A estrada sem fim do AC/DC
Nem a morte conseguiu descarrilhar o veterano grupo australiano liderado pelo guitarrista Angus Young – o único remanescente da formação original – , hoje em plena turnê de cinquentenário
As primeiras imagens e os primeiros sons que saíram da Austrália para o mundo, no desabrochar dos anos 1970, apresentavam uma banda de rock pesado básico, de apelo juvenil, movida a “rock ’n’ roll de alta voltagem”, a muita testosterona e à personalidade de cartoon do guitarrista hiperativo, eternamente atracado a uma Gibson SG e metido num uniforme de colegial, com direito a boné e mochila.
Hoje, cinquenta e dois anos depois de sua formação, o AC/DC é um nome clássico do rock e uma marca multi-milionária que arrasta para estádios do planeta inteiro legiões de fãs espalhados por diferentes gerações. Tudo isso sem desviar um milímetro que seja de suas características originais, apesar de ter passado por perdas e transformações que poderiam ter custado o couro de artistas com menos estofo e força de vontade.
Atualmente cruzando os Estados Unidos em uma turnê comemorativa de seu cinquentenário – a POWER UP Tour, agendada para terminar em agosto, na Escócia – , o AC/DC é a prova da resistência, da determinação e da eterna fome de jogo de Angus Young, o guitarrista de 70 anos (certa vez apelidado de “Cão Danado” por um radialista soteropolitano) e cabelos hoje brancos como neve que fundou a banda com o irmão Malcolm – o arquiteto dos riffs matadores que compõem o repertório da banda – e hoje o único integrante da formação original. Malcolm faleceu em 2017, de complicações decorrentes de demência.
São cinco décadas de uma história de resiliência solidificadas com sucessos gravados no inconsciente coletivo do rock, todos com títulos bem arquitetados e de assimilação imediata, muitas vezes atiçando o imaginário com referências ao reino daquele a quem Raul Seixas atribuiu a paternidade do rock: “Highway to Hell”, “Back in Black”, “Hells Bells”, “You Shook Me All Night Long”, “Dirty Deeds Done Dirt Cheap”, “Thunderstruck", “For Those About To Rock (We Salute You)”.
Ao longo de sua carreira, o AC/DC peitou intempéries que poderiam tê-lo descarrilhado de vez. Bon Scott, a voz dos primeiros sucessos da banda e um frontman selvagem que fazia par perfeito no palco com o elétrico Angus, morreu em fevereiro de 1980, aniquilado por uma intoxicação alcoólica. No mesmo ano a vaga foi preenchida por Brian Johnson, egresso do grupo britânico Geordie, e com o novo vocalista já a bordo o AC/DC lançou o maior best-seller de toda sua carreira – seu sétimo álbum, Back in Black, comprado por fabulosos 50 milhões de pessoas.
Em 2014, com a doença de Malcolm diagnosticada, pela primeira vez a banda gravou um álbum sem ele, Rock Or Bust, convocando o sobrinho Stevie para assumir o posto do tio incapacitado, posição que tornou-se permanente quando Malcolm morreu. Por sua vez, Brian Johnson pendurou as chuteiras pelo que parecia ser para sempre quando anunciou – em meio à turnê de 2016 – que precisava parar de fazer shows, se quisesse evitar a perda total da audição. Num ato inesperado, Axl Rose afastou-se temporariamente do Guns N’ Roses para substituir Brian nos 22 shows que ainda restavam da excursão.
Para surpresa geral, Brian retornou ao grupo em 2020, “curado como por mágica” de seus problemas auditivos, como ele mesmo descreveu, a tempo de gravar o 17º e mais recente álbum de estúdio do AC/DC, Power Up, e de participar da atual excursão, com o mesmo porte de caminhoneiro bonachão (ainda que com alguns quilos a mais) e a voz ainda incrivelmente potente para seus 77 anos bem rodados. Ele pode não atingir mais os agudos de antigamente, mas seu ataque e seu vigor permanecem em forma.

A essa altura, desprovido de seu principal compositor, Malcolm, a identidade e a própria existência do AC/DC – que atua agora com o auxílio de dois músicos adicionais de apoio, os americanos Chris Chaney, no baixo, e Matt Lang, na bateria – depende de uma única pessoa, Angus, e o futuro da banda será ditado pelo que acontecer com ele. Agora envergando um uniforme vermelho, ele ainda é capaz de eletrizar e comandar a plateia do início ao fim dos shows. Mas até quando? E se Angus não puder ou não quiser mais trabalhar? Seria algo parecido com o que aconteceria com os Rolling Stones sem Mick ou Keith. E como seria o mundo sem eles?
“Bandas como AC/DC, os Rolling Stones e (nós), somos os últimos de uma raça em extinção”, disse Steve Perry, guitarrista do Aerosmith, no ano passado, à revista inglesa Classic Rock. “Não vai existir outro AC/DC, assim como não vai existir outro Guns N’ Roses. E será um dia triste quando o AC/DC não existir mais, quando não for mais possível ver Angus tocar ao vivo”.
Andy Warhol em São Paulo. Como é no presente o futuro mostrado em 'Black Mirror'? Vai votar para o Oscar? Prove que viu tudo mesmo. O meio século do ‘Aurélio’. E o golpe na internet que usou Charlie Watts como isca.

– Abre em 1º de maio e termina em 30 de junho, no MAB Faap, em São Paulo, a maior exposição dedicada a Andy Warhol já montada fora dos Estados Unidos. Um dos principais nomes da pop art, na mostra Andy será apresentado através de seu trabalho nas artes visuais, mas também de sua trajetória pelo rock – como seu envolvimento com o Velvet Underground, que empresariou –, no cinema e na TV (onde chegou a ter seu próprio programa). O público poderá ver peças marcantes da obra de Warhol, como os trabalhos que fez com imagens latas de sopa Campbell's, de Jackie Kennedy, Marilyn Monroe e Elvis Presley.
– Com a sétima temporada de Black Mirror já no ar, o The New York Times revisitou capítulos anteriores da série de distopia ficção-científica para verificar quais tecnologias sugeridas no passado para um futuro próximo teriam virado realidade no presente – e o quanto elas impregnaram questões variadas no século 21.
– Vai querer selecionar os próximos ganhadores do Oscar? Só se tiver assistido a todos os filmes indicados para concorrer na categoria específica em que for votar – e do começo ao fim do filme! Essa é uma das novas regras criadas pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Como isso será fiscalizado? A Academia vai monitorar quem assistiu a qual filme disponibilizado em sua plataforma de streaming só para associados. E quem tiver assistido àquele filme em algum festival de cinema precisará preencher um formulário dizendo quando e onde aconteceu a sessão.
– E quem está celebrando seu cinquentenário é o Dicionário Aurélio. Para marcar a data, a Casa Firjan, no Rio de Janeiro, preparou a exposição “Palavras que voam – Acervo Aurélio Buarque de Holanda”, que dá a dimensão desse trabalho a partir da trajetória do criador do mais famoso dicionário brasileiro do século XX. O visitante poderá ver documentos com anotações, fotografias e livros autografados por amigos do lexicógrafo, como Paulo Rónai e Clarice Lispector. “Fala-se tanto no Dicionário Aurélio, a ponto de ele ter virado sinônimo de dicionário, mas muita gente não sabe que houve uma pessoa por trás dele”, disse Camila Pinho, especialista de exposições da Casa Firjan e curadora da mostra, ao lado de Ana Dias e Gaya Lamin. “A personalidade de Aurélio nos ajuda a entender por que esse dicionário é um marco”, acrescenta. “Ele foi um intelectual de ouvido atento. Trouxe nossas gírias, as palavras de matriz africana, indígenas. Enfim, se interessou pela língua viva”.
– Algumas pessoas caíram recentemente num conto do vigário descarado envolvendo Charlie Watts, que durante quase seis décadas foi o baterista dos Rolling Stones. Surgiram na internet links para a pré-venda de uma biografia do músico, Silent Thunder, assinada por ninguém menos que Seraphina Watts, filha única do músico com Shirley Watts. Pois era tudo cascata, golpe para pescar os desavisados mais afoitos. Logo a família Watts veio a público alertar para o golpe, criado para se obter dados de cartões de crédito das vítimas, e deixando bem claro que o único livro sobre Charlie autorizado por seus herdeiros é Charlie’s Good Tonight, de Paul Sexton, lançado em 2022. A tempo: segundo a família do músico, a foto usada na capa da pretensa biografia foi criada com Inteligência Artificial.
PLAYLIST FAROL 117
O indie pop do The Kooks. A vingança de Alice Cooper. A voz vintage e o folk indie de Kassi Valazza. Billy Idol com apetite. Craig Finn, contador de histórias. Lael Neale, hipnótica. Stewart Copeland cercado de animais selvagens. Michael Penn + Aimeen Mann. Adrian Younge apaixonado por música brasileira. E o adeus a David Thomas, do Pere Ubu.
The Kooks – “Never Know”– O single do sétimo álbum do grupo inglês de indie rock abre os trabalhos com uma sonoridade pop e cativante, cheio de ganchos.
Alice Cooper – "Black Mamba”– A formação original do grupo vai lançar seu primeiro álbum em 51 anos. O último, Muscle of Love, é de 1973. Quando sair, em julho, The Revenge of Alice Cooper trará participações do guitarrista Michael Bruce, do baixista Dennis Dunaway e do baterista Neal Smith. O guitarrista Glen Buxton, morto em 1997, comparece através de um riff garimpado de uma fita demo e aproveitado na faixa “What Happened To You”. Ao todo, o novo disco terá 14 músicas e será dedicado a Glen. A primeira amostra foi disponibilizada ontem.
Kassi Valazza – “Shadow of Lately”– Em seu terceiro álbum, From Newman’s Street, a cantora-compositora americana combina folk indie com country, abraçando sua voz de tonalidade vintage com pinceladas românticas de guitarra laptop.
Billy Idol – “Still Dancing” – Sem lançar álbuns há mais de uma década – embora tenha feito EPs aqui e ali –, no novo Dream Into It Billy abraça com apetite sua persona pop-punk dos anos 1980, acompanhado pelo eterno parça Steve Stevens na guitarra, empolgado pela indicação para o Rock and Roll Hall of Fame, empreendendo uma retomada que também incluirá uma turnê americana com Joan Jett.
Craig Finn –“Luke & Leanna”– O vocalista do The Hold Steady se esmera como contador de histórias em seu novo álbum, Always Been, cercado pelo War On Drugs, resumindo em versos certeiros e cortantes o despedaçar de uma relação, com um arranjo frenético que deve um tantão a Bruce Springsteen.
Lael Neale – “Down On The Freeway”– O ritmo implacável do vai-e-vem de carros em Los Angeles marca o compasso desta hipnótica faixa de Altogether Stranger, o segundo álbum da cantora-compositora americana.
Stewart Copeland – “Coltrane Wolves in the Arctic Circle”– A Apple procurou o ex-baterista do Police com uma proposta: estava de posse do arquivo do pesquisador Martyn Stewart, com sons da natureza e, em particular, dos animais que moram nela. Será que Copeland conseguia pensar em algum uso musical para o acervo? Ele topou de primeira e assim nasceu o exuberante Wild Concerto, álbum onde ele e uma orquestra tocam arranjos de Troy Miller junto com pinguins, pardais, focas, corujas, hienas e lobos.
Michael Penn & Aimeen Mann – “Hallelujah! I’m A Bum”– Casal na música e na vida, Michael e Aimee gravaram esta faixa para o álbum beneficente Sweet Relief, cuja renda reverterá para serviços e assistência financeira para músicos profissionais e trabalhadores da indústria fonográfica e de shows nos Estados Unidos. A canção é uma antiga música tradicional do folclore americano e brinca com os predicados e a liberdade de ser um hobo – o sem teto, sem raízes e sem compromisso que vaga pelo país, geralmente pegando caronas em trens.
Adrian Younge – “A Música Na Minha Fantasia”– Ex-colaborador do Wu-Tang Clan e parceiro de Ali Shaheed Muhammad – um dos fundadores do A Tribe Called Quest – no projeto Jazz Is Dead, Adrian é tão fissurado em música brasileira que culmina agora uma trilogia de álbuns onde mergulha em sua paixão de forma profunda e absoluta, cercando-se de vozes do Brasil (Céu é uma delas) para cantar a letra em português que ele mesmo criou, depois de ter estudado a língua. O resultado soa psicodélico e brasileiro, da safra do final dos anos 1960.
Pere Ubu – “Non-Alignment Pact”– “Áspero e propositadamente feio”, decretou a Rolling Stone quando resenhou The Modern Dance, o primeiro álbum do grupo americano fundado pelo vocalista David Thomas em 1975, movido a saxofone, dissonância e vocais que gritavam letras difíceis de compreender. Não se podia esperar algo diferente de uma banda que se batizou com o nome do escritor francês absurdista Alfred Jarry. O PU singrou pelo aluvião pós-punk, chegou a fazer sucesso na MTV, influenciou um punhado de outros músicos – de Pixies e Ramones ao R.E.M. – , e manteve-se na ativa até agora, quando estava sendo gravado mais um volume para uma discografia que soma 20 álbuns (ou 40, dependendo da conta, acredite se quiser). David morreu dias atrás, aos 71 anos, enquanto tocava MC5 no rádio.