Moon causou reações estapafúrdias.
Ignorando por completo a concepção da capa original do disco e demostrando preconceito cego, houve quem chiasse que o uso de um arco-íris na marca comemorativa significaria a adesão do Pink Floyd à causa LGBTQIA+. Oi?
Fotos inéditas de Paul McCartney viram mostra e livro. David Crosby estava preparando shows e disco novo quando morreu. Jovens profissionais americanas reclamam de 'Emily In Paris’. Mostra itinerante de peças do acervo do Museu Internacional de Arte Naïf chega a MG. E as músicas mais antigas estão ofuscando as novidades nos serviços de streaming?
– Duzentos e setenta e cinco fotos inéditas, feitas por Paul McCartney, entre 1963 e 1964, no exato período em que os Beatles passavam de grupo mais famoso da Inglaterra a fenômeno planetário, serão expostas na National Portrait Gallery, em Londres, de junho a outubro, e também virarão livro, a ser lançado quando Paul completar 81 anos, no início da exposição. Os cliques de Sir Paul foram feitos numa câmera de 35 mm em cidades como Paris, Miami, Londres, Nova York, Washington e, claro, Liverpool, e proporcionarão “uma perspectiva especialmente pessoal do que era ser um Beatle no início da Beatlemania", disse Nicholas Cullinan, diretor da NPG.
– David Crosby havia ensaiado dias antes de sua morte, na semana passada, e tinha planos para gravar um novo disco e iniciar sua primeira turnê desde a pandemia, com ingressos prontos para serem vendidos em questão de dias. É o que disseram amigos e colaboradores de David, entrevistados pela Variety. A informação contradiz o que foi divulgado num comunicado à imprensa que afirmava que o músico teria morrido após uma “longa enfermidade”, dando a impressão de que o artista estava acamado e incapacitado. "Estávamos discutindo transporte, lugares para os shows, quem gerenciaria a turnê, quem seria responsável pelo som”, disse o veterano guitarrista Steve Postell, que conversou com o músico, por telefone, até o dia de sua morte. A excursão começaria no final de fevereiro, com dois shows em Santa Barbara, na Califórnia, onde Crosby vivia, e ensaios vinham sendo feitos desde dezembro. “David era um cara debilitado por uma série de condições preexistentes”, continua Steve, “mas estávamos trabalhando o tempo inteiro, saindo para jantar”.
– As americanas que vivem em Paris estão enfurecidas com a série Emily in Paris, sucesso da Netflix, já em sua terceira temporada, onde uma jovem de Chicago conquista a capital francesa trabalhando numa agência de marketing – e vestindo-se e vivendo dentro de um padrão irreal, que não corresponde à ralação de jovens que fizeram a mesma jornada a partir dos Estados Unidos. A protagonista que dá o nome á série – Emily Cooper ( Lily Collins) – vence em Paris mesmo falando apenas algumas poucas palavras em francês e veste-se com o melhor da alta costura, bem além de seu saldo bancário. "Emily me envergonha”, reclamou ao The New York Times Nicole Prichard, que deixou a Virgínia para ser agente imobiliária na mesma cidade onde vive e trabalha a personagem. “Ela vive em Paris há um ano e ainda confunde champanhe com champignon!”. "O maior problema de Emily é cortar a franja por acidente enquanto cada gato que ela conhece na cidade se apaixona por ela”, brincou Rebecca Leffler, que mudou-se de Nova Jersey para trabalhar numa agência de publicidade em Paris.
– Abrigadas, desde janeiro de 2022, num apartamento em Copacabana, depois que foi vendida sua sede – um casarão do século XIX no Cosme Velho, Rio de Janeiro, onde a instituição funcionou por mais de duas décadas – , as cerca de seis mil obras do acervo do Museu Internacional de Arte Naïf (Mian), um dos mais importantes do mundo no gênero, correm o risco de serem desagregadas da coleção e enviadas ao exterior. Pensando nisso, e com o objetivo de chamar atenção para o problema e buscar patrocínio que viabilize uma nova sede para o museu, criou-se o projeto itinerante Arte nas Estações, que levará 270 peças do acervo para mostras em três cidades mineiras (Ouro Preto, Congonhas e Conselheiro Lafaiete), podendo se estender a Espírito Santo e Bahia.
– As músicas mais antigas estão ofuscando as novidades nos serviços de streaming? É esse o questionamento feito pela revista Bloomberg. De acordo com levantamento feito junto a serviços como Spotify, 73% dos consumidores estão preferindo ouvir o repertório de um “catálogo raso” – clássicos pop dos últimos 10 anos – às novidades lançadas em meses mais recentes. A revista The Atlantic é da mesma opinião: o mercado de músicas novas está encolhendo e todo o crescimento está sendo gerado por músicas velhas. Por uma série de razões: a valorização do catálogo de artistas veteranos (vivos ou mortos), uma fonte de renda comprovadamente sólida, e a falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento por parte das gravadoras são alguns dos motivos.
PLAYLIST FAROL 21
O novo disco de uma das maiores sensações de 2021. Um decano do glam rock volta com tudo, aos 83 anos. O folk sofisticado e profundo de Sunny War. Beatles no piano. Bowie em ritmo de reggae. Um clássico de Miles Davis revisitado. E filha de peixe…
Arlo Parks – “Weightless”– A cantora-compositora londrina Arlo estreou aos 20 anos e tornou-se uma das maiores sensações de 2021, pelas letras especialmente poéticas que nos enredam num retro-soul pop irresistível. Chega agora a primeira amostra de seu segundo álbum, My Soft Machine, que sai em maio, reforçando sua sonoridade-assinatura e, de novo, examinando os descaminhos de um coração apaixonado.
Ian Hunter– “Bed of Roses”– O veteranaço Ian, fundador do influente Mott The Hoople, marco do glam rock, mantém-se na ativa, aos 83 anos, com vigor de garoto, e lança em abril um novo álbum, apropriadamente batizado de Defiance Part 1, para o qual arregimentou pesos-pesados como os saudosos Jeff Beck e Taylor Hawkins, mais Billy Gibbons, do ZZ Top, Mike Campbell (ex-guitarrista de Tom Petty) e Ringo Starr, ambos brilhando neste primeiro – e nostálgico – single.
Sunny War – “Higher” – Sydney Ward pode soar como uma versão século 21 da caribenha-britânica Joan Armatrading, mas ela é de Nashville, com uma longa passagem, durante a adolescência, em Los Angeles, tem forte ligação com o punk e chega ao sétimo (e excelente) álbum agarrada a seu violão e cercada de craques como David Rawlings (com quem compartilha esta faixa) e o produtor Andrija Tokic, o mesmo de Hurray For The Riff Raff.
boygenius – “Emily I’m Sorry” – O supergrupo de indie rock formado por Julien Baker, Phoebe Bridgers e Lucy Dacus está lançando seu primeiro álbum desde 2018, the record, tingido de melancolia etérea.
Fenne Lily – “Lights Light Up" – Cantora-compositora britânica, Lily gravou seu novo álbum, Big Picture, na Carolina do Norte, recheado com um indie folk bem pop, sussurrado e doce, ganchudo e bem municiado de senso de humor.
Brad Mehldau – “I Am The Walrus” – O pianista americano de jazz gravou, ao vivo, no Philharmonie de Paris, um álbum dedicado quase totalmente a covers dos Beatles. Quase, porque You Mother Should Know, que sai mês que vem, fecha com "Life On Mars?", De David Bowie.
Easy Star All-Stars – “Starman” – E por falar em Bowie, que tal ouvir seu primeiro álbum icônico, The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars, de 1972, reinventado sob a forma de reggae? Pois foi o que fez o grupo nova-iorquino Easy Star All-Stars, especializado em “traduções” desse tipo (já operou a mesma transformação em discos de Radiohead e Michael Jackson, por exemplo), aqui auxiliado pelo anglo-jamaicano Maxi Priest.
Ísadóra – “bergmál”– A mãe de Ísadóra é ninguém menos que Björk e este novo single traz a jovem islandesa, de 21 anos, fazendo todas as vozes e tocando todos os instrumentos numa canção de tons rurais e primitivos. A moça também pode ser ouvida em “Her Mother’s House", uma das faixas de Fossora, o mais recente álbum da mãe.
Lisel – “Immature”– Artista experimental baseada em Los Angeles, Eliza “Lisel” Bagg já trabalhou tanto com a Filarmônica de Nova York e a Sinfônica de Boston quanto com nomes como Meredith Monk e John Zorn. Em seu primeiro álbum, Patterns For Auto-tuned Voices and Delay, ela monta faixas a partir de loops e colagens de vocais para criar música clássica contemporânea de efeito estonteante.
London Brew – “Miles Chases New Voodoo In The Church”– Outro álbum clássico que acaba de ser “reimaginado" é o potente Bitches Brew, de Miles Davis, lançado em 1970 e de enorme influência sobre gerações futuras, inclusive artistas de hip-hop. Um coletivo de músicos londrinos de jazz se reuniu em dezembro de 2020 para registrar 12 horas de música inspirada no disco de Miles. Uma amostra está aqui.